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Juiz das garantias: tema que deve permanecer fora da pauta do STF

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O chamado “pacote anticrime” (Lei 13.964/2019) introduziu, no nosso processo penal, a figura de um magistrado adicional, o juiz das garantias, encarregado de atuar durante a investigação do caso, sendo investido de funções como, por exemplo, a de receber a comunicação sobre a efetivação de prisões, a de ser informado sobre a instauração de inquéritos criminais, a de decidir sobre pedidos de prisão provisória ou outras cautelares, a de autorizar interceptações telefônicas ou medidas de busca e apreensão, e a de deliberar sobre a aceitação de acordos de colaboração premiada, ainda durante a fase investigativa. Concluídas as investigações e recebida a denúncia ou a queixa, cessam as atribuições do juiz das garantias no caso, que é entregue aos cuidados do magistrado de instrução e julgamento.

Logo após a promulgação da lei, a Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe), a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), a Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (Conamp) e algumas siglas partidárias pleitearam, junto ao STF, a declaração de inconstitucionalidade dos dispositivos acerca do tema, sob o argumento de que estes violariam a espinha dorsal de todo o sistema acusatório brasileiro, incluindo os princípios do juiz natural imparcial e da inércia do Judiciário.

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Após exame das respectivas ações, o Ministro Dias Toffoli, então presidente da corte, suspendeu, de imediato, a vigência de todas as normas sobre o juiz das garantias, por julgar que sua implementação demandaria “organização, devendo ocorrer “de maneira consciente em todo o território nacional, respeitando-se a autonomia e as especificidades de cada tribunal“. O Ministro Fux, que o sucedeu à frente do tribunal, manteve a suspensão, que perdura até hoje.

Nesse ínterim, o Conselho Federal da OAB  apresentou um pedido de preferência para a apreciação das respectivas ações, que, segundo a ordem, já estariam “maduras para julgamento”, e, na sessão da última quinta, o Ministro Lewandowski, ao examinar a validade do Departamento Estadual de Execuções Criminais e do Departamento Estadual de Inquéritos Policiais no Judiciário de São Paulo, afirmou que já estaria “na hora” de retomar o assunto, pois “a implantação do juiz das garantias é absolutamente fundamental”.

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Retrocesso dispendioso

Na prática, a duplicidade de togados para atuarem em um mesmo caso implicará na necessidade de provimento de mais cargos na magistratura, sobretudo levando em consideração o número de comarcas interioranas que ainda contam com juiz único. A inovação poderá representar gastos adicionais da ordem de R$ 1,6 bilhão, segundo cálculos aproximados da própria AMB.

Outrossim, a nova norma revela desprezo a um dos princípios mais relevantes do nosso processo penal, que é o acesso do julgador responsável pela elaboração da sentença a todo o acervo de provas, incluindo aquelas produzidas durante a fase de inquérito. Portanto, a proibição, imposta ao juiz sentenciante, de exame aos autos do inquérito compromete a valoração das evidências em seu conjunto, contribuindo para a impunidade dos réus. Aliás, com base nesse vasto rol de aspectos negativos, o veto ao juiz das garantias havia sido recomendado pelo então Ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro.

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Assim, tendo em vista os manifestos riscos sistêmicos inerentes ao instituto, em particular a onerosidade, a falta de clareza em torno de sua implementação, e a possível perda de efetividade na punição aos responsáveis por crimes graves, parece ser bem profícuo o engavetamento do assunto envolvendo o juiz das garantias. Que nossos julgadores de cúpula dediquem seu tempo à análise de litígios relevantes empilhados, há anos, nos escaninhos, e que, estes sim, clamam por prioridade.

 

Por Katia Magalhães

Katia Magalhãe é advogada (UFRJ), pós-graduada em Direito do Consumidor e da Concorrência pela FGV/RJ, coautora da Atualização do Tomo XVII do “Tratado de Direito Privado” de Pontes de Miranda, em comemoração pelos 100 Anos da Revista dos Tribunais. Atuante nas áreas de propriedade intelectual, seguros e de traduções jurídicas, e responsável pela coluna “Judiciário em Foco”, publicada pelo Instituto Liberal. Criadora e realizadora do Canal Katia Magalhães Chá com Debate no YouTube.

Aviso

As opiniões contidas nos artigos nem sempre representam as posições editoriais do Boletim da Liberdade, tampouco de seus editores.

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