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Panorama Jurídico – Nº 013 – 27/10/2023

Os principais fatos jurídicos da semana, o que está acontecendo de mais importante nas cortes brasileiras, com a opinião de juristas renomados, em uma linguagem simples e direta

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Por Kátia Magalhães*

STF: a abolição da prisão por tráfico privilegiado

Por unanimidade, a corte aprovou súmula vinculante para substituir, por regime aberto, a prisão de condenados por tráfico privilegiado, ou seja, primários, de bons antecedentes, e não-integrantes de organizações criminosas. A súmula, de cumprimento obrigatório por todos os tribunais e em todos os casos, foi editada por iniciativa do ministro Toffoli, inconformado diante do “constante descumprimento da jurisprudência do STF sobre a matéria pelos tribunais inferiores.” Afinal, o togado conhecido como “amigo do amigo do meu pai”, visto com simpatia pelo círculo íntimo de políticos e empreiteiras e com preocupação pela OCDE, não hesita em empunhar a caneta para impedir que outras cortes de justiça do país divirjam de suas posturas “heterodoxas”.

A “heterodoxia” da vez reside no fato de que a Lei de Drogas, aprovada pelo Congresso e sancionada pelo Executivo, permite, em hipóteses de tráfico privilegiado, eventual redução (de um sexto a dois terços) da pena de prisão. Porém, pelo menos até onde alcance o meu domínio do idioma materno, “redução” não é sinônimo de “substituição” por outro tipo de sanção, e, muito menos, de “abolição” do tipo de pena prevista na legislação. Sem um voto, Toffoli e seus pares tornaram a impor seu desejo, desconsiderando o consenso dos legisladores, ou melhor, a própria vontade popular.

A criminalidade grossa agradece. E a sociedade sofre mais a cada dia, sobretudo em suas camadas mais desvalidas.

Zanin e o terrorismo urbano no Rio

A pedido do Ministério Público Federal, o ministro Zanin suspendeu, em canetada monocrática, a realização de concurso para a PM/RJ, sob o fundamento de que “o percentual de 10% reservado às candidatas do sexo feminino parece afrontar os ditames constitucionais quanto à igualdade de gênero.” Na data da decisão, parte da frota de ônibus municipais ardia em chamas, durante ação de vandalismo praticado por marginais, em “retaliação” pela morte de um chefão da milícia. 

Além da habitual usurpação da atribuição de gestores públicos, da mesma forma como no tocante à polícia do DF, em caso comentado aqui (https://www.boletimdaliberdade.com.br/2023/10/21/panorama-juridico-no-012-21-10-2023/), o timing de Zanin para colocar em prática seu pseudo-feminismo não poderia ter sido mais impróprio. Afinal, naquele dia, a população carioca clamava, mais que nunca, por um contingente policial mais numeroso, efetivo e capaz de, pelo menos, mitigar as perdas. Portanto, contrariando as normas processuais e parâmetros básicos de razoabilidade, a liminar de Zanin ensejou o risco do chamado dano reverso, ou seja, a probabilidade de lesão efetiva para o Estado do Rio: redução de policiais nas ruas, e espaço ainda mais livre para a bandidagem sem freios.

Ou bem o togado é alheio ao noticiário do país, ou bem equipara seus sonhos identitários à preservação de vidas humanas e do patrimônio. Ambas as hipóteses o incapacitam para a função de supremo juiz. 

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Mais Zanin e os “171

Reiterando seu próprio entendimento anterior, o “neo-magistrado” impôs rigor ainda maior à exigência da representação da vítima para o início de ações penais contra acusados de estelionato. Até 2019, o Ministério Público, diante de evidências da prática desse crime, dispunha da prerrogativa exclusiva de propor medidas criminais contra supostos estelionatários. Daquele ano em diante, com a entrada em vigor do Pacote Anticrime (Lei 13.964/19), a representação da vítima se tornou condição para que o MP pudesse entrar com a ação. Em prol da segurança jurídica, a exigência seria imposta a medidas tomadas a partir de 2019. 

Contudo, Zanin não só tem condicionado processos anteriores a 19 à tal representação, como acaba de conceber mais uma “inovação”: se a vítima não demonstrar claramente sua intenção de levar a cabo o processo, terá de ser notificada para representar formalmente. Em julgamento do caso concreto, o togado não acatou o mero comparecimento das vítimas à delegacia; foi além, e determinou que manifestassem seu desejo de instauração de processo contra a acusada de estelionato no RJ.

Mais uma “etapa” não prevista em lei, que representará “obstáculo” adicional a ser superado pela vítima. Perde a sociedade ávida por maior diligência em inquéritos e processos; ganham os “171” e seus comparsas. É mesmo essa a lógica que impera por aqui? 

Supremo: indenização por desapropriação deve ser paga via precatório

Por unanimidade, o tribunal decidiu que a complementação de indenização ao proprietário de imóvel desapropriado será paga por meio de precatório. No litígio em questão, o município de Juiz de Fora havia desapropriado terreno para a construção de um hospital, e, em contrapartida, pago o valor de R$ 834 mil. Porém, o montante foi questionado pelo proprietário, e majorado para R$ 1,7 milhão. O poder público não pagou a soma de imediato, e a incluiu no sistema de precatórios (ordens de pagamento emitidas pelo Judiciário, para a quitação de valores devidos por entes públicos por força de condenações).

Tendo obtido ganho de causa nas duas primeiras instâncias, o município também foi vitorioso no STF. Contudo, a deliberação daquela que deveria ser a nossa corte constitucional viola dispositivos da nossa Constituição, que condicionam a desapropriação por interesse público a uma indenização “justa e prévia”. No caso do imóvel mineiro, o pagamento não foi “justo” (tanto assim que o valor veio a sofrer elevação pelo tribunal local!), e tampouco será “prévio”. Pelo contrário, a depender da quantidade de precatórios na fila, poderá ficar para o “dia de São Nunca”. 

Nova decisão que fragiliza o direito de propriedade, e impõe ao indivíduo uma sujeição indevida perante órgãos estatais. 

Barroso torna a defender regulação das big techs

Em discurso durante o 2º Colóquio Franco-Brasileiro de Direito Constitucional, na Câmara dos Deputados, o togado voltou a defender a regulação das plataformas digitais, e o “controle mínimo sobre o que chega ao espaço público.” Segundo Barroso, as redes “abriram as avenidas também para a desinformação, para os discursos de ódio, para as teorias conspiratórias, para destruição de reputações, para o uso da mentira como uma estratégia política.” Como de praxe, usou e abusou de eufemismos retóricos para justificar a censura.

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Diante de uma casa legislativa, e no âmbito de evento internacional, o presidente do poder encarregado da defesa da Constituição e das liberdades (incluindo a de expressão) assume seu firme propósito de impor mordaça a vozes por ele tidas como “iracundas e enganosas”. Entre nós, o “cala a boca” nem sonha em morrer!

Moraes contra o ensino domiciliar

Mantendo decisão do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, o ministro Alexandre de Moraes entendeu serem inconstitucionais dispositivos de lei daquele Estado, que possibilitavam a implementação do ensino domiciliar (homeschooling). Em mais uma de suas taxativas canetadas monocráticas, o togado corroborou sua própria deliberação anterior, segundo a qual a Constituição não vedaria o homeschooling, desde que a prática fosse autorizada por legislação federal.   

Esqueceu que a lei catarinense não dizia respeito à educação nacional, mas apenas a um método destinado a viabilizar o direito constitucional à aprendizagem, que em nada contrariava as normas federais da Lei de Diretrizes e Bases da Educação. O togado, tão supostamente reverente à repartição de atribuições legislativas em matéria pedagógica, é o mesmo que vem atropelando todos os ritos e cânones do Estado de Direito para legislar onde não pode, para processar, julgar e prender pessoas fora de sua esfera de competência, e até para calar os ditos “disseminadores de ódio e desinformação”. Dimensão da tragédia brasileira.

A deliberação deve ter sido ovacionada por sindicatos de professores e associações escolares, e deve ter causado desespero nas famílias violadas em seu legítimo direito de prover educação à prole. Enquanto uns poucos gargalham, muitos derramam lágrimas bem amargas.  

Moraes e a CPMI do 08.01

Na mesma semana, nosso arauto da “moralidade pedagógica” incluiu o relatório final da CPMI no Inquérito das Fake News, e ainda determinou seu compartilhamento com os Inquéritos das Milícias Digitais e da Abin Paralela. Segundo o togado, “o relatório final aponta, inclusive, o reiterado procedimento atentatório à Democracia adotado pelas milícias digitais, além do aparelhamento da Polícia Rodoviária Federal e do desvirtuamento do órgão central de inteligência como graves instrumentos de ataques ao sistema eleitoral e suas instituições.” Apenas reverberação, no Legislativo, de todo o discurso autocrático de um dito juiz que delibera segundo suas certezas apriorísticas, seus caprichos predeterminados, e seus desejos de todo o gênero. Nada além.

Moraes segue na execração dos réus do 08.01

Ocupando seu tempo em bater recordes de condenações pelos atos do 08.01, o togado conseguiu que o tribunal formasse maioria para sentenciar mais uma leva de réus, dentre os quais um pedreiro, uma cozinheira e um operador de caixa. Independentemente de histórico de envolvimento com delitos, de provas, e de prerrogativa de foro que possibilitasse o julgamento de suas condutas pela suprema corte. Mas, em um país onde o Judiciário se tornou um “poder político”, quem se importa com a regularidade dos processos?

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TST x Silvio Santos

A 6ª. Turma do tribunal condenou o SBT a pagar indenização de R$ 40 mil a coreógrafa que teria sido objeto de comentário depreciativo por parte do apresentador Silvio Santos. A autora da ação, em suas próprias palavras, teria sido empregada na emissora em substituição a uma colega recém-demitida, e Silvio teria anunciado a nova profissional como sendo “muito melhor que a outra que foi embora“, “olhando-a de cima a baixo”. Ainda segundo a autora, o comentário “faria clara menção à sua beleza e juventude”, tendo sido proferido com “conotação machista e sexual.”

Em que pese a vulgaridade da observação – talvez até um recurso próprio a atrações de massa como as capitaneadas por Silvio -, me pergunto qual teria sido o dano efetivo provocado à moça, que, afinal, não parece ter sofrido um real denegrimento em sua honra/reputação. Curioso o demandismo de alguns, ao acionarem um aparato judiciário estatal para a solução de “controvérsias” que bem poderiam ser sanadas em conversas francas entre as partes, olhos nos olhos. Mais curioso ainda é que togados, ocupantes do topo do funcionalismo público, se debrucem sobre o mérito de verdadeiras aventuras jurídicas apenas para parecerem, aos olhos da população, adeptos de supostas “causas justas”, tais como a defesa de minorias (seja lá o que isso for). Enquanto isso, pilhas de processo com muito menos apelo midiático dormem, à espera de decisões…

Em novo julgamento determinado pelo STJ, TJ/SP absolve réus por improbidade

O ex-prefeito de Araraquara e outros agentes públicos, acusados de dispensa indevida de licitação para contratação do CADESP – Centro de Apoio ao Desenvolvimento da Saúde Pública, haviam sido condenados, pelo TJ/SP, por violação aos princípios que regem a administração pública. Em recurso interposto pelos envolvidos, o ministro Mauro Campbell do STJ determinou, via canetada monocrática, que o tribunal paulista procedesse a um outro julgamento, à luz da nova Lei de Improbidade Administrativa (que muito dificulta a aplicação de sanções contra abusadores do erário).

Assim, em novo exame do mesmo assunto, a corte de São Paulo modificou seu entendimento anterior, e afirmou que inexistiriam provas robustas o suficiente sobre a intenção (dolo) dos agentes de praticarem malfeitos. Nas palavras do desembargador relator, “em que pesem as irregularidades cometidas pelos réus, não se encontra estabelecido nos autos o dolo necessário para ensejar sua condenação por atos de improbidade administrativa“. Ora, apesar das irregularidades, não há punição cabível?

Somos uma verdadeira incubadora de corrupção e desvios por todos os lados!

*Kátia Magalhães é advogada, liberal e apaixonada por arte e cultura.

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