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Panorama Jurídico – Nº 012 – 21/10/2023

Os principais fatos jurídicos da semana, o que está acontecendo de mais importante nas cortes brasileiras, com a opinião de juristas renomados, em uma linguagem simples e direta

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Por Kátia Magalhães*

Gilmar: “Se tivemos eleição de Lula, isso se deveu a decisão do STF

Durante evento com empresários em Paris, o ministro Gilmar Mendes afirmou que “a política deixou de ser criminalizada, e voltou a ter autonomia”, graças a julgados do Supremo. Em outras palavras, o togado disse, sem rodeios, que a obtenção (pelos procuradores da Operação Lava-Jato) de provas abundantes o suficiente para rechearem diversos volumes de processos, e que o exame (pelo magistrado do caso) das evidências à luz do direito seriam formas de perseguição a políticos. Ou seja, sob essa ótica distorcida, o mero cumprimento de dever de ofício configuraria prática ilícita.

Mas não parou por aí a diarreia verbal do supremo juiz. Inebriado pelos holofotes do poder, apontou a eleição do atual presidente como consequência direta de julgado de sua corte. Sequer cuidou de usar a palavra candidatura (o que já seria, no mínimo, imoral), tendo ido direto ao ponto, à vitória na corrida. Porém, suspeição e investigações sobre prevaricação são ferramentas reservadas contra certos magistrados que tenham ousado submeter os malfeitos de figurões ao devido processo legal.

Enquanto isso, a regularidade do pleito eleitoral continua sendo o nosso “dogma de estimação”. Apesar de Gilmar.

Mais Gilmar

Ainda na cidade-luz, o togado arriscou palpites sobre o perfil por ele considerado adequado à pasta da defesa, e sentenciou: “o Ministério da Defesa não poderia ser ocupado por ministro militar.” Até mesmo em solo europeu, o decano da nossa corte suprema insiste em se comportar como legislador, e até como gestor público. Deve ser fetiche.

Seguem as penas cruéis para os réus do 08.01

Em plenário virtual, distante dos nossos olhares “indiscretos”, o ministro Alexandre de Moraes condenou mais um lote de réus, acusados de crimes de abolição violenta do Estado de Direito e análogos. As penas, variáveis entre 3 e 17 anos de encarceramento, não seguiram a devida dosimetria por parâmetros legais, e muito menos, qualquer laivo de proporcionalidade entre as supostas condutas e a punição. Isso para não repetir, pela enésima vez, que esses réus, sem foro privilegiado, têm sido “julgados” por magistrados supremos desprovidos de atribuição para tanto, sem provas concretas de atitudes delitivas e sem direito ao recurso facultado aos habitantes de democracias.

Na prática, vidas humanas lançadas ao esgoto de uma masmorra perpétua, pelo capricho dos deuses de toga. Conseguimos “criar e empoderar” um tribunal 100% nacional, único no mundo em sua capacidade de abrir as portas do inferno dantesco a certos réus, e, pasme, de ser publicamente louvado por tamanha garra na luta contra o “terrorismo” local. Façanha digna do Guinness.

Ainda sobre o 08.01

A PGR acaba de remeter ao STF os primeiros acordos com réus do caso acima. Para firmar os tratos, os réus tiveram de confessar delitos – ainda que nenhuma prova os tenha incriminado! -, e aceitar o pagamento de multas entre R$ 5 mil e R$ 10 mil. E, por óbvio, ainda foram compelidos a frequentar o tal “curso de democracia”, concebido pela procuradoria em conjunto com togados, sem qualquer previsão legislativa. A partir de agora, teremos autênticos “campos de reeducação” para chamarmos de nossos. Bem ao estilo maoísta.

Em contrapartida, após homologação pelo Supremo, serão extintas as ações penais contra os réus que tiverem assinado os acordos, e revogadas eventuais medidas cautelares (como, por exemplo, o uso de tornozeleira). É isso ou a masmorra, sem terceira opção. Extorsão mediante sequestro?

Barroso e seu “Enem” para a magistratura

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Em sessão do CNJ, agora também presidido por ele, o togado anunciou medida para lá de “inovadora”: será criado um Exame Nacional da Magistratura, que funcionará como pré-requisito para a participação em concursos públicos para a carreira de juiz. Será que esse filtro, totalmente desprovido de amparo legal, servirá para testar o alinhamento dos candidatos aos valores da “democracia relativa”, em plena vigência da “constituição alexandrina”? Algum tipo de prova que exija dos postulantes a manifestação de juízos sobre, por exemplo, a atuação do judiciário como poder político, na defesa das instituições contra o “golpismo bolsonarista”, e/ou contra a disseminação de “discursos de ódio” nas redes?

Saudades do tempo em que alguém só era obrigado a fazer, ou deixar de fazer, por força de lei aprovada no congresso e sancionada pelo executivo.

Mais Barroso

Com voto do togado, a corte acatou, por unanimidade, ação proposta pelo partido Rede Sustentabilidade, e obrigou o poder público a fornecer transporte coletivo gratuito em dias de eleições. Segundo Barroso, “a falta de uma política pública de transporte gratuito no dia das eleições tem o potencial de retirar dos mais pobres a possibilidade de participar do processo eleitoral”.

Em sua bolha, a cúpula da magistratura finge desconhecer que transporte, assim como qualquer outro serviço, implica em custos, e que, ao final, alguém sempre paga a conta. Da mesma forma como parece não ver que, para além da condução, os caciques negociadores de votos dispõem de outros meios para manterem o eleitorado carente sob o seu cabresto. Nossos togados deveriam trocar o consumo barato de panfletos demagógicos por obras de Thomas Sowell e companhia. O país teria tudo a ganhar.

Zanin, ainda às voltas com a PM do Distrito Federal

Relator de ação do PT que discute a participação feminina em concurso para a PM/DF, o togado, após ter concedido liminar para determinar a suspensão do certame, designou, para o próximo dia 26, uma audiência de conciliação entre as partes. Atuando, como magistrado, em medida proposta pela sigla em cuja defesa projetou sua imagem para o país inteiro, Zanin torna a figurar como dublê de formulador de políticas públicas. E, a julgar pelo teor da liminar, certamente se empenhará, junto à corporação policial, em fazer valer sua visão sobre a compulsoriedade na repartição equitativa de vagas entre os gêneros.

Suspeição e invasão da esfera de atribuições de outro poder. Fica até cansativo comentar os mesmos vícios togados de sempre.

Fachin e o condenado por tráfico

Preso em flagrante portando 24,6 gramas de cocaína, um réu havia sido condenado, pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais, a 5 anos e 10 meses de prisão. Depois que o STJ manteve a decisão da justiça mineira, a defesa recorreu ao Supremo, sob a alegação de que a droga seria destinada a consumo próprio, e de que não haveria provas robustas de narcotráfico.

Em exame do caso, o ministro Fachin, relator do processo, entendeu que as circunstâncias reportadas por ocasião do flagrante “não permitiam definir se o porte da cocaína se destinava a consumo próprio ou ao tráfico.” Além de ter apreciado fatos, tarefa atribuída tão somente às duas primeiras instâncias (ou seja, ao juiz e ao TJ locais), Fachin ainda contrariou o senso comum, pois, como se pode conceber, uma dosagem da ordem mencionada acima não poderia ser ingerida por um único usuário.

São decisões como esta que pavimentam a rota da banalização, e até de eventual “legislação” de togados, e não de congressistas, sobre o tema das drogas.

STF: Nada de redução na incidência de ISS sobre hotelaria

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Em ação movida junto à corte, a Associação Brasileira de Indústria de Hotéis (ABIH) havia questionado a incidência do Imposto sobre Serviços (ISS) sobre o preço total das diárias pagas em hospedagem. Segundo a ABIH, como a hotelaria mescla aspectos da locação de imóveis e dos serviços (de hospedagem), o tributo deveria recair apenas sobre estes.

Porém, os togados acompanharam o voto do relator do caso, ministro André Mendonça, e entenderam que “os contratos de hospedagem em hotéis, flats, apart-hotéis, hotéis-residência, hotelaria marítima, motéis, pensões e outros, previstos na lei questionada pela ABIH, são preponderantemente serviços para fins de tributação pelo ISS.” Mais uma decisão pró-arrecadação, destinada a abarrotar os cofres dos municípios – sobretudo os de maior apelo turístico -, e a “amarrar a corda ao pescoço” de um dos setores mais produtivos da nossa economia. Afinal, para que aliviar a carga tributária de quem gera emprego e renda?

TSE: Bolsonaro cometeu ilícitos em lives, mas sem gravidade para punição

Assim deliberou, por unanimidade, a corte eleitoral, ao apreciar as transmissões de cunho eleitoral, transmitidas pelo ex-mandatário, da sede do governo federal. Após declarar a inelegibilidade de Bolsonaro durante as próximas corridas eleitorais, o tribunal “baixou o tom”, e criou a estranha figura do ilícito ma non troppo.

E ainda aproveitou a ocasião para tornar a legislar, pois definiu a “tese” (norma!) de que lives em residências oficiais, realizadas por candidatos à reeleição, só serão toleradas se não exibirem símbolos ligados ao cargo, e não implicarem em uso de recursos públicos. É cômico ouvir togados, dados à ostentação nababesca do dinheiro do contribuinte, impondo “restrições orçamentárias” a membro de outro poder.

TSE 2: Afagos a Lula

Julgando duas ações movidas pelo ex-presidente Bolsonaro contra o petista, o tribunal decidiu, por unanimidade, manter a elegibilidade de Lula. Na primeira medida, em que Bolsonaro acusava o rival de ter custeado anúncios no Google com fins eleitoreiros, o ministro Benedito Gonçalves afirmou que “a alegação da parte autora (…) não permite concluir que o anúncio “Inocência de Lula” se encaixaria em uma estratégia de manipulação do eleitorado.” Ora, se mentir a ponto de publicar a pseudo-inocência de um condenado em três instâncias (e jamais absolvido!) não é manipulação, então devo estar desaprendendo meu idioma. Já na segunda ação, em que Bolsonaro atribuía a Lula o uso eleitoreiro de trechos de entrevistas na mídia, Benedito entendeu que a prática “não ostenta gravidade suficiente para alcançar a dimensão abusiva.”

Preciso comentar?

CNJ complacente com Appio

O juiz Eduardo Appio, ex-titular da 13ª Vara Federal de Curitiba, autoidentificado sob o codinome “LUL22”, e suspenso das funções por suposta ameaça a desembargador do TRF-4, firmou acordo com o CNJ. Proposto pelo corregedor de justiça, ministro Luís Felipe Salomão, o trato consistiu, da parte da Appio, na desistência de retorno à 13ª VF, apesar de ter admitido sua “conduta imprópria”, e, da parte do conselho, na ausência de punição ao magistrado.

Mais um caso de robustas evidências de suspeição e de ameaça, e encerrado como já era de se esperar. Em pizza!

O TST e o “assédio” a líder sindical

Por suposta conduta persecutória e ato antissindical (seja lá o que isso signifique), a cúpula da magistratura trabalhista manteve a condenação de empresa farmacêutica a indenizar um propagandista da Paraíba, que teria se tornado alvo de suposto “assédio”, após sua chegada à liderança de um sindicato. O TST se restringiu a reduzir o valor da condenação, de R$ 200 mil para R$ 100 mil.

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Segundo o sindicalista, após a orientação de um gerente da firma para que os colegas “se afastassem dele”, o pior teria ocorrido quando de sua transferência para um setor de viagens. Nas palavras da liderança sindical, a nova função teria sido atribuída como forma de punição por parte da equipe, que queria “vê-lo sofrer por ter que ficar duas semanas longe de casa e das filhas“. O chororô foi acolhido pelos togados, pois, em decisão unânime, o TST concluiu que a empresa teria incorrido em descumprimento dos deveres do empregador dentre eles o de zelar pela segurança, pelo bem-estar e pela dignidade do empregado no ambiente de trabalho“.

Na mente da maioria dos juízes do trabalho, a repartição de funcionários por setores não deve ser pautada pela maior ou menor habilidade do colaborador na execução desta ou daquela tarefa, mas apenas pelas conveniências pessoais do funcionário. Ora, se o sindicalista estava tão insatisfeito assim, por que não se desligou da empresa e buscou uma recolocação? Nada disso! Mudanças de rumos profissionais exigem esforço e assunção de riscos. Mais cômodo é acionar o aparato judiciário (estatal) para que este dite a um ente privado o modo de tocar seu próprio negócio. Sobretudo quando se exerce posição de comando em sindicatos, que, entre nós, costumam ser bastante “afins” com a magistratura trabalhista.

TJ/RJ dá “segunda chance” a empresas condenadas por corrupção

Atendendo a pedido da prefeitura do Rio, o tribunal invalidou lei municipal (de iniciativa parlamentar) que proibia empresas condenadas por mau uso de verba pública de participarem de licitações. Em acolhida às alegações do alcaide carioca – outrora supostamente mencionado na planilha da Odebrecht como “nervosinho” -, a corte entendeu que apenas a União disporia da atribuição de legislar sobre licitação e contratos com a administração pública.

Ocorre que a lei anulada não usurpava a atribuição do Parlamento, pois apenas complementava/especificava dispositivos da legislação federal, como, por exemplo, a Lei Anticorrupção, com a qual se achava em perfeita harmonia. Porém, nenhum argumento favorável à norma municipal conseguiu demover a cúpula togada do Estado do RJ, que já teve 5 ex-governadores presos por corrupção. Pobre Guanabara.

STJ: outras ações penais em curso não justificam aumento de pena

Inquéritos policiais, ações penais em andamento e atos infracionais pretéritos não justificam o aumento da pena por maus antecedentes. Assim entendeu o ministro Reynaldo Soares, que negou aumento de pena a um condenado por estelionato. Agora, o “171”, que havia sido apenado a 1 ano e dois meses de prisão em regime semiaberto, ficará sujeito apenas a medidas restritivas, como, por exemplo, o uso de tornozeleira eletrônica.

Alguém imagina que esse estelionatário venha a se sentir desencorajado de enganar outras vítimas?

Mãe de jovem assassinado recebe voz de prisão após clamar por justiça divina

O juiz Wladymir Perri, da 12ª Vara Criminal de Cuiabá, deu voz de prisão à mãe de um jovem assassinado a tiros. Após a inquirição da senhora pela promotoria, a audiência foi encerrada, e, em seguida, a genitora da vítima se dirigiu ao réu, exclamando: “da justiça dos homens você escapou, mas da justiça Deus não escapa“. Foi então que o magistrado ordenou sua detenção.

Qual terá sido o objeto da punição? A liberdade de expressão, a crença na justiça divina, ou ambas? Enquanto as liberdades são cerceadas de modo injusto e torpe, como neste caso, narcotraficantes, corruptos e corruptores notórios festejam. Por vezes, até mesmo ao lado de seus juízes. Brasil às avessas.

*Kátia Magalhães é advogada, liberal e apaixonada por arte e cultura.

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