fbpx

Os adultos na sala

Compartilhe

A relação da Grécia com a União Europeia sempre foi atribulada, mas chegou ao seu pior momento em 2015. Naquele momento, Atenas era vista como a sede da irresponsabilidade fiscal e da incerteza política. Depois de mais uma rodada de negociações frustradas, para discutir as medidas de austeridade da Grécia, foi marcante o desabafo da diretora do FMI Christine Lagarde que significou um recado para o governo recém-eleito do Syriza (representante da esquerda populista): “Importante é retomar o diálogo com adultos na sala”. O que Lagarde queria dizer era que alguns problemas simplesmente não podem ser postergados nem escamoteados. O crescimento da dívida pública havia passado de 100% para 179% do PIB em 9 anos e a taxa de desemprego entre os jovens já batia 43%. O populismo e a hesitação dos imediatistas comprometeram o futuro de milhões. Não só mais de uma década, mas também um mundo, separam-nos da frase emblemática de Christine Lagarde.

Alguns milhares de quilômetros ao sul, em um estado cuja economia vem tomando contornos de tragédia grega, estamos nós, os Fluminenses. Nessas terras acumulamos atualmente uma dívida que supera os 200% da receita, mas, em vez de protestos e indignação, seguimos como se nossa gastança não fosse um problema. Nossa tentativa de adesão ao Regime de Recuperação Fiscal, por exemplo, é uma piada de mal gosto. Nas palavras do Tesouro Nacional: O estado, que se encontra em recuperação financeira e buscando suporte federativo, prevê aumentar suas despesas com pessoal ativo em 17,1% em 2022 e mais 8,9% em 2023, como resultado da concessão de reajustes retroativos para todas as carreiras do funcionalismo, além de prever reajustes pari passu com a inflação a partir de 2024 – ou seja, aumento salariais nominais realizados anualmente. O governador do Rio de Janeiro rebateu a nota do tesouro dizendo que “seria uma maldade tirar o Rio do RRF”. Em um passado não tão distante, tivemos que conviver com atraso de salários do funcionalismo no nosso estado, redução dos principais programas e retrocessos brutais no que diz respeito ao desempenho de alunos, índices de homicídios e taxa de desemprego. Esta última aliás, particularmente em relação aos jovens, segue na faixa dos 40%.

Nossa situação atual guarda mais semelhanças com os gregos do que costumamos lembrar. Aqui também tivemos o nosso Syriza. Não à esquerda, é verdade. Mas, independentemente da orientação política, nossa postura como estado em face da grave crise que nos assolou não foi muito melhor. Elegemos, na última eleição, o governador mais caricatural e tosco da nossa história, um mestre na arte de falar o que não importa, de chocar e conseguir atenção apelando ao que temos de pior. Mas Witzel foi sintoma da nossa imaturidade política, não sua causa. Os populistas de hoje no Rio de Janeiro e de 2015 em Atenas possuem um relevante traço em comum: Eles passam, e os problemas permanecem.

Hoje contamos com a sorte de um preço alto do petróleo e de uma receita extraordinária vinda da privatização da CEDAE. No longo prazo, porém, seguimos sem usar nossas crises para mudar o rumo da nossa economia; nossos alunos seguem aprendendo pouco; nosso governo segue gastando muito; e nossa incapacidade de fazer reformas estruturais vai estreitando o futuro de nossos filhos e netos. Mais uma vez o dilema dos anos eleitorais se impõe: Seguiremos escolhendo governantes que se comportam como crianças, sempre em busca da recompensa mais imediata, ou vamos escolher quem faça o que precisa ser feito? É importante reconstruirmos o estado do RJ, mas desta vez só com os adultos na sala.

Aviso

As opiniões contidas nos artigos nem sempre representam as posições editoriais do Boletim da Liberdade, tampouco de seus editores.

plugins premium WordPress
Are you sure want to unlock this post?
Unlock left : 0
Are you sure want to cancel subscription?