Novos mecanismos de corrosão da democracia brasileira: O bolsonarismo e o astroturfing - Coluna

Novos mecanismos de corrosão da democracia brasileira: O bolsonarismo e o astroturfing

16.02.2022 08:56

Quem conhece meu trabalho sabe que sou uma entusiasta liberal rawlsiana e que exerço um “mandato voluntário” por meio de minhas redes sociais para fazer denúncias autorais com base em meus estudos e fiscalização do poder público. Não recebo qualquer remuneração para fazer esse trabalho, nem pública nem privada. Mantenho uma rede de seguidores bastante tímida com poder de influência bem modesto quando comparado a políticos com mandatos ou blogueiros. Na última sexta feira, dia 11 de fevereiro, tuitei o seguinte comentário em minhas redes sociais:

“Equiparar o comunismo ao nazismo é uma manipulação negacionista típica do acervo olavista. Em termos de violência, existe um abismo entre eles. Um é sobre impor igualdade econômica, o outro uma raça superior. Podemos comparar as ditaduras como fatos históricos, mas as ideologias não.”

Os argumentos deste post são fundamentados em estudos de autores de ciência política sem qualquer ligação partidária e na observação das maiores democracias do mundo, que decidiram por criminalizar o nazismo, e não o comunismo. Doutro lado, temos a posição do presidente Jair Bolsonaro e seu filho, o senador Eduardo Bolsonaro. Eles defendem a criminalização do comunismo, respaldados pelo duvidoso acervo olavista e em sete frágeis democracias do mundo, que criminalizaram os símbolos desta ideologia. Tal discussão pode, e deve, ser construída de forma democrática, acolhendo observações e ponderações de ambos os pontos de vistas. Contudo, não é isso que se observa hoje no ambiente político e a minha postagem deixou latente o processo de radicalização e de manipulação do debate no ambiente virtual que distorce a moderação das partes e coloca uma cortina de fumaça sobre os verdadeiros anseios da sociedade. Tais mecanismos de manejo artificial do debate foi conceituado de astroturfing e cada vez preocupa mais os defensores da democracia.

Astroturfing pode ser definido como a manipulação da opinião pública por meio da fabricação de uma falsa manifestação de apoio ou rejeição a determinado ponto de vista ou causa. Ou seja, o astroturfing, na prática, organiza uma militância artificial e não orgânica e promove um falso ambiente de engajamento para influenciar os seguidores orgânicos de uma determinada rede a pensarem que a massa entende o problema de uma determinada forma. Sendo assim, o mecanismo não apenas encena o engajamento como também encoraja a participação de pessoas mal-informadas ou oportunistas a tomarem posições sem terem noção das suas reais consequências. Exemplos de astroturfing se acumularam nas últimas décadas, envolvendo corporações como Microsoft e Wal-Mart, agências governamentais de diversos países e grupos de pressão como o Tea Party. Aqui no Brasil os pesquisadores recorrentemente atribuem tais práticas aos políticos bolsonaristas.

O astroturfing foi aparentemente utilizado em meu post. Uma militância organizada foi implantada nas minhas redes sociais para manipular um cenário de estrita repulsão ao ponto de vista que eu defendia. Em menos de 60 minutos a minha postagem já exibia um engajamento muitíssimo superior ao que sempre apresentei, sendo que naquele momento, nenhum compartilhamento em redes com muitos seguidores tinha sido feito. Ou seja, o alto engajamento não podia ser explicado pelo compartilhamento de alto impacto. Blogueiros bolsonaristas só vieram a retuitar a postagem depois de 6 horas e em 24 horas o post recebeu mais de 20 mil interações, um número absolutamente fora da curva padrão. Desse engajamento, 90% foram de comentários críticos radicais e de ataques sem qualquer respaldo ético ou lógico.

Enquanto minhas redes sociais “bombavam” com ataques astroturfing, dezenas de amigos me escreviam no privado para se solidarizar, mesmo aqueles que apoiam a criminalização do comunismo. A maioria mostrou indignação com os comentários de logica maniqueísta que relaciona a crítica da criminalização do comunismo a um comportamento “anti-liberal”. Realmente não faz sentido, é de muita pobreza intelectual.

O astroturfing mostra como a opinião pública pode ser manipulada a partir de um teatro armado nas redes sociais. O impacto desta “manifestação encenada” é verificado por estudiosos de comunicação que comprovam a capacidade desta prática de influenciar a opinião pública através da aparência de um apoio popular sobre algo.

John Rawls pauta sua construção de justiça social na razoabilidade. Por isso é tão importante pontuar o que é razoável e o que não é. Logo, garanto aos meus leitores: “Nenhuma prática de astroturfing me impedirá de defender o que é razoável”. A minha razoabilidade não me torna uma comunista, e sim uma democrata.

Os ataques que recebi foram desproporcionais à minha opinião e só mostra o quanto a militância bolsonarista corrói o processo democrático. Nossa sociedade está sedenta por lideranças mais moderadas. E é o que sou: uma moderada convicta e sempre aberta ao contraditório; mas, diante da falta de embasamento científico da proposta por criminalização do comunismo, não me deixa dúvida que tal debate está sendo implantado para favorecer aspirações políticas do presidente, que sempre foi eleito a partir da construção de inimigos e da disseminação do medo. Portanto esse debate, nesse momento, só serve à reeleição de um populista, e não serve à democracia, que teoricamente deve acolher visões de mundo diferentes dentro de um limite razoável. Acho triste ver lideranças liberais aderirem a essa pauta.


Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil

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