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Nossas polícias vão entrar no século 20

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Por Lucho Andreotti*

As LEIS ORGÂNICAS NACIONAIS DAS POLÍCIAS CIVIS E MILITARES estão prestes a passar no Congresso Nacional.

Desde a constituinte de 1988 nossas polícias aguardam uma lei geral nacional que regulamente suas atividades e estruturas, que traga diretrizes para que haja uma padronização básica e uma identidade nacional para as instituições policiais. Até hoje, as polícias se regulam com uma infinidade de portarias, instruções normativas e decretos que trazem enorme insegurança jurídica e funcional para os policiais em consequentemente para a sociedade.

Finalmente, após 35 anos da constituinte, tais leis estão sendo votadas no Congresso Nacional trazendo alguns avanços necessários para sairmos de uma estrutura presa no século 19.

Sabemos que a política é a arte do possível, os textos das leis orgânicas que estão sendo votadas estão longe de ser os ideais para trazermos a estrutura das nossas polícias civis e militares para o século 21, porém, é preciso entender que o Brasil não tem vocação para mudanças drásticas repentinas e grandes rupturas. Tudo no Brasil passa por um lento e arrastado processo histórico onde se dá 3 passos pra frente e 2 para trás.

Sendo assim, após anos e anos de fracasso em se obter consenso entre oficiais e praças nas polícias militares, delegados e agentes nas polícias civis, ao que tudo indica, finalmente após meses e meses de articulação, diálogo e construção, chegaram em algum consenso para que tenhamos leis gerais para as PM’s e PC’s trazendo alguns avanços no tão arcaico, medieval e caótica estrutura das polícias estaduais.

Vamos começar pelos destaques do texto da Lei Orgânica Nacional das Polícias e Bombeiros Militares, cujo projeto de lei original na Câmara dos Deputados era o PL 4363/2001 aprovado com um novo texto substitutivo, recebendo o número PL 3045/2022 no Senado Federal aguardando aprovação:

-Normatiza as funções, atribuições e competência dos policiais militares trazendo mais segurança jurídica para a atividade dos policiais e bombeiros militares;

– Criação de 04 Quadros de Carreira:
02 Quadros de Integrantes da Reserva e Reformados(Praças e Oficiais)
02 Quadros Temporários(Oficiais e Praças):

-Quadro de Oficiais de Estado-Maior(QOEM): Bacharel em Direito para PM e outra graduação para Bombeiro Militar – Requisito para o Comando-Geral das Corporações.

-Quadro de Oficiais Especialistas(QOE):
Oficiais oriundos do Quadro de Praças realizam curso de habilitação, admitida promoção até Tenente-Coronel.

-Quadro de Oficiais de Saúde (QOS): Destinado ao desempenho de atividades de saúde, direção e administração de órgãos de saúde da PM e Bombeiro Militar.

– Quadro de Praças: Composto por praças aprovadas em Concurso Público de Nível Superior e progressão até Subtenente.

– Os integrantes da instituição militar, terão reservado percentual de, no mínimo, 30% (trinta por cento) das vagas nos concursos públicos para acesso aos cargos do Quadro de Oficiais Especialistas(QOE);

Ou seja, traz uma espécie de carreira em Y invertido, ou seja, apesar de continuar com duas portas de entrada para a instituição, os praças conseguem acessar o oficialato de duas maneiras. Uma é através de um concurso interno onde podem chegar até o posto de Tenente Coronel e a outra possibilidade será através do concurso público em que 30% das vagas para Oficial serão destinadas aos praças;

– Os integrantes da instituição militar não terão limite de idade para o concurso público de ingresso no QOEM;

– Tempo de atividade militar e os cursos de formação, aperfeiçoamento e especialização realizados na instituição militar do concurso serão contados como título para fins de classificação no concurso público e no processo seletivo interno para o Quado Oficiais Especialistas.

– As promoções para todos os postos e graduações serão observados os critérios de antiguidade e merecimento, este com critérios objetivos, evitando favorecimentos pessoais ou políticos;

– 20% (vinte por cento) das vagas nos concursos públicos para as candidatas do sexo feminino, no mínimo.

– Obrigatoriedade de Cursos Sequenciais de Carreira, por exemplo: Curso de formação de sargentos (CFS), com ingresso na graduação de aluno sargento, e habilitação à promoção a graduação de 3º sargento e curso de aperfeiçoamento de praças (CAP), destinado aos 2º sargentos, e habilitação a promoção a graduação de 1º sargento

-Garantia de carga horária com duração máxima estabelecida na legislação do respectivo ente federado, ressalvadas situações excepcionais;

-Garantia de tempo mínimo de 1 (um) ano de permanência na unidade militar, ressalvada a transferência a pedido ou compulsória prevista na legislação, devidamente justificadas;
– Garantia de estabilidade dos militares de carreira após 03 (três) anos de efetivo serviço nas corporações militares;

– Proibido participar, ainda que no horário de folga, de manifestações, coletivas de caráter político partidário ou reivindicatória, portando arma ou fardado e manifestar sua opinião sobre matéria de natureza político partidária – publicamente ou pelas redes sociais – usando a farda, a patente, graduação ou o símbolo da instituição;

-Possibilidade de permuta inter-estadual;

-Padroniza as patentes existentes em todo o Brasil;

-Evita a demissão dos policiais militares sem um processo administrativo com ampla defesa e contraditório;

-Garante armas e equipamentos modernos no exercício da função;

-Traz o livre porte de armas em todo o território nacional para ativos e veteranos;

-Traz assistência jurídica, médica, psicológica, odontológica e social para os policiais e seus dependentes;

-Assegura a precedência e atendimento prioritário em audiências judiciais e em outros órgãos de Estado, que tanto onera os policiais militares, bem como facilita o agendamento de tais compromissos;

-Traslado em caso de acidente ou morte, auxílio-funeral, transferência de ensino para militares e dependentes quando transferido para outra localidade, ajuda de custo em caso de transferência para outro Município, pagamento antecipado de diárias em deslocamentos fora da sede;

-Garante o direito de ser preso somente por ordem judicial ou em flagrante delito, acabando assim como as arcaicas e nefastas prisões administrativas;

-Direito de acumular cargo militar, magistério e na área da saúde;

-Direito de trabalhar em empresa privada se estiver de licença;

-Estabelece carga horária de 165 horas mensais aos policiais militares e bombeiros.

Agora vejamos os destaques da Lei Orgânica Nacional das Polícias Civis, aprovado na Câmara dos Deputados com texto substitutivo, cujo projeto de lei original era o PL 1949/2007, recebendo o número PL 4503/2023 no Senado Federal aguardando aprovação para posterior sanção presidencial:

-os cargos da carreira policial civil serão típicas de Estado;

-o Conselho Superior de Polícia Civil será composto por policiais civis de todos os cargos de forma paritária, acabando assim com o monopólio somente de delegados no conselho superior;

-a Escola Superior de Polícia Civil promoverá cursos de formação, capacitação, extensão, graduação, e pós-graduação aos policiais civis;

-o curso de formação valerá como Pós-Graduação;

-o Departamento de Identificação Civil, bem como as Unidades de Apoio Administrativo e Estratégico não precisarão ser coordenados por Delegados de Polícia, trazendo descentralização de poder dentro da instituição;

-Criação de Unidades de Saúde para os policiais civis;

-Na hipótese da exoneração a pedido do policial civil antes de completar 3 anos de exercício, o servidor deve ressarcir o erário pelos gastos com a sua formação na Academia de Polícia;

-Possibilidade de permuta ou transferências inter-estaduais;

-Atendimento prioritário e imediato pelo Ministério Público, Defensoria Pública, Poder Judiciário e órgãos de perícia;

-Padronização do organograma de todas as polícias civis do Brasil facilitando para a população saber aonde ir e entender como se organiza a instituição que lhe serve;

-Licença remunerada para o desempenho de mandato classista, licença prêmio de 3 meses a cada 5 anos de serviço, licença gestante;

-Assistência Jurídica gratuita;

-Carga horária de trabalho de 40 horas semanais com direito a hora extra;

-Diversas indenizações elencadas na lei;

-Pensão vitalícia no valor da última classe assegurada aos dependentes do policial que morre em atividade;

-Garantida a paridade e integralidade da aposentadoria policial;

-Vedada a cassação de aposentadoria como punição a aposentados;

-Cria-se o Conselho Nacional da Polícia Civil, promovendo assim integração entre as instituições;

-Enxugamento, simplificação e modernização dos cargos que serão apenas:

+Delegado de Polícia,
+Oficial Investigador de Polícia,
+Perito Oficial Criminal.

O cenário que temos atualmente é caótico. Cada Estado possui cargos e nomenclaturas diferentes como escrivão, oficial de cartório, agente, investigador, inspetor, comissário, agente de telecomunicações e etc. Tal reforma traz simplificação e desburocratização administrativa, havendo apenas 3 concursos diferentes e unificação da base, trazendo unidade, união e coesão.

Traz para a base um cargo mais robusto, com maior complexidade, o que levará a inevitável valorização com o tempo.

Com a unificação dos cargos da base, no cargo chamado OFICIAL INVESTIGADOR, teremos igualdade funcional, redução de sindicatos, padronização e identidade nacional, bem como aumentará o poder de negociação junto aos governos, já que serão milhares de policiais unidos na mesma causa pela defesa da melhoria da instituição, da prestação de serviços e de suas condições de trabalho, diminuindo rixas e disputas internas que afetam a qualidade do serviço prestado.

Com o fim do cargo de Escrivão, as polícias civis entrarão num processo orgânico de desburocratização e modernização. Em pleno ano de 2023, era da tecnologia, inteligência artificial e automação de processos, é inconcebível ainda falarmos em cartório policial, escrivanato e burocracia em nossas polícias. Em países desenvolvidos, as tarefas puramente burocráticas foram otimizadas há décadas e quem cuida delas são servidores administrativos.

As atividades administrativas devem ser realizadas primordialmente por servidores não policiais, profissionais treinados em gestão de recursos materiais e humanos. Não existe lógica em tirar policiais da atividade-fim para cuidar de contratos, gestão financeira e burocracias que não tem nada a ver com a atividade policial.

Os OFICIAIS INVESTIGADORES terão reconhecidos seus atos exclusivos, como por exemplo, o Laudo Investigativo, sem que o Delegado de Polícia tome a autoria para si e/ou altere o teor de tal documento como se dele fosse.

Tais leis se fazem necessárias para que, no contexto do SUSP (Sistema Único de Segurança Pública), tenhamos polícias com uma identidade nacional, não só para uma real integração nacional entre as instituições, mas para que a população entenda como se organizam suas polícias, de maneira que um cidadão do Acre estando no Rio Grande do Sul vai saber como funciona os nomes dos cargos e atribuições de cada policial e de cada corporação, bem como saber os deveres e direitos dos policiais em qualquer ente da federação, obviamente respeitando o pacto federativo em que cada Estado também tem espaço para normatizar suas polícias, porém, com uma base única, organizada e coesa.

A sociedade deve ficar atenta para que não desidratem ou alterem substancialmente os textos das leis, sob pena de fragilizar ainda mais o tecido das instituições policiais.

Após a aprovação no Senado Federal e a sanção presidencial, os Estados deverão se adequar a nova lei no prazo de 1 ano sob pena de sanções. E assim, sairemos finalmente do século 19 e avançaremos para o século 20. Mas atenção, ainda estamos longe de entrarmos no século 21 como as polícias de países desenvolvidos. O caminho será longo!

*LUCHO ANDREOTTI

Bacharel em Jornalismo e Direito, Pós Graduado em Segurança
Pública, Policial Civil, Coordenador Nacional do Movimento
Policiais Livres, Presidente do Instituto NISP (Novas Ideias em
Segurança Pública), Assessor Parlamentar, Colunista do Boletim
da Liberdade e Autor de dois livros

Aviso

As opiniões contidas nos artigos nem sempre representam as posições editoriais do Boletim da Liberdade, tampouco de seus editores.

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