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Doação compulsória de órgãos?

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SERGIO MOURA*

Quando eu brincava de “mocinho e bandido” com meus amiguinhos, tínhamos uma regra tácita que jamais foi quebrada: se, no meio da brincadeira, dava aquela vontade incontrolável de ir ao banheiro, ou se a mamãe nos chamava da janela, a gente gritava alto e bom som “altos”, e a brincadeira entrava em pausa (minha neta me diz que hoje usam pause, fruto da globalização). Terminada a função, tudo recomeçava onde tinha parado. Quem está na etapa sexagenária da vida, como eu, deve lembrar-se disso.

Nostalgicamente, prevê-se que esta regra seja revivida, graças ao projeto de lei 727, de 13 de fevereiro de 2019, do deputado federal Daniel Silveira (PSL-RJ). Seu Art. 3º manda que “o agente que, em conduta delituosa, for ferido gravemente em confronto com agentes públicos de segurança deverá ser encaminhado obrigatoriamente a uma unidade de saúde…” com o objetivo de conseguir aproveitar algum órgão para doação.

Só dá para fazer isso se os policiais gritarem “altos” (mas bem alto mesmo) para interromper o tiroteio toda vez em que um agente de delito cair ferido, para recolhê-lo e encaminhá-lo a uma unidade de saúde, depois que verificarem se o ferimento dele é grave.

Enquanto eu e meus amiguinhos íamos ao banheiro e voltávamos dele em dois minutos, esses “altos” devem durar umas duas horas – uma prontidão inaudita dos paramédicos –, o que permite aos dois lados descansar, lanchar e pensar em táticas para ganhar o conflito, o que acaba por levar o agente do delito ao óbito e o não aproveitamento de qualquer órgão.

Mas, supondo que os “altos” interrompam o tiroteio, o médico atenda imediatamente o ferido e os paramédicos o entreguem ao hospital em 20 min, esbarramos em outra dependência: o projeto de lei submete a retirada compulsória de órgãos à morte resultante de ação criminosa, o que requer uma autópsia e um inquérito, que, espera-se, aconteçam a tempo de os órgãos serem aproveitados.

Vai dar certo?

Boa vontade precisa de um pouco de lógica para ser útil, não acham?

*Sergio Moura, advogado, ex-diretor da IBM, Fellow do Institute of Brazilian Issues da George Washington University, autor do livro Podemos ser prósperos – se os políticos deixarem (Edição do autor, 2018)


Foto: Operação policial na favela da Rocinha, em 2017 (Vladimir Platonow/Agência Brasil)

Aviso

As opiniões contidas nos artigos nem sempre representam as posições editoriais do Boletim da Liberdade, tampouco de seus editores.

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