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O retorno do fantasma do imposto sindical pelo STF: uma decisão equivocada e estimuladora de desincentivo para a melhoria do sistema sindical brasileiro

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Por Mariano*

A reforma trabalhista (Lei nº 13.467, de 2017) promoveu inúmeros avanços na regulamentação do direito do trabalho brasileiro, tornando-o mais próximo às mudanças sociais e econômicas ocorridas nos últimos anos, principalmente em razão do surgimento de novas formas de trabalho derivadas do mundo tecnológico.

Uma das mudanças foi retirar o caráter obrigatório do pagamento da contribuição sindical pelos trabalhadores, independentemente de serem, ou não, filiados. Quer-se dizer, retirou-se do mundo jurídico o denominado imposto sindical, uma vez que o trabalhador somente pagará a contribuição ao Sindicato, se for associado e se expressamente assim autorizar, na forma dos arts. 578 e 579 da CLT.

Os pressupostos de prévia filiação ao Sindicato e de expressa autorização prévia seriam desnecessários num ambiente lógico e racional. Pois, contribuir financeiramente para determinada associação (Sindicato), que busca atuar em favor de determinada categoria profissional, pressupõe a vontade prévia e livre de se associar. Não há como pensar que alguém que não seja associado possa contribuir com essa entidade.

Agir ou pensar assim é tornar nula a liberdade de associação sindical ou profissional e, no final das contas, a própria liberdade de o trabalhador querer, ou não, contribuir financeiramente a uma entidade para, em tese, zelar por melhorias em seu ambiente de trabalho.

Mais do que isso, criar um imposto sindical é o mesmo que estabelecer uma estrutura de desincentivos para que os Sindicatos, de fato, no seu dia a dia, atuem para a melhoria das condições do ambiente profissional. Como a contribuição financeira é obrigatória, independentemente se a pessoa é, ou não, filiada, o Sindicato não tem o mínimo de compromisso em apresentar resultados positivos à classe profissional correlata, já que a sua receita não depende de uma correspondência proporcional ao número de filiados.

Por essa razão, todos os aplausos devem ser dirigidos ao fim do imposto sindical promovido pela Reforma Trabalhista, por ter acabado com anos de irracionalidade e de criação de desincentivos que tornavam letárgico e sem expressividade o sistema sindical brasileiro.

Acontece que, infelizmente, esse momento áureo e positivo está prestes a deixar de existir. Isso porque o Supremo Tribunal Federal, em julgamento no Plenário Virtual, está com maioria formada para retornar à criação do imposto sindical, ainda que sob novo nome. Antes de falar sobre o mérito em si, é importante trazer uma curiosidade sobre esse julgamento.

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A Suprema Corte, em fevereiro de 2017, havia julgado o mérito do recurso analisado (ARE 1.018.459/PR – Tema 935 de repercussão geral) para reafirmar o entendimento da impossibilidade da cobrança da contribuição sindical para os trabalhadores não filiados, diante da impossibilidade de cobrança obrigatória, por não se tratar de imposto.

Acontece que, curiosamente, esse mérito é objeto de reanálise em recurso que, no direito processual civil brasileiro, tem o objetivo de esclarecer ou de sanar algumas dúvidas que o cidadão tenha ficado ao ler a decisão judicial. Trata-se do recurso de embargos de declaração. Os embargos de declaração não têm como finalidade modificar o que foi decidido. Isso somente ocorre em situações excepcionalíssimas, principalmente quando houve uma omissão.

No caso, de acordo com o Supremo Tribunal Federal, a omissão se deu pela suposta mudança de cenário dos fatos, porque, com a mudança promovida pela Reforma Trabalhista, os Sindicatos perderam grande parte de suas receitas diante da extinção do imposto sindical. Trata-se, com todo respeito, de uma afirmação falsa.

Como já indiquei, era presumível isso acontecer, porque o imposto sindical criava uma estrutura de desincentivo para que o Sindicato buscasse novos filiados através da apresentação de resultados positivos. Veja-se, então, que a perda de receita dos Sindicatos não foi fruto da Reforma Trabalhista.

Na realidade, a estrutura de desincentivo do imposto sindical é que criou essa ausência de compromisso dos Sindicatos de exercerem a sua atividade e de manterem ou buscarem número suficiente de trabalhadores filiados para mantê-lo financeiramente saudável.

A Reforma Trabalhista apenas escancarou a verdade sobre a deforma que o imposto sindical causou aos Sindicatos no Brasil. Querer colocar a culpa a reforma trabalhista é o mesmo que dizer que a consequência vem primeiro do que a causa.

Repare, caro leitor e cara leitora, que a Suprema Corte está reanalisando o que ela tinha decidido a partir de uma premissa falsa de omissão apenas para permitir a volta do imposto sindical e, com isso, perpetuar a estrutura de desincentivo prejudicial ao próprio sistema sindical brasileiro.

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Parece que essa consequência nefasta ao país não foi imaginada pela maioria dos Ministros do Supremo Tribunal Federal ou, caso tenha sido, preferiram tomar a decisão de continuar a persistir no erro.

Nesse ponto, aliás, é importante destacar que a solução proposta pelo Ministro Luís Roberto Barroso de que o trabalhador pode solicitar a exclusão do pagamento do imposto sindical – ou, como prefere denominar, contribuição assistencial – não terá qualquer efeito prático.

Alguns Sindicatos patronais e de trabalhadores dificultarão esse processo de exclusão do pagamento do imposto sindical (contribuição assistencial) através, por exemplo, da exigência de preenchimento de pedido escrito, presencial, em horários comerciais e, por vezes, com possível reconhecimento de firma.

Pensar que isso não seria imaginável é o mesmo que se esquecer que o imposto sindical cria o desincentivo de os Sindicatos continuarem com o seu caixa financeiro folgado, ainda que não apresentem quaisquer resultados positivos à categoria profissional correspondente, como já aconteceu no passado.

Esse cenário não está longe de ocorrer. Na realidade, está bem próximo, sobretudo considerando a realidade corrente brasileira de se criar burocracias para desestimular que os cidadãos busquem fazer valer o seu direito. O que se quer dizer é: a criação de dificuldades para o exercício desse direito de não cobrança pelos trabalhadores não será infelizmente uma novidade no país.

Por isso, a solução proposta não servirá nem mesmo de muleta para evitar a volta do imposto sindical. Sobre o mérito em si da cobrança do imposto sindical, não há como deixar de afirmar o óbvio: o Congresso Nacional e a Presidência da República já decidiram pela sua extinção, quando da aprovação da Reforma Trabalhista.

Caberia tão somente ao Poder Judiciário respeitar essa decisão, principalmente, porque, com todo respeito, nenhuma norma jurídica constitucional permite o raciocínio de que a liberdade de associação sindical, inclusive no que diz respeito à contribuição financeira à entidade sindical, pode ser reduzida ou excepcionada.

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A liberdade vem em primeiro lugar. Aliás, para o sistema sindical ser mais eficiente, deve-se colocar uma obrigação implícita de que os Sindicatos devem exercer a sua função com mais assertividade e com mais produtividade, a fim de reverterem mais trabalhadores filiados e, com isso, aumentar a sua receita.

Qualquer argumento em sentido contrário utilizado pelo Poder Judiciário equivale a permitir a criação de novo imposto por decisão judicial, o que não é concebível na ideia de tripartição de poderes numa república. Quem cria imposto, como obrigação compulsória que diminui a liberdade de decidir do cidadão, é apenas o Poder Legislativo e o Poder Executivo, que figuram como participantes no processo de aprovação de leis.

O uso de palavras para convencer ou fundamentar essa decisão do Poder Judiciário é, com todo respeito, apenas retórica. Por essa razão, espera-se que o Congresso Nacional reaja contra a volta do fantasma do imposto sindical, que está sendo autorizado pelo Supremo Tribunal Federal.

A reação deve ser na linha de colocar expressamente na CLT que qualquer espécie de contribuição sindical, inclusive a prevista em acordo ou convenção coletiva de trabalho (a chamada pelo Supremo Tribunal Federal agora de contribuição assistencial), depende expressamente da vontade do trabalhador.

Agir assim é o que se espera de um Congresso Nacional vigilante, altivo e preocupado com os rumos do país, a fim de ajustar o que foi uma deforma, por anos a fio, do sistema sindical brasileiro: o imposto sindical.

Retirar de cena, de uma vez por todas o imposto sindical, é o mesmo que estimular uma mudança de postura dos Sindicatos no decorrer dos anos para que tomem para si a responsabilidade de atuarem na busca constante da melhoria do ambiente profissional, cuja consequência inevitavelmente será a obtenção de novos filiados ou sindicalizados e, com isso, não obtenção de receitas.

Mariano é Procurador Federal (AGU/PGF), Mestre em Direito das Cidades (UERJ) e em Direito e Políticas Públicas (UNIRIO), Especialista em Direito Administrativo Econômico (Puc-Rio) e membro do Instituto de Direito Administrativo do Estado do Rio de Janeiro (IDARJ)

Aviso

As opiniões contidas nos artigos nem sempre representam as posições editoriais do Boletim da Liberdade, tampouco de seus editores.

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