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‘Vai ser preciso talento para reverter o desgaste do governo’, afirma analista

Boletim da Liberdade conversou com o analista político Luciano Ayan, que considera que crise gerada no segundo mês de governo Bolsonaro foi repleta de narrativas sem base na realidade
Jair Bolsonaro toma posse em Brasília. No carro da posse, Carlos Bolsonaro é o único filho a acompanhá-lo (Foto: Wikimedia)

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Em menos de dois meses de mandato, o presidente Jair Bolsonaro já sofreu a primeira baixa do governo – e em termos pouco amigáveis. Gustavo Bebianno, um de seus mais próximos aliados e então Ministro da Secretaria-Geral da Presidência, foi exonerado em um lento processo de fritura, com direito a vazamento de áudios e troca de acusações.

Para analisar as circunstância dessa crise, o Boletim da Liberdade conversou com o analista político e escritor Luciano Ayan, dono do site “Ceticismo Político”.  Na avaliação de Ayan, a crise poderá ter reflexo nos aliados e na própria governabilidade do presidente.

Boletim da Liberdade: Qual é a sua avaliação do vazamento dos áudios entre Bolsonaro e Bebianno e como esse novo capítulo pode afetar o governo?

Luciano Ayan: O vazamento dos áudios entre o [presidente] Bolsonaro e [ex-ministro] Gustavo Bebianno era algo mais do que esperado. Porque Carlos Bolsonaro, ao vazar um áudio, infringiu a regra de que vazar áudios seria algo imoral. Ele foi, inclusive, glorificado pelas milícias virtuais como um herói por ter feito isso. Isso deu um respaldo moral muito grande para que o Bebianno fizesse o mesmo. É aquele negócio: quem com vazamento fere, com vazamento será ferido.

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Agora, esse novo vazamento mostra que Bebianno não havia mentido. Ele realmente havia ligado para o presidente três vezes, no contexto de [dizer] que não havia nenhuma crise, o que era a afirmação original dele. Para poder chamá-lo de mentiroso, o Carlos tentou negar isso.

Depois da divulgação das conversas, a “milícia virtual” [que apoia o presidente] tentou afirmar que, na verdade, Bebianno até havia falado três vezes, mas não do assunto do ‘laranjal’ [referindo-se ao possível uso de laranjas pelo PSL nas eleições de 2018 para desvio do fundo partidário]. Ocorre que na matéria da Folha de S. Paulo [que suscitou a polêmica], o ex-ministro não referia-se apenas sobre conversas desse assunto  com o presidente].

Carlos Bolsonaro, ao vazar um áudio, infringiu a regra de que vazar áudios seria algo imoral. Ele foi, inclusive, glorificado pelas milícias virtuais como um herói por ter feito isso. Isso deu um respaldo moral muito grande para que o Bebianno fizesse o mesmo

Começaram até um debate absurdo dizendo que não era bem uma conversa, mas outra coisa. Mas é claro que existiu uma conversa. O fato é que a narrativa do Carlos Bolsonaro e também do Jair Bolsonaro, caiu por terra. Tanto o presidente como o seu filho estão sendo vistos como mentirosos.

Houve, então, uma quebra de confiança. Primeiro, por demitir um ministro a partir de vazamento [de áudios], mas também por termos uma mentira. Isso abaixa ainda mais a reputação dos dois – isto é, tanto do Jair, quanto do Carlos. Para o Congresso, se já havia um clima ruim, a coisa piora. Agora, não é mais quebra de confiança [por vazar áudios privados], mas também a fabricação de informações contra alguém que foi definido como alvo.

Em resumo, a revelação dos áudios originais pelo Bebianno ajudam a complicar ainda mais a situação e aumentar o desgaste do governo junto ao Congresso. Até em pessoas relacionadas e envolvidas com o PSL. Agora, esse pessoal entende que não só pode ser vítima de linchamentos públicos a partir de vazamentos, como também vítimas de maquiagem de informações. Isso tem que ser visto como uma lição para que essas pessoas que ficam jogando com o poder possam avaliar os níveis de risco [de suas ações].

Vejo que, nesse caso, com essa questão dos áudios, o nível de risco me parece que foi um tanto mal avaliado pelo Carlos e pelo Jair. Tanto no vazamento do áudio, no primeiro caso, como por chamar o Bebianno de mentiroso. Vai ser preciso talento para reverter o desgaste surgido nessa semana.

Jair Bolsonaro toma posse em Brasília. No carro da posse, Carlos Bolsonaro é o único filho a acompanhá-lo (Foto: Wikimedia)

Boletim da Liberdade: Como você avalia o episódio inteiro?

Luciano Ayan: Temos o grupo dos “olavistas” [em referência aos seguidores do filósofo Olavo de Carvalho], que também chamo de templários, que representam essa ala que está ligada aos filhos do presidente. Eles próprios já confessaram essa influência publicamente. Carlos Bolsonaro e  Eduardo Bolsonaro estão em linha, ou praticamente em linha, com os ‘MAVs da direita’, ou seja, os militantes de ambientes virtuais.

Eu entendo [que os membros desse grupo] decidiram correr riscos. São pessoas dispostas a cometer riscos e não veem problemas em criar instabilidade. Pelo contrário: a criação de instabilidade até mesmo ajuda essas pessoas com um perfil mais revolucionário. Nesse sentido, eles criaram uma crise.

Se o presidente visse as coisas como um estadista, o que não acontece, seria mais fácil identificar um dano claro. Desse jeito, temos certamente um dano para a governabilidade, enquanto, para um grupo específico, um caos que talvez gere capital político, mas não é isento de riscos.

São pessoas dispostas a cometer riscos e não veem problemas em criar instabilidade. Pelo contrário: a criação de instabilidade até mesmo ajuda essas pessoas com um perfil mais revolucionário

Mas, apesar de o [presidente] Bolsonaro ter lançado no final um vídeo fazendo elogios ao ex-ministro, poderia ter havido postura melhor como um todo. Por que deixar vazar um áudio de uma conversa privada com o ministro? Qual foi a mensagem que isso passou para o resto da base? Parece que todo mundo está sendo monitorado, que não existe uma relação de confiança, que não existe o básico de capital social. Na visão de um estadista, foi a pior forma possível de tratar o caso. Não consigo imaginar uma forma pior.

Mas, para o pessoal que capitaliza em torno da instabilidade, isso significa assumir riscos. Só parece que foram um pouco longe demais nessa. Até o filho do presidente parece que teve que ser enquadrado, pelo que a gente nota. Se olharmos, então, na perspectiva de um presidente estadista, foi terrível. Mas parece que, se o Jair endossou tudo, inclusive vazamentos e linchamentos públicos, ele decidiu incorrer um risco alto que terá consequência. Até os causadores do caos saíram chamuscados desse episódio.

Ex-ministro Gustavo Bebianno foi exonerado por Jair Bolsonaro em fevereiro (Foto: Marcello Casal jr/Agência Brasil)

Boletim da Liberdade: Bebianno era considerado um articulador importante com o Congresso e um dos assessores mais importantes do presidente. Após esse episódio, mudará a percepção do modo de Jair Bolsonaro governar para os aliados? 

Luciano Ayan: Com certeza esse episódio vai mudar a relação com os outros participantes da política. Expor um aliado [é grave]. Principalmente porque foi importante na campanha. Primeiro, é preciso pensar se esse aliado é culpado. Então tem que tratar a coisa da melhor maneira possível. Temos outros casos relacionados a laranjas e o [ex-ministro] Bebianno não é o único nome envolvido. Temos o caso do Ministro do Turismo. Ele é culpado? Não sei. Mas existem certas formas de se tratar um aliado político.

A forma como o Bebianno foi tratado é política de baixo nível. É coisa de política do pior escalão que temos. A imagem que fica é ruim. A primeira pergunta que os aliados vão fazer é: “Qual vai ser o próximo que vai ser derrubado por uma política de baixo nível que pode incluir vazamento de áudios, uso de MAVs para fazer linchamento virtual e outros critérios puramente discricionários que são produzidos pelo jogo do poder?”

A forma como o Bebianno foi tratado é política de baixo nível. É coisa de política do pior escalão que temos. A imagem que fica é ruim. A primeira pergunta que os aliados vão fazer é: “Qual vai ser o próximo que vai ser derrubado?”

Ou seja: a pessoa não é expurgada por ter realmente alguma culpa, mas sim porque a correlação de forças ali definiu que alguém ia ser expurgado em uma disputa de poder. Aí vale tudo. Em termos de confiança, isso cria um clima terrível. Obviamente, isso vai aumentar o custo das reformas. Cria uma relação de instabilidade que não é boa para a maior parte do setor político. Mas, para o pessoal que gosta do caos… devem ter dado risada. Para os outros, o que fica é o clima de total desconfiança.

Vereador do Rio de Janeiro, Carlos Bolsonaro é considerado o pivõ da queda de Bebianno do govero (Foto: Marcello Casal jr/Agência Brasil)

Boletim da Liberdade: Houve uma guerra de narrativas envolvendo esse episódio?

Luciano Ayan: Tudo o que vimos foi uma guerra de narrativas. O compromisso com os fatos parece ter sido mínimo. As “milícias virtuais” criaram a imagem do Carlos “salvador do mandato”, que fez “uma jogada de mestre”. Foi toda construída a narrativa em termos de ter o Carlos Bolsonaro como herói, defendendo o pai e evitando que o traidor Bebianno não destruísse o mandato do Jair.

Houve até quem falasse que a atitude do Carlos Bolsonaro evitou o impeachment do pai ou a danificação da imagem do presidente pelo ‘laranjal’ do PSL. Também houve a história de que o Bebianno era um informante da Globo. Ou que era mentira que o ex-ministro havia conversado três vezes com o presidente. Olha só a quantidade de histórias envolvidas, conversas fiadas, que estavam na narrativa. Quase nada disso a ver com os fatos. E isso não significa dizer que o Bebianno era inocente de qualquer coisa.

Tudo o que vimos foi uma guerra de narrativas. O compromisso com os fatos parece ter sido mínimo. 

Ao fim, o que me parece é que existe um grupo de pessoas que produz narrativas em uma direção. Isso é uma confecção de histórias em um padrão. Essa própria guerra de narrativas desse setor mais “templário”, que sempre reforça as narrativas do Carlos e do Eduardo Bolsonaro, entraram em contradição. Porque o vídeo de um minuto que o Jair Bolsonaro divulgou [elogiando Gustavo Bebianno] não bate com nada da narrativa que fizeram. Tudo é conversa pra boi dormir, executado nas redes sociais.

Pegaram pesado, lançaram acusações que não podiam provar. Há uma fabricação de narrativas absurda onde a realidade parece ser o que menos imposta. Isso tudo surge a partir das redes sociais.

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Boletim da Liberdade: Carlos Bolsonaro teve um papel marcante no desenrolar dos fatos. Afinal, na sua análise, Carlos influencia o pai e o governo ou é um instrumento do presidente para dizer o que quer?

Luciano Ayan: As análises que eu costumo fazer são com base na dinâmica social do jogo. Prefiro avaliar com base no que eu vejo na mídia em vez de fazer uma acusação que eu não possa provar.

O que me parece, então, é que existe uma proximidade muito grande entre vários atores das redes sociais, com grande quantidade de seguidores que se apoiam mutuamente e que estão muito alinhados com uma narrativa “olavística”. Vários deles são alunos do Curso Online de Filosofia e também fazem parte da base de apoio do Eduardo e Carlos Bolsonaro. Se existem outros interesses, não vou entrar no mérito. Mas essa proximidade é grande, bem forte, e cada vez mais os discursos vão batendo.

Existe uma proximidade muito grande entre vários atores das redes sociais, com grande quantidade de seguidores que se apoiam mutuamente e que estão muito alinhados com uma narrativa “olavística”. Vários deles são alunos do Curso Online de Filosofia e também fazem parte da base de apoio do Eduardo e Carlos Bolsonaro.

A fama que existe do Carlos Bolsonaro, que vários meios já falaram, é que é o cérebro por trás de um grupo de mídia. Vários deles até atuam espontaneamente, mas não sabemos se são todos. Alguns falam também que é o Eduardo. De qualquer forma, que ele tem um papel importante nas redes sociais, isso é bastante notório. Eu apostaria nessa possibilidade – de Carlos ser importante nas redes sociais e ter muita proximidade com essa militância virtual que fica criando narrativas e desestabilizando o próprio governo. Embora, pra mim, o governo ainda esteja se formando.

O grupo “templário”, ou “olavético”, está bastante dedicado a causar todo tipo de instabilidade. Como, por exemplo, aumentar o poder de barganhar e reduzir a influência de outros setores que eles estão estrando em conflito. Há uma turma aí que não está interessada na governabilidade, mas sim na imagem que é conquistada a partir de tretas, linchamentos virtuais, uso de tribunais online para fazer expurgos, enfim. E estão dispostas a aceitar bastante o risco. Me parece que o Carlos tem esse perfil e proximidade com as pessoas que fazem esse jogo.

Boletim da Liberdade: Pela sua avaliação, depois de ser exonerado pelo presidente dessa forma e do vazamento dos áudios, é possível que Gustavo Bebianno decida retaliar o presidente de outras formas?

Luciano Ayan:  É possível, mas ele deve avaliar o que ele tem em mãos e o que os seus oponentes têm em mãos. Isso pode ser um jogo bastante pesado. Vale lembrar que alguém pode retaliar em público e em privado. O jogo vai ser forte, novos passos podem ocorrer. O que vai definir, em última análise, é o cálculo político do Bebianno e das outras pessoas que podem ser atingidas. Mas alguns players desse jogo, especialmente a turma templária, joga sem medo de risco. Eles tendem à desestabilização. São como o Coringa do filme “Batman – O Cavaleiro das Trevas”.

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