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O velho fascismo de sempre

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O filósofo italiano Umberto Eco publicou, em 2018, o texto de uma conferência que fizera na Columbia University em 1995. Deu a esta joia de pensamento o título de “Ür-Fascismo”, e nela sustenta pela primeira vez, a distinção entre o fascismo histórico, limitado no tempo e no espaço, e o fascismo arquétipo, ou primordial, e por isso eterno.

Chamou esse fascismo primordial de “Ür Fascismo”, usando a partícula da psicanálise que designa o termo “original”. Sua tese é de que, à parte o fascismo italiano e o nazismo dos anos 1930-1945, existe um fascismo que pode manifestar-se em outras épocas e lugares, sob roupagens um pouco diferentes, mas sempre reunindo um certo número de características comuns. O autor elenca essas características: 1. Culto da tradição; 2. Recusa da modernidade; 3. Irracionalismo; 4. Intolerância; 5. Medo da diferença; 6. Apelo ao sentimento de frustração; 7. Nacionalismo retórico; 8. Necessidade da existência de um inimigo; 9. Culto à violência; 10. Elitismo; 11. Necessidade do herói salvador; 12. Repressão sexual; 13. Populismo; 14. Hostilidade à cultura e à ciência. Para Eco, tais características não podem ser reunidas em um sistema, e muitas delas se contradizem entre si. Mas, diz ele, “é suficiente que uma delas se apresente para que se forme uma nebulosa fascista”. E mais: “todo fascismo é, por definição, racista”.

O fascismo como arquétipo ainda conteria outros elementos de discriminação, como fica claro no trecho “Como tanto a guerra permanente quanto o heroísmo são jogos difíceis de jogar, o Ur-Fascista transfere sua vontade de poder para questões sexuais. Esta é a origem do seu machismo (que implica desdém pelas mulheres e uma condenação intolerante de hábitos sexuais não conformistas, da castidade à homossexualidade). Como o sexo também é um jogo difícil de jogar, o herói Ur-Fascista joga com as armas, que são o seu ”Ersatz fálico: seus jogos de guerra se devem a uma invidia peniana permanente”. Umberto Eco ainda enfatiza que o “Ür-Fascismo” não seria uma ideologia, mas uma simples metodologia de tomada e manutenção de poder.

Vemos hoje, na segunda década do século 21, países governados por políticos de índole e práticas autoritárias, que ostentam, cada um, diversas das características deste fascismo. A Rússia sob Vladimir Putin há 23 anos, com mandato assegurado por outros 14 anos; a Hungria, sob Viktor Orbán já há 12 anos; a Polônia sob Andrej Duda há 7 anos; Venezuela sob o comando de Nicolás Maduro; a Coréia do Norte que tem o ditador Kim Jong-un no comando há quase 11 anos; Cuba que mantém o regime comunista há décadas; e o Brasil sob Jair Messias Bolsonaro desde janeiro de 2019, e a fazer campanha pela reeleição desde sua posse. Em todos esses regimes é fácil identificar a tentativa de calar as críticas, o nacionalismo retórico, a repressão sexual, a misoginia e o machismo sob suas diferentes apresentações, o culto à violência e às armas, a hostilidade à cultura e à ciência, a intolerância, a necessidade do inimigo, a necessidade do herói salvador.

A exposição acima faz mais relevante o fato de em ano eleitoral no Brasil, o presidente Bolsonaro fazer uma peregrinação à Rússia de Putin, solidarizando-se com este país no momento em que ele ameaça invadir a Ucrânia, e também à Hungria. Bolsonaro chegou a bradar o lema dos integralistas brasileiros dos anos 30 (que copiavam a seu jeito o fascismo italiano de Mussolini), e chamar de “meu irmão” o tirano moderno Orbán.

Para encerrar este artigo, utilizo o último parágrafo da obra de Eco: “O Ür-Fascismo pode voltar sob as roupas mais inocentes. Nosso dever é desmascará-lo e apontar o dedo para cada uma de suas novas formas – a cada dia, em cada lugar do mundo”. E no Brasil não será diferente.

Aviso

As opiniões contidas nos artigos nem sempre representam as posições editoriais do Boletim da Liberdade, tampouco de seus editores.

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