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Ortopedia, Traumatologia… e Política

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Margareth Mead, a célebre antropóloga norte americana, quando indagada por uma aluna sobre qual era o 1º sinal de civilização em uma determinada cultura, respondeu enfaticamente que era “a prova de uma pessoa com um fêmur quebrado e curado”. Explica a professora que no resto do reino animal quando um bicho tem a perna quebrada, morre, porque não pode caçar, fugir do perigo ou ir a um riacho beber água. Finaliza a PhD pela prestigiosa Universidade de Columbia que um fêmur fraturado e consolidado é um sinal que alguém abriu mão de parte do seu tempo para ficar ao lado de quem caiu, colocando-a em segurança, dando a ela o que de beber e de comer até que se recuperasse. Me desculpem os colegas das outras especialidades, mas a civilização começa com um ato médico… de um ortopedista!

Ouvi algo similar uma vez em Tiradentes do icônico Dr Marcio Ibrahim de Carvalho, fundador da Revista Brasileira de Ortopedia, que dizia que a ortopedia começou quando o 1º homo sapiens deu uma topada e alguém parou para lhe acudir. E do todo poderoso titular da USP Ribeirão, Cleber Paccola, ouvi que a ortopedia era a melhor especialidade porque envolve movimento; e que vida, é movimento.

Me decidi pela especialidade por uma conjuntura de fatores, que fogem ao objetivo do texto. Mas rapidamente aprendi que na verdade trata-se de duas especialidades, interligadas, mas distintas, dentro de um só Programa de Residência Médica: a Ortopedia, que cuida do aparelho locomotor, sob o ponto de vista congênito, degenerativo, e demais afecções não relacionadas ao trauma; e a Traumatologia, que como o nome diz, trata das alterações traumáticas deste aparelho. Quem faz residência na minha área, de fato, faz duas especializações.

Dentro do instrumental terapêutico desta especialidade civilizadora há uma enormidade de recursos possíveis para tratar alterações muito parecidas, anatomicamente falando, mas que se comportam fisiologicamente de maneira distinta, de modo que para uma fratura do fêmur pode-se lançar mão como tratamento de excelência: um gesso; uma placa com parafusos; uma haste intramedular, que pode ser longa ou curta, anterógrada ou retrógada; ou mesmo um fixador externo. Tudo isso a depender da idade, da localização no fêmur, do grau de lesão da musculatura em volta etc.

Só por aí, já se pode depreender que um bom ortopedista adequa o método à realidade da lesão ou da alteração, e não o contrário. Há exceções, claro, mas são raríssimas e vistas com certa desconfiança pelos demais colegas. Há aqueles que só usam placa, só usam haste, ou somente fixador externo, independente do padrão de fratura do fêmur. Mas cá entre nós, esse dogmatismo não faz bem ao paciente…

Assim como na ortopedia, na política há uma diversidade de situações que, embora parecidas, ou mesmo “idênticas”, podem se apresentar de modo absolutamente distinto e, portanto, exigir, dos mesmos atores, tomadas de decisão e de posição completamente diferentes. “Política é o fato e o tempo”, nos ensina Francisco Dornelles, de modo que assim como não é desejável um ortopedista que aplique sempre o mesmo método à diferentes fraturas do fêmur, não deve o agente político ter postura dogmática sobre as distintas apresentações da realidade dos fatos.

Ser conservador em qualquer situação, pode ser tão desastroso quanto ser progressista a todo custo; o liberalismo, sem exceção, pode ser tão pernicioso quanto o intervencionismo voluntarioso; o “direitismo” em todas as matérias, independente do fator temporal, é tão exótico quanto o “esquerdismo” até de baixo d’água. A realidade ortopédica é complexa; a política não é mais simples.

Talvez por ter na base de sua formação como expert a clareza que, embora tenhamos linhas gerais norteadoras para um melhor tratamento, é necessário tratar cada caso concreto da realidade com o melhor método, vários colegas ortopedistas tenham tido destaque também na vida política. Apenas para citar alguns que no momento detêm mandato, em diferentes níveis, menciono os membros da especialidade fundadora da civilização: o senador Otto Alencar, o governador Ronaldo Caiado e o deputado federal Luiz Antônio Teixeira Junior.

Num ano em que a política, pelo pleito que se avizinha, ganhará destaque ainda maior na vida brasileira, talvez faça sentido, no momento de nossas escolhas olhar o “arsenal terapêutico” dos postulantes aos cargos eletivos. Reforço: há sim aqueles que tratam todas as fraturas com um único método. Mas não são os que possuem os melhores resultados. Imagino que como paciente, se prefira os que tem melhor e maior repertório. Resta saber se isso também vale como eleitor…

Aviso

As opiniões contidas nos artigos nem sempre representam as posições editoriais do Boletim da Liberdade, tampouco de seus editores.

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