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790 Prisioneiros

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Você, homem ou mulher.

Imagine-se dono de si nos moldes da sociedade pós-moderna: ótimo emprego, saúde mental em dia e corpo digno de fotos exibicionistas para postar no Instagram. Após um dia cansativo na Faria Lima, você assiste aquele ótimo filme gringo que indicaram. Impossível não postar alguns stories comentando a experiência enquanto bebe um Teso La Monja tinto, não? Ao fechar o Insta, resolve abrir o app da sua corretora por costume. Lá, os papéis de um serviço de streaming são negociados e você cogita entrar na operação. A ausência de empresas brasileiras do mesmo setor não te incomoda; apenas a forma com que elas obtêm recursos: por meio de leis e editais.

Do lado de cá do espectro político, muito se reclama dos temas abordados e do modo como as produções nacionais são financiadas. A verdade é que o vira-latismo¹, também presente na elite intelectual liberal e intrínseco à personalidade do brasileiro, impede que as histórias sejam contadas de outro ponto de vista (o nosso). Não importa quanto dinheiro ou conhecimento se tem, sempre soltamos frases prontas oriundas de um conformismo preguiçoso com a realidade. Nos tornamos os cringes² que criticam durante a semana e acabam consumindo o produto das esquerdas europeia e americana no sábado.

“Mas Laura, de onde veio toda essa indignação?” Ao delimitar o tema deste artigo, estava convicta de que escreveria sobre o filme 7 Prisioneiros. E de fato, cá estou. Contudo, ao invés de ousar falar sobre a trama que aborda temas importantes como desigualdade social e trabalho escravo, resolvi traçar um paralelo entre a história dirigida por Alex Moratto e a realidade de quem produz arte no Brasil.

Mateus, interpretado pelo multifacetado Christian Malheiros, se muda para São Paulo em busca de uma vida melhor. Ele e mais seis jovens se veem prisioneiros em um ferro velho, sendo obrigados a trabalhar para quitar uma suposta dívida que possuem com Luca (Rodrigo Santoro) de locomoção do interior até a capital, entre outras despesas. Para retomar o mínimo de liberdade, o mais novo se compromete a aumentar a produtividade dos colegas e, consequentemente, o lucro do personagem de Santoro. Ao se destacar por suas habilidades, Mateus conquista a confiança de Luca, chegando ao ponto de resgatar muito mais que os seus direitos de ir e vir, agora como comparsa do até então explorador.

Durante o filme, a sensação de prisão e falta de opção é real. Não há polícia a recorrer, pois a instituição está mancomunada com o dono do ferro velho: um político. Para findar a extensa metáfora que criei, imagine um mundo em que os investidores privados não tivessem ingressado no mercado audiovisual. A Netflix – serviço de streaming – registrou lucro líquido de US$ 1,449 bilhão no terceiro trimestre de 2021, e a HBO MAX acumula mais de 2,8 milhões de assinantes neste semestre. Quantas histórias presentes no catálogo destes serviços teriam sido dispensadas em editais públicos? Quanta renda deixaria de ser criada caso o ato de contar histórias fosse banalizado?

Este artigo é um convite à autocrítica. Não há como explicar o fenômeno do liberal que é contra o incentivo estatal à cultura e não investe seu rico dinheiro em cultura nacional. Na ausência de resposta plausível para tal questionamento, convido você, leitor, a trazer insights sobre alternativas para inserirmos nossa narrativa no mercado audiovisual. Enquanto Luca tiver poder de coerção sobre Mateus, a escolha sempre será contar a história de um jeito que agrade quem tem a chave do cofre.


¹Nelson Rodrigues utilizou pela primeira vez a expressão em 1950, para descrever o comportamento dos torcedores da seleção masculina de futebol após a perda para a seleção uruguaia. O grande problema é que o senso de inferioridade como nação se estendeu para outros áreas, fazendo com que o indivíduo já nasça com pena de si, acreditando precisar de proteção de um ente externo superior.

²Palavra usada pelos adolescentes para se referirem aos hábitos “vergonhosos” cultivados pela geração anterior, nascida nos anos 90 (a minha).

³790 é o número de produtoras registradas em 2019 na ANCINE (Agência Nacional do Cinema).

Foto: Divulgação/Netflix

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Aviso

As opiniões contidas nos artigos nem sempre representam as posições editoriais do Boletim da Liberdade, tampouco de seus editores.

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