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Contra a obscuridade

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Nas boas-vindas de hoje, convido você, a partir de fatos do nosso panorama sociocultural, a buscar respostas para a indagação que motivou o surgimento desse espaço: se, desde os anos 80, o fim da censura fardada nos propiciou plena liberdade criativa, por que será que o padrão das nossas produções artísticas não para de declinar? 

Em reportagem publicada em O Globo do dia 28 de abril, a emissora homônima anunciou o lançamento de uma nova programação com “maior diversidade de conteúdo”, compreendendo novas temporadas de reality shows, novelas inéditas, e a filmagem da biografia de Xuxa, dentre outras estreias. Em prol da diversidade, frisou, ainda, a chegada de atrações concebidas por roteiristas oriundos de favelas e ex-detentos, o que me surpreendeu, pois, até então, não poderia imaginar que a origem social e/ou a ficha criminal extensa credenciassem alguém a transformar um trabalho em obra-prima. 

Foi ensurdecedor o silêncio da matéria sobre adaptações de clássicos da riquíssima literatura de língua Portuguesa, como já realizado pela própria emissora em produções memoráveis. Idêntico silêncio percebi no domínio da música, onde a omissão de nomes como Villa-Lobos contrastou com a empolgação em torno do milionário universo do sertanejo. E sequer houve menção a atrações pedagógicas capazes de suprirem deficiências escolares, como foi o caso do Telecurso, produzido pela emissora em priscas eras. 

“Queremos mesmo é subcultura de massa!”, parecia bradar a elite televisiva na reportagem, cujo palavrório girava insistentemente em torno do substantivo “diversidade”, o novo fetiche dos produtores culturais. Ocorre que “diversidade”, palavra de definição vaga, tem sido usada para encobrir a ausência de estruturas sólidas e de referências construídas, a duras penas, por nossos ancestrais, que permitem que nos enxerguemos como membros de uma determinada cultura, e frutos do desenrolar de eventos históricos. 

Quem aposta apenas no “diverso”, no “diferente”, como tem feito a nossa intelligentsia, menospreza, com arrogância, as tradições legadas por milhões de gerações humanas, e nos atira ao nada, como se a arte e a cultura tivessem de ser reinventadas do zero, sem beber das fontes que tanto sofreram para nos deixar uma herança de conhecimento e beleza. Nesse salto rumo ao desconhecido, deparamos com a escuridão da linguagem pobre e imprecisa que povoa a nossa programação televisiva, e que, a depender dos executivos globais, se tornará mais primária a cada dia. Talvez até o seu próprio desaparecimento, e sua substituição por grunhidos e gestuais simiescos…

Em manifesto publicado sob a expressão que dá título a este artigo, o escritor Marcel Proust criticava a chamada obscuridade de ideias e de imagens por parte de certos jovens poetas simbolistas. Afirmava que a constância das leis do universo o impediria de imaginar modificações súbitas nas condições da arte, e que, nas obras e na vida, deveríamos ser, acima de tudo, individuais, pois, quanto mais fôssemos nós mesmos, mais fielmente expressaríamos a alma universal. Encerrava o texto aconselhando os artistas a se inspirarem na natureza como ela é, e, em particular, no luar, que lança luz sobre a escuridão, e “toca flauta com o silêncio”.

Porém, as atrações televisivas a caminho, entre estereótipos de humanos em casa vigiadas, bordões de assimilação imediata e ídolos fabricados para um só verão, afrontam as recomendações do genial Proust, e optam pelo sombrio caminho da imbecilização coletiva, no firme intuito de inibir qualquer raciocínio crítico sobre o mar de lama que assola o país. Topa o desafio conjunto de começar a iluminar tanta escuridão?   


Foto: Pixabay

Aviso

As opiniões contidas nos artigos nem sempre representam as posições editoriais do Boletim da Liberdade, tampouco de seus editores.

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