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Com que autoridade abusam?

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A proposta de uma lei para coibir o abuso de autoridade é o exemplo mais recente do espaço que o debate democrático perdeu no Brasil. Quem pede a lei é considerado cúmplice da corrupção e quem não a deseja é a favor do combate firme e determinado à ela. Não há meio-termo. 

No ringue, como atores principais, estão, de um lado, os políticos e, de outro, delegados, promotores e juízes. Na plateia, estão os torcedores de uns e de outros. 

É assim sobre qualquer assunto, porque os ouvidos estão surdos para as opiniões contrárias e a paciência é nenhuma com os argumentos alheios. O Brasil está transformado num grande mosaico de torcedores. 

O debate aberto, com disposição para ouvir e considerar as opiniões contrárias, seria a melhor estratégia de reconstrução do Brasil, depois da avalanche que a corrupção provocou. 

Como cidadão brasileiro, que passou um bom pedaço da vida profissional em cargos na máquina pública e hoje foge delas, eu aviso, de pronto, que sou favorável à existência uma lei que coíba, de fato, os abusos de autoridade, porque sei que eles existem e duvido que os contrários à lei também não saibam. 

Se há algo que no Brasil temos de sobra esse algo é o abuso de autoridade. Um distintivo e uma capa preta têm um poder incrível de transformação de personalidades afáveis em verdugos autoritários.   

Os ouvidos estão surdos para as opiniões contrárias e a paciência é nenhuma com os argumentos alheios. O Brasil está transformado num grande mosaico de torcedores. 

Mas, não desperdiçarei o espaço de nossa conversa com considerações jurídicas sobre a lei, até porque, nesta seara, sou um mero leigo curioso. 

Quero cuidar do tema sobre o aspecto da estratégia de defesa da imagem pessoal e de comunicação dos agentes públicos, para dizer que tem sido difícil ou quase impossível para as pessoas de bem exercer funções públicas, porque sobre elas cai sempre o vírus da desconfiança com poder de corroer a imagem pessoal. 

Pode a autoridade policial ou o Ministério Público investigar qualquer agente público por pura cisma ou denúncia e sem indício de crime? A lei em discussão diz que não. Mas, a gente sabe que nenhuma lei irá impedir que isso aconteça. O problema está no modo como a autoridade usa a prerrogativa de investigar os agentes públicos, a qualquer tempo e por qualquer tempo que lhe seja conveniente. A autoridade inicia a investigação e a imprensa é a primeira a saber do fato, antes mesmo dos investigados e ainda que a investigação se dê sob sigilo por determinação judicial. 

Ora, sabe-se, por experiência, que a imprensa é o poder judiciário de última instância com uma agilidade impressionante para tocar os processos a ela submetidos e fazê-los transitar logo em julgado. Com rapidez, a imprensa julga e condena, nunca absolve. 

Pode a autoridade policial e o Ministério Público investigarem pelo tempo que quiserem e bem entenderem? Podem passar uma vida inteira a investigar uma pessoa qualquer? 

A lei já diz que não há muito tempo e determina prazos, mas, a gente sabe que as autoridades sempre encontram um caminho para estender o tempo. O problema está, novamente, no uso que a autoridade faz da prerrogativa. 

Ela inicia a investigação, avisa ao distinto público que iniciou, o processo ganha ares de condenação e se estende no tempo por prazo indeterminado. Que loucura! Dali por diante, culpado ou inocente, o cidadão carregará pelo tempo que durará a investigação, uma espada sobre a cabeça. Evidentemente, com um prejuízo enorme para os inocentes. 

A questão, quando se discute uma lei para o abuso de autoridade, está situada, portanto, no campo do sigilo e do direito que o cidadão tem à presunção de inocência.  Fosse isso respeitado, eu tenho certeza que o abuso de autoridade não seria o tema a infernizar as discussões. 

E, já que estamos a considerar o abuso de autoridade, que tal parar por um momento para lembrar que 41,5% dos presos no Brasil não foram a julgamento ainda e quase todos eles estão na cadeia por tempo maior do que a condenação total prevista para os crimes de que são acusados? O dado é do Conselho Nacional de Justiça e mostra quanto estão distantes da realidade brasileira os temas colocados em debate apaixonado na arena política.

Aviso

As opiniões contidas nos artigos nem sempre representam as posições editoriais do Boletim da Liberdade, tampouco de seus editores.

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