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E as mulheres, hein?

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Por que as mulheres não aceitam com facilidade os convites que recebem para disputar eleições? As negativas têm sido para os partidos uma dificuldade na composição das chapas de candidatos, por causa da cota obrigatória de 30% de candidatas mulheres que eles precisam cumprir. Para terem, por exemplo, 30 candidatos homens registrados, os partidos estão obrigados a registrar a candidatura de nove mulheres.

A cota surgiu de uma proposta da psicanalista Marta Suplicy, em 1985, quando exercia o mandato de deputada federal. Ela verificou uma falha no sistema político, que não facilitava a participação da mulher nas eleições. Ela, então, propôs uma participação mínima de 20%, que se transformou em lei. Doze anos depois, Marta conseguiu alterar o percentual para 30%.

Quem não conhecia o modo de funcionamento dos partidos acreditou que o salto de 20 para 30% representava o sucesso da primeira proposta. Não foi isso. O esforço adiantou pouco. A nova proposta foi a angústia de melhorar a representação.

O vício que impedia a participação da mulher permaneceu, está presente até hoje e já tem gente propondo uma redução no percentual para 10%, por causa dos problemas que enfrentaram os partidos na última eleição, quando os dirigentes partidários e candidatos homens enlouqueceram com o entendimento da Justiça de ser obrigação dos partidos destinar os recursos do Fundo Eleitoral – dinheiro público – na proporção da cota. Alguns, caso não muitos, fizeram malabarismos e loucuras para burlar a regra e tem gente por aí com dores de cabeça por causa do assunto.

Como os partidos são a única porta de acesso aos mandatos, essência da representação e da atividade política, e há dificuldades de ingresso neles para as mulheres com potencial de vitória eleitoral, elas permanecem minoria no poder no Brasil. Sendo elas minoria e o equilíbrio de gêneros uma realidade nos países com maior desenvolvimento, melhor distribuição de renda e menor corrupção, somos o que somos em cada uma dessas situações.

Contudo, se há um percentual obrigatório de participação e a ele está vinculado o Fundo Eleitoral, por que as mulheres permanecem arredias? Elas não gostam da política? Para responder à questão, suficiente é olhar para as mulheres no mundo todo e para a maneira como elas fazem política.

Contudo, se há um percentual obrigatório de participação e a ele está vinculado o Fundo Eleitoral, por que as mulheres permanecem arredias? Elas não gostam da política?

A resposta me parece simples: um vício permanece no sistema de representação nos partidos, o do preconceito, que resiste às cotas sustentado num velho costume do povo brasileiro: o jeitinho.

Os homens, maioria no comando dos partidos, manobram o modelo no sentido de evitar que as mulheres competitivas concorram com eles na disputa dos mandatos eletivos. Eles só aceitam e convocam as mulheres que não representem risco de eleição, mas que, quando muito, apresentam alguma vantagem na soma total dos votos nas campanhas proporcionais (vereadores e deputados), porque isso os ajuda a eleger os homens. Foi neste contexto a denúncia de uso de laranjas na divisão do Fundo Eleitoral.

Quem me lê aqui, pode ter certeza que foram raros os casos como do PSD-RJ, onde eu estava como secretário-geral e Indio da Costa, presidente. O partido elegeu, na última eleição, uma deputada federal entre três deputados, uma estadual, entre quatro estaduais, e uma suplente de Senador, na chapa de três. Chegamos lá no correr de um processo que criou, anos antes, um espaço político para as mulheres e que fez, na campanha, a distribuição do dinheiro e do tempo de TV e rádio de maneira correta, como manda a proporcionalidade. Mas, poderíamos não ter feito. E nisso está o problema.

Como se resolve a questão? Com o uso da democracia na escolha dos dirigentes dos partidos e filiações não discricionárias. Se as mulheres disputarem democraticamente o comando dos partidos e se a alternância for possível pelo voto, certamente, elas se sentirão estimuladas a participar, dispensadas as cotas obrigatórias.

Verifica-se, com facilidade, que quando o sistema de distribuição do poder é pelo mérito, seja no setor público, seja no privado, as mulheres ocupam mais espaço, com a vantagem de o resultado para a sociedade ser saudável.

Verifica-se, com facilidade, que quando o sistema de distribuição do poder é pelo mérito, seja no setor público, seja no privado, as mulheres ocupam mais espaço, com a vantagem de o resultado para a sociedade ser saudável.

A situação que dificulta a participação da mulher na política e cria as imagens e fotos masculinas do poder no Brasil é, portanto, e em resumo, a falta de democracia e mérito na disputa pelo poder nos partidos políticos. Uma situação que nem a cota obrigatória resolveu, porque, por obrigação não se faz política.

Há uma passagem na vida política da Denise Frossard que gosto de lembrar, quando a participação da mulher é o tema:

No plenário da Câmara dos Deputados, numa sessão comemorativa do Dia Internacional da Mulher, com a Mesa Diretora composta, Denise foi ao microfone de apartes e, com voz firme, avisou: “Enquanto sobreviver a imagem que vejo daqui, de uma Mesa Diretora só de homens, não há o que comemorar. Existe sim, razão para permanecer na luta por espaços no poder desta Casa, um poder que não pode ser concedido, mas conquistado pelo voto, essência da existência deste Poder”.

Nas palavras da Denise estava uma questão conceitual relevante, quando ela marcou a diferença entre espaço concedido e espaço de poder conquistado no voto, porque numa representação ainda minoritária da mulher nos parlamentos e governos está outra questão de fundo: algumas lá estão por herança paterna ou por representação de seus maridos.

O Brasil é um país de democracia recente. Voltamos a eleger prefeitos para as capitais e “áreas de segurança” (isso existiu) há pouco mais de 30 anos, governadores há pouco mais de 35 e presidente da república há 30. A “Constituição Cidadã” tem apenas 31 anos e com adaptações constantes.

Posso afirmar que somos uma democracia em construção e boa medida será perseguir o equilíbrio de gênero na composição do poder. Um bom caminho para isso é uma reforma no sistema político para estabelecer o respeito às regras da democracia na disputa do comando dos partidos. É neles que se aprende a participação política. É por eles que devemos começar o amadurecimento.

Aviso

As opiniões contidas nos artigos nem sempre representam as posições editoriais do Boletim da Liberdade, tampouco de seus editores.

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