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Millenium Fiscaliza: Alertas sobre a Lei Orçamentária Anual de 2021

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*Wagner Vargas

O leitor do Millenium Fiscaliza está habituado a temas relacionados às contas públicas, mas a recém aprovação da Lei Orçamentária Anual (LOA) para 2021, ocorrida nos últimos dias de março passado, traz alguns pontos que merecem atenção maior do que a habitual por parte do pagador de impostos.

Isso se dá, tanto pela delicada situação fiscal enfrentada pelo país, turbinada pela crise sanitária, quanto pelas consequências ocasionadas por desarranjos orçamentários, que trazem à tona até mesmo discussões sobre impeachment e/ou afastamento do Presidente.

Antes de tudo, é importante relembrar, sem juízo de valor, de duas questões objetivas:

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I- O orçamento que o governo utiliza para as políticas públicas em um determinado ano é, na verdade, uma parte do Produto Interno Bruto do país daquele mesmo ano. Logo, um detalhe simples, porém, importante é que o Congresso aprova todos gastos da União com base em estimativas do PIB e, portanto, autorizando despesas sem saber, ao certo, se o Estado brasileiro irá dispor daqueles recursos;

II- A Lei Orçamentária Anual é uma peça autorizativa, ainda que nela existam alguns gastos obrigatórios. Portanto, mesmo após a aprovação do Legislativo e sua sanção presidencial, o Governo não é obrigado a executar aqueles gastos na íntegra, permitindo eventuais correções de rota.

No caso de 2021, o Orçamento foi aprovado contando com um crescimento de 3,2% do PIB para este ano, ante a uma queda de 4,1% em 2020, o pior resultado em 25 anos; com meta fiscal de atingir em 2021 um déficit primário de R$ 247,1 bilhões para o governo central (Tesouro, Banco Central e Previdência), cerca de R$ 500 bilhões a menos em despesas já que, em 2020, os necessários gastos para conter a pandemia – 90% deles destinados ao Auxílio Emergencial – criaram um déficit primário recorde de R$ 743,1 bilhões.

Ainda que a Comissão Mista de Orçamento (CMO) tenha considerado a mesma projeção de PIB do Executivo, estranhamente, o relatório final da CMO projeta uma receita de R$ 1.595,4 bilhões, R$ 35 bilhões maior do que a estimada pelo Executivo no Projeto de Lei Orçamentária (PLOA), de R$1.560,1 bilhões. E, com base nesta estimativa de receita, a Comissão autorizou as despesas orçamentárias.

Incertezas econômicas trazidas pela pandemia

A estimativa do PIB considerada pela Comissão de Orçamento para aprovação da LOA foi realizada em novembro de 2020, na LDO, mantida pelo governo. Porém, as incertezas econômicas em função da crise da Covid-19 aparentam ser grandes e não descartam uma revisão para baixo desta estimativa— o que faria a estimativa de receitas também ser menor.

Não se sabe se já chegamos ao pico da segunda onda, mas o número de mortes ocasionadas pelo vírus no Brasil, em março deste ano, foi de cerca de 67 mil pessoas, mais que o dobro do que foi registrado em qualquer um dos dois meses de pico da primeira onda; vale destacar que a subida das mortes é rápida, exponencial, mas a descida é lenta e gradual.

Atingimos a média móvel de mortes 1 mil mortes diárias em 4 de junho de 2020, algo que permaneceu até 22 de agosto (cerca de 3 meses) daquele ano. Agora, estamos em subida exponencial há 84 dias, com dias em que chegamos próximos a 4 mil mortes diárias e com média móvel atual de 2,8 mil falecimentos por dia, isso tudo com boa parte do país aplicando medidas de restrição, com a taxa de desemprego recorde de 14,2%.

Além disso, a vacinação ainda patina, com cerca de apenas 9% da população tendo sido vacinada até o momento. Enfim, é notório que tudo isso atrapalha a geração de emprego e a recuperação econômica e, portanto, a arrecadação tributária.

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Se por um lado a receita passa por incertezas, por outro, a despesa deve seguir alta, inclusive já é certo que vá ocorrer um novo auxílio emergencial (Emenda Constitucional 109), algo que vai impactar no resultado primário e na dívida pública.

Ou seja, em síntese, existe grande chance de os gastos aprovados pelo Congresso serem irreais, e terem priorizado acolher as demandas que os parlamentares enxergam como necessárias, a fim de se evitar problemas políticos para o governo.

Acomodação política do orçamento não é solução

Por mais que existam instrumentos de correção de rota para fazer a conta fechar, eles não podem desvirtuar a aprovação orçamentária com gastos inflados. O Congresso aprovou, por exemplo, um aumento de 26 bilhões para emendas parlamentares de relator-geral; 198 milhões para emendas parlamentares de comissão.

Conforme já apontado pelo estudo Reforma “Administrativa: diagnósticos sobre a empregabilidade, o desempenho e a eficiência do Setor Público Brasileiro”, do Instituto Millenium em parceria com a Octahendron Data eXperts (ODX), o grau de engessamento orçamentário no Brasil é alto, cerca de 93% das despesas do Orçamento da União são vinculadas ou carimbadas— dentre os quais 69% é para pagar salários. Isso significa que verbas discricionárias ou não obrigatórias, são a menor parte. Entretanto, elas já vêm sendo arrochadas desde 2014, como é o caso do investimento público, que vem tendendo a zero nos últimos anos.

Por mais que as emendas parlamentares (individuais e de bancada) estejam descritas no orçamento como impositivas, elas podem ser contingenciadas. O problema é que há um limite para isso, podendo apenas ser feito na mesma proporção do congelamento realizado sobre as demais despesas não obrigatórias.

Na nota técnica 46º da Instituição Fiscal Independente (IFI) do Senado da República, calcula-se um teto para 2021 de R$1.485,9 bilhões e estima-se a necessidade de o governo contingenciar R$ 31,9 bilhões para evitar o rompimento do teto de gastos. Até porque um rompimento do teto, como defendiam alguns conselheiros do presidente ano passado, poderia dar margem para um impeachment, por exemplo.

Por mais que o Governo discorde de algumas projeções da IFI neste caso, é inegável o fato de que a CMO parece ter “acochambrado o orçamento, subestimando despesas obrigatórias, para que as emendas paroquianas dos nossos congressistas coubessem ficticiamente no orçamento”, como bem sintetizou o professor e economista Cleveland Prates em seu artigo sobre o tema.

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Dentre as despesas obrigatórias que foram canceladas estão:
-entre R$ 9,5 e R$ 13,5 bilhões de benefícios previdenciários (a depender do auxílio-doença);
-R$ 7,4 bilhões de o abono salarial;
-R$2,6 bilhões de seguro-desemprego e mais R$2,5 bilhões em subvenções ao agronegócio e ao Pronaf.

Está claro que acomodar politicamente o orçamento é apenas uma forma de se enganar enquanto aguarda o contingenciamento que precisará ser feito pelo Executivo nos próximos meses.

Problemas orçamentários também trazem discussões sem sentido

Também sabemos que problemas com questões orçamentárias podem ser motivo de impeachment (como já ocorreu com uma presidente da República em 2016), agora esse debate acaba de “inovar”, vindo à tona em outro formato.

O subprocurador-geral do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União, Lucas Furtado, representou de forma cautelar ao TCU um pedido de afastamento do presidente da República. De acordo com Furtado, no caso de dano ao erário, o Tribunal de Contas da União tem a competência para afastar o Presidente da República de suas funções sem o aval do Congresso, com base, segundo ele, no artigo 44 da Constituição. Em entrevista ao portal da Revista Veja, o subprocurador afirma que:

“O código do Tribunal de Contas da União prevê a proteção das contas públicas. Se o tribunal aponta que há dano, de qualquer natureza, é papel do TCU tentar reverter a situação. Não existe pretensão ou alcance político. É uma matéria puramente técnica”, disse.

No entanto, apesar de afirmar ter embasamento técnico, o Artigo 44 da Constituição Federal sequer cita o TCU, descrevendo, apenas, o que é o Poder Legislativo, do qual, ao TCU, compete ser um órgão de assessoramento técnico:

“Art. 44. O Poder Legislativo é exercido pelo Congresso Nacional, que se compõe da Câmara dos Deputados e do Senado Federal”.

Por mais que seja fato que atentar contra a Lei Orçamentária (Art. 85, inciso VI) seja motivo de impeachment, a Constituição prevê afastamento de um presidente apenas de duas formas: I- denúncia pelo STF; II-instauração de um processo pelo Senado, com aprovação de dois terços dos votos (Art. 52). Mas ambas só podem ocorrer após autorização prévia da Câmara.

Ou seja, além de gerarem problemas econômicos e políticos, essas questões orçamentárias mal resolvidas, também tumultuam ainda mais o cenário com polêmicas vazias.

Conclusão

O ideal é que o exercício de acompanhar a postura dos parlamentares na votação orçamentária seja constante, apesar de não ser tarefa simples.

É fundamental saber se seu parlamentar se preocupa com problemas reais e factíveis, ou se ele apenas é obstinado em inserir emendas ou aprovar recursos incompatíveis com a realidade atual do país.

Nunca é demais nos lembrarmos de que as políticas públicas são feitas através de recursos gerados pelo pagador de impostos e que escrever a existência de um gasto num papel, por mais que esse papel seja Lei, não fará o recurso brotar de uma árvore.

Por isso, é importante acompanhar, pesquisar, interagir e questionar seu representante, quanto às escolhas dele e, acima de tudo, se perguntar se essas escolhas estão de acordo com o que é essencial para este momento.

*Wagner Vargas é especialista do Instituto Millenium e cientista de dados.

Foto: Arquivo/Instituto Millenium

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Aviso

As opiniões contidas nos artigos nem sempre representam as posições editoriais do Boletim da Liberdade, tampouco de seus editores.

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