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A China e a Diplomacia do Prisioneiro

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*Antônio Pedro Pedrosa

A arte de encontrar a harmonia entre diferentes nações, que nem sempre tem relações amistosas entre si, ou mesmo aquelas que antes de tudo se veem como inimigas em seu respectivo espectro político, e encontrar um comprometimento entre seus interesses, apesar de muitas vezes estes parecerem inconciliáveis, é ao que se dá o nome de Diplomacia.

É uma arte que envolve muitas vezes a capacidade, pouco intuitiva, de dobrar palavras e transformar a mais absurda das ofensas na mais razoável das sugestões, em colocar-se de uma forma que você pareça a parte civilizada, sincera e razoável em uma conversa, mesmo que, por trás de todo este manto de palavras bonitas e protocolos formais, esteja defendendo o mais egoísta dos interesses de Estado. Como dizia muito bem Winston Churchill: “Diplomacy is the art of telling people to go to hell in such a way that they ask for directions” – em uma tradução livre, “Diplomacia é a arte de mandar as pessoas ao inferno, mas de uma forma que elas respondam pedindo por direções”.

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Os Estados Unidos em especial não é estranho a esta regra de Ouro da Diplomacia, sendo o “big stick” (nome dado devido à famosa frase de Theodore Roosevelt: “fale de forma calma, mas não tenha medo de carregar um porrete”) um de seus mais clássicos exemplos. Através desta Doutrina, o EUA, na sua atuação na América Latina, não tinha o menor pudor de invadir países soberanos, financiar golpes de Estado contra governos democraticamente eleitos, fomentar revoluções sangrentas, ou realizar toda sorte de atos, no mínimo do mínimo moralmente questionáveis, todo o necessário para garantir seus interesses políticos e econômicos. O que por sinal o fazia enquanto se colocava como protetor das nações mais fracas com as quais coabitava o continente chamado de América.

Na realidade, mesmo em tempos antigos, esta premissa era verdadeira. Os romanos – que, no seu auge, conquistaram das escarpas da costa da Escócia até as praias do Mar Vermelho, das margens do rio Tigre até as falésias de Portugal, deixando para sempre a marca de sua civilização para a história – eram famosos por sempre dar uma razão justa e nobre para suas guerras. Ainda que na maioria das vezes, claro, não passassem de guerras de conquista.

Só que esta não tem sido a posição diplomática adotada pela que hoje é a segunda – e que não esconde de ninguém o desejo de se tornar a primeira – maior economia do mundo: a China. Muito pelo contrário. O país asiático tem se notabilizado no mundo todo pela postura agressiva de seus diplomatas, ganhando assim o apelido de “wolf warriors” (em tradução livre, “guerreiros lobos”), pela disposição aparentemente despretensiosa com que insultam e fazem ameaças aos mais diversos indivíduos, ou mesmo nações. E por sinal, o fazem usando-se para isso de um dos meios de comunicação mais efetivos já criados pela humanidade, o Twitter.

São exemplos disso quando a Embaixada Oficial da China no Brasil acusou, em março deste ano, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL/SP) de ter contraído “vírus mental”; ou como Li Yang, diplomata oficial, chamou o Primeiro-Ministro do Canadá de “garoto”; ou ainda quando outro diplomata denominou de “hiena louca” um respeitado pesquisador francês.

Alguém poderia dizer que a razão é cultural, afinal, as sandálias dos legionários romanos nunca pisaram no solo da China, evitando grande parte de sua influência. Ou poderia se argumentar que é amadorismo, que os cargos da mais poderosa nação do continente asiático foram preenchidos tendo com base a lealdade de seus diplomatas, em detrimento da melhor técnica ou mesmo do senso comum.

Mas nenhuma dessas parece ser a verdadeira razão. Afinal, a China já demonstrou em momentos anteriores que sabe como fazer uma diplomacia efetiva, e que entende a importância de cultivar uma boa imagem para o mundo. Afinal, por que outra razão a China teria despendido bilhões nas Olimpíadas de 2008, 13 anos atrás, se não especificamente para criar uma imagem mais amigável para o mundo?

A resposta parece estar na outra igualmente importante, mas mais esquecida, função da Diplomacia, de não só projetar o seu país para o mundo, mas também, ainda ser uma via de mão dupla, ajudando a influenciar a postura política de seus próprios cidadãos ao selecionar com quem e como se relaciona com o mundo.

Devemos lembrar que o CCP, ou Partido Comunista Chinês, que desde 1949 governa a China de modo autoritário, hoje enfrenta um dilema.

Cada vez mais os seus cidadãos tornam-se conscientes das liberdades existentes fora de suas fronteiras, do que significa viver em uma democracia, o que significa a vida sem um aparato sistemático de censura, vigilância, submissão e autoritarismo, onde até mesmo a mais íntimas das decisões de quantos membros ter em sua família é ditada pelo Estado. Assim, não é difícil imaginar que crescerá a pressão interna por mudança e reformas, com o povo chinês buscando alcançar ao menos parte da liberdade que é tão comum, e mesmo banal, mas nem por isso menos essencial, fora de seu país.

Necessário, então, sob o ponto de vista dos autocratas de Beijing, prevenir ao máximo o contato do seu próprio povo com o mundo exterior. E existe uma barreira de pessoa em especial que talvez seja mais eficaz que qualquer muralha, cerca ou mesmo prisão que já foi construída pela humanidade, o preconceito. Se o mundo for hostil à China, e em consequência àqueles que nasceram sob sua jurisdição, não terão outra escolha senão buscar abrigo internamente, no governo com o qual nasceram.

Ao mesmo tempo, se os chineses se virem fundamentalmente distintos do resto do mundo, e leais ao Estado, não haverá razão para almejarem as liberdades que vêem fora de suas fronteiras. Assim, a estratégia da Diplomacia da China é explodir pontes, para assim impedir os seus cidadãos de atravessá-las.

Infelizmente, a estratégia tem sido bem-sucedida até o momento. Estudos mostram que o preconceito contra os chineses têm aumentado no mundo todo. Parte se deve pela própria proliferação da Covid-19, que teve sua origem no país asiático; mas outra parte, diga-se, também pela postura do próprio governo chinês com o mundo. Afinal, se tem uma política que une democratas e republicanos nos EUA, o Reino Unido, Austrália e ASEAN (Associação de Nações do Sudeste Asiático), é uma política defensiva contra a vista ameaça bélica e comercial chinesa.

Enfim, é uma perspectiva triste a que se chega. Feita de prisioneira dentro do seu próprio país, a população chinesa, apesar das diferenças culturais, é parte da mesma espécie que compõe o resto da humanidade, denominada homo sapiens, e assim, também almeja os mesmos direitos; paz, prosperidade e, não menos importante, liberdade, inclusive para se relacionar com o resto do mundo.

*Antônio Pedro Pedrosa é advogado de Direito Societário e Mercado de Capitais, graduado pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio)

 Foto: Dong Fang/Wikimedia/Creative Commons/Voice of America

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Aviso

As opiniões contidas nos artigos nem sempre representam as posições editoriais do Boletim da Liberdade, tampouco de seus editores.

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