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Pesquisas: A gente adora uma mentira!

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No domingo, o jornal O Globo abriu a seção “Eleições 2022” com a seguinte chamada: “Sete a cada dez eleitores estão decididos sobre o voto”. A notícia tem como base a pesquisa do Instituto Datafolha que circulou durante a semana. Diante disso, fiquem todos avisados de que não teremos surpresa em outubro. E chega ser desperdício gastar dinheiro com o pleito.

Tem gente que acredita nisso e gente que não, porque as pesquisas eleitorais são mais uma causa da enorme divisão em que está metida a sociedade brasileira. Entre nós, há os que acreditam nas pesquisas e os que não acreditam, assim como, para um dos personagens dos casos contados pelo escritor Ariano Suassuna, a humanidade está dividida entre os que já foram à Disney e os que nunca foram. Com ironia e humor, Ariano contava o fato, nas palestras, quando relatava a visita que fez a um casal de amigos, logo após receber o título de imortal.

Temos, portanto, os que já foram à Disney e os que nunca foram e os que acreditam nas pesquisas eleitorais e os que não acreditam. No entanto, passar de um lado para o outro é plenamente possível.

Quem não foi à Disney basta ir ou dizer que foi. Quem não acredita nas pesquisas, basta virá-las de ponta-cabeça para passar a acreditar nelas, ou, com um pouco de imaginação, criar os argumentos para desacreditá-las.

O escritor Eduardo Giannetti fez um tratado sobre as mentiras que contamos a nós mesmos a ponto de acreditarmos nelas o suficiente para passá-las adiante com tom de credibilidade. O livro “Auto-Engano” é ótimo e está à disposição dos leitores desde 1997,com sucesso para a vida de quem, a qualquer tempo, se dê ao prazer de lê-lo.

O livro é apresentado ao público do seguinte modo: “Este é um livro sobre as mentiras que contamos a nós mesmos. Mentimos para nós o tempo todo(…), só levamos realmente à sério os argumentos que sustentam nossas crenças”.

Numa palestra sobre o livro, vinte anos depois, em 2017, no Sesc de São Paulo, Eduardo Gianetti falou sobre a perenidade do tema. Disse ele: “É verdade que o auto-engano é um tema perene pela condição humana. É um fenômeno que não vai desaparecer e nos acompanha desde o aparecimento do ser humano”.

Ora gente, a política está no campo das relações humanas e as eleições no ambiente de decisão dos eleitores, seres humanos, todos adoradores do auto-engano, como afirmou Eduardo Gianetti. Mas, além disso, somos instáveis, volúveis, elementos capazes de mudar de opinião a todo momento diante de circunstâncias novas.

Com tudo isso, quem pode nos garantir que, de fato, sete de cada dez eleitores chegarão às urnas em outubro com a decisão que dizem, agora, já terem tomado? E pode ser que a opinião que deram aos pesquisadores tenha sido resultado de algum auto-engano, a ser resolvido adiante.

A história das eleições no mundo mostra que os resultados delas geralmente surpreendem os que acreditaram nas pesquisas. Não pelo fato de os pesquisadores errarem, mas porque as opiniões que receberam no momento da coleta não se sustentaram diante das circunstâncias provocadas pelas campanhas ou foram um exercício do auto-engano.

Quem decide eleição é um eleitor, ser humano, sujeito às circunstâncias provocadas pelas campanhas eleitorais. É nisso que se baseiam os estrategistas para elaborar as estratégias eleitorais e contrariar os adivinhos, cartomantes e mágicos que aparecem quando os candidatos começam os movimentos para disputar eleições Os magos são garantidores de vitórias de seus fregueses e de derrotas para aos seus os adversários deles.Como vencer é sempre bom, o auto-engano torna fácil a vida dos mágicos.

A estratégia elaborada para eleições tem que levar em consideração o auto-engano, a capacidade que o ser humano tem de mentir para si mesmo.

Seja para alimentar as mentiras ou identificar o fenômeno para combatê-lo, o estrategista busca, nos candidatos e cenários, os elementos que possam servir à construção do discurso e das mensagens que serão a pauta das campanhas sob o seu cuidado.

Em seguida, entram os profissionais de comunicação que, nas campanhas modernas, enfrentam o desafio gigante de criar discursos e mensagens para uma sociedade dividida ao ponto de seus componentes não estarem dispostos a ouvir argumentos contra suas próprias crenças.

Na palestra do Eduardo Giannetti que citei antes, ele ilustrou a sociedade polarizada com a frase de um colega e com ela eu encerro o artigo de hoje:

“Outro dia, um amigo meu que é poeta”, disse Eduardo, “fez uma fórmula que achei muito curiosa. Ele é da minha idade. Ele falou, “puxa, Edu” – ele me chama de Edu. Quando nós éramos jovens, na época da ditadura, as paredes tinham ouvidos e a gente tinha medo disso. Agora que a gente está maduro, os ouvidos têm paredes!”

É bem assim. Campanha não é para amadores nem cartomantes.

Aviso

As opiniões contidas nos artigos nem sempre representam as posições editoriais do Boletim da Liberdade, tampouco de seus editores.

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