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Os novos rumos das criptomoedas e o fantasma da manipulação de mercado

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Antonio Pedro Rego da Cunha Pedrosa*

Veja-se, nos dias de hoje, em meados 2021, um ano após o aparecimento da crise de vírus corona que assolou a humanidade, e 11 anos após ser escrito o manifesto de Satoshi Nakamoto apresentando ao mundo o conceito do que futuramente viria a se chamar Bitcoin, já podemos dizer que as criptomoedas deixaram de ser um assunto restrito às outrora obscuras páginas de internet,  ou mesmo de setores especializados de outras páginas famosas como o Reddit, para se tornarem assuntos da mídia do dia a dia, tema até mesmo mundano dos meios de comunicação dedicados a descrever e contar sobre os últimos avanços sofridos nas áreas de tecnologia e finanças. E não há de se estranhar o porquê, o que chamamos de criptomoedas, formam, na verdade, um complexo ecossistema, de tipos distinto de criptoativos, todos com características próprias, e, com isso, histórias surreais, mesmo para aqueles não particularmente inteirados no assunto. 

São exemplos deste fenômeno que tomou de assalto o mundo das finanças, como possíveis exemplos, o Bitcoin, a pioneira e mais famosa de todas, o ouro digital, incorruptível, impossível de inflacionar, capaz de oferecer um ambiente seguro de transações que, no entanto, dispensa a confiança em intermediários. Ou o Ethereum, a moeda programável, capaz de permitir o desenvolvimento de “smart-contracts, e abriu caminho para a recente febre Non Fungible Tokens – NFTs, ou o Dogecoin, moeda originalmente pensada para fazer humor a outras criptomoedas ao ser criado a imagem de um meme, mas que, em uma reviravolta, tornou-se uma das moedas de maior valor, deixando jovens milionários em seu caminho

Opiniões sobre criptomoedas

Por este motivo, é mesmo difícil encontrar àqueles que, por alguma razão, já não saibam algo sobre o assunto, e, assim, já não tenham formado suas próprias opiniões, muitas vezes marcados por extremos, de um lado, ou de outro. 

Alguns, como Nassim Taleb, famoso pelo seu best-seller sobre análise de riscos denominado Cisne Negro, são negativistas, vendo as criptomoedas como um puro e simples esquema de pirâmide, destinado, como em todo esquema deste tipo, a ruir, levando a ruína financeira a maioria esmagadora de seus participantes. Outros vão em outro extremo, vendo as criptomoedas como uma solução final libertadora, uma forma de abolir instituições danosas como bancos centrais, as moedas fiduciárias ou mesmo o Estado, em latu sensu. 

Mas apesar da opinião de defensores e detratores, é certo que a realidade é mais complexa que as simples narrativas de luta entre as forças do bem e do mal. Afinal, mesmo que a tese dos chamados missionários do Bitcoin esteja certa (a de que as moedas fiduciárias, como o dólar, estão destinadas a serem substituídas pelas vastamente superiores moedas digitais), isto não significa que o caminho até lá será reto, como muitos alegam, que não haverá curvas, obstáculos, desvios, ou mesmo, retrocessos, até se chegar ao destino final traçado, ou imaginado. 

Claro, isso também não significa que as criptomoedas nada tem a contribuir para a humanidade, afinal, já contribuem nos dias de hoje. Em muitos países pobres, servem como uma forma de circum-navegar a falta de acesso da maioria da população ao sistema bancário tradicional, devidos as barreiras que são colocadas por estes bancos, ao mesmo tempo que funcionam como uma ferramenta para combater a hiperinflação e o próprio colapso das moedas estatais.   

A fim de ilustrar este ponto, nada melhor do que darmos uma olhada na história, a fim de entender melhor o momento que hoje vivem as criptomoedas e seus desafios, pois como disse Mark Twain, embora a história, propriamente dita, não se repita, se assemelham ao ponto de parecerem uma rima.

South Sea Bubble

O período do início do século XVII até meados do século XVIII é marcado pelo surgimento de outra, igualmente importante, tecnologia financeira, ou melhor, três delas ao mesmo tempo e complementares entre si: 

1. As sociedades anônimas de capital aberto; 

2. As ações representativas de participação no capital social; e 

3. A bolsa de valores, que permitia a negociação do segundo grupo, assim dando a liquidez necessária, e, portanto, atratividade, ao segundo item deste grupo. 

Apesar de tecnologia neste contexto se referir a cartas náuticas, imprensa em papel, barris selados, títulos de crédito e barcos a vela que poderiam, a depender da maestria dos capitães que as navegavam e de uma boa dose de sorte, chegar ao que literalmente era o outro lado do mundo, onde poderiam encher seus porões com frutos e flores nativas do Sul e Sudeste Asiático, não há de se negar que estas invenções, simples aos nossos olhos modernos, tiveram um papel transformador.

Foram elas que criaram o mundo como o conhecemos. Afinal, mesmo hoje é impossível ignorar a importância que a bolsa de valores tem para vida no mundo moderno, ao ponto da palavra economia ser quase sinônimo de bolsa de valores, no entanto, o segundo seja apenas uma ínfima parte do primeiro.    

Mas se hoje o mercado de ações é conhecido pelos enormes impactos que teve no modo como o ser humano cria valor e se relaciona econômica e financeiramente com o mundo, na sua infância, era mais conhecido pelas situações de caos que geraram para as poucas nações que a adotaram quando ainda estava na sua infância. E talvez, nenhum desses casos seja tão ilustrativo deste momento quanto a história de uma companhia inglesa fundada a 310 anos atrás, em meados de 1711, a South Sea Company

Tudo começa com um problema bastante atual e conhecido das nações contemporâneas, mas que, para surpresa de absolutamente ninguém, não tem nada de moderno, como um Estado poderia funcionar quando suas finanças estavam amontoadas por uma montanha de débitos impagáveis? Como poderiam continuar operando sem colapsar em suas próprias dívidas?  

Este era o problema especial com que se deparava Robert Harley em 1710, à época ocupando o cargo de chancellor of the exchequer, o que no Brasil seria equivalente a ministro da economia. De acordo com suas estimativas, pois estamos falando de tempos anteriores aos métodos modernos de contabilidade e auditoria e, portanto, ninguém tinha números exatos sobre o assunto, a Grã-Bretanha tinha uma dívida de, aproximadamente, £ 9.000.000,00 milhões de libras esterlinas, fruto das constantes guerras internacionais que o reino vivia no período, enquanto, para fazer frente a esta dívida, tinha em suas reservas em tesouro £ 5.000,00 libras esterlinas. Não é preciso muita digressão para se entender o tamanho do nó que Rober Halley precisava desatar. 

Hogarthian image of the South Sea Bubble, pintura de Edward Matthew Ward (1816–1879)

Para ajudar a resolver esta tarefa que para financistas comuns seria impossível, contratou os serviços de uma pessoa cuja genialidade era inversamente proporcional aos seus escrúpulos, um administrador conhecido como John Blunt. Originalmente John ganhava a vida como sócio de uma companhia fabricante de espadas e sabres militares, a Hollow Sword Blade Company, algo bastante irônico, diga-se de passagem, dado seu nome de nascença.

Contudo John não passaria para a história conhecido pelas espadas que sua companhia produzia, mas pelos elaborados esquemas financeiros, e de fato, logo sua fama seria justificada, uma vez que à época havia conseguido, através da realização de bem-sucedidas loterias, assegurado o valor equivalente a £ 300.000 libras, o suficiente para resolver os problemas de financiamento de curto prazo de Robert Harley. 

No entanto, resolver o problema da impagável dívida Britânica envolveria mais do que simplesmente realizar loterias. E na busca de uma solução financeira, e, em paralelo, obter lucos pessoais, John Blunt criaria o que seria conhecido como uma das primeiras e maiores bolhas financeiras que já existiram. 

O esquema em si é bastante complexo, e livros inteiros já foram escritos sobre o assunto, mas de modo sucinto, John Blunt pretendia convencer os credores da impagável dívida inglesa, que na sua grande maioria era detida por pessoas físicas através de notas promissórias, a trocá-los por ações de uma companhia criada especificamente para este propósito. 

A Companhia em questão seria a South Sea Company, ou em português, Companhia dos Mares do Sul. O objeto social desta sociedade, em teoria, seria aplicar a estratégia adotada pela vastamente bem-sucedida East Indian Company, nos mares do Atlântico do Sul, mais especificamente, Caribe e América do Sul. John previu que não seria difícil convencer os credores de um débito garantido apenas pela confiança em uma Grã-Bretanha amontoada de dívidas de guerra a trocá-los por ações de uma companhia, que se esperava, iria espelhar os lucros astronômicos da grandemente bem-sucedida predecessora. 

Contudo, o empreendimento a que se propunha a South Sea Company já nascia condenado, pois os termos do Tratado de Utrecht em 1713, que formalizaram a paz com a Espanha, aquela que efetivamente era dona dos portos onde o comércio ocorreria, limitavam o número de navios que poderiam aportar nos portos das colônias espanholas nas Américas a apenas um por ano, o que era evidentemente insuficiente para o lucro esperado pelos seus acionistas, e anunciado por aqueles que defendiam o projeto. 

No entanto, para àqueles próximos a Companhia, e que defendiam o empreendimento, isso era um mero detalhe, sabiam que a principal função da sociedade, e as que deixariam ricos no processo, era ser um veículo financeiro para manejar a impagável dívida britânica. Qualquer outro projeto seria secundário a esta função. 

O que se deve ter em mente é que o grande motor de toda a Operação, e fonte de lucros de todos os envolvidos, é que John convenceu o parlamento inglês a fazer a conversão entre dívidas do governo britânico e ações da South Sea Company não a uma taxa pré-definida, como seria o comum nestas operações, mas de acordo com o preço com que as ações estivessem sendo negociadas no dia da aprovação da lei, qualquer que ele fosse. 

Com isso, seria possível inflacionar o preço negociado das ações da South Sea Company em relação ao preço dos títulos de crédito da dívida britânica, permitindo que menos ações precisassem ser permutadas para cobrir o débito estatal, de forma que as ações restantes da companhia, já emitidas no aumento de capital aprovado anteriormente, pudessem ser vendidas pelas pessoas próximas ao esquema, com ganhos exorbitantes para os envolvidos.

Além disso, as pessoas próximas a John Blunt dispunham, e francamente usavam, de informação privilegiada, e adquiriam grandes quantidades de ações da South Sea Company antes dos anúncios oficiais de troca e das captações de capital, desta forma obteriam lucros significativos quando houvesse o anúncio da conversão.

Assim, o plano foi colocado em ação e as ações da South Sea Company foram anunciadas ao público em geral como uma única e imperdível oportunidade de se livrar de débitos sem valor do governo inglês, em troca de ações de uma companhia destinada a geração inimaginável de riquezas nos mares do sul. 

No entanto, para àqueles próximos a Companhia, e que defendiam o empreendimento, isso era um mero detalhe, sabiam que a principal função da sociedade, e as que deixariam ricos no processo, era ser um veículo financeiro para manejar a impagável dívida britânica. Qualquer outro projeto seria secundário a esta função. 

Como esperado, credores correram para fazer a troca de seus títulos por ações da nova South Sea Company, muitas vezes incentivados pelas altas constantes das próprias ações e pelo bom nome que a Companhia gozava entre as altas autoridades britânicas. Isso porque John Blunt não só entendia de finanças, mas ainda de governança corporativa e marketing antes mesmo destas disciplinas serem inventadas, e, assim, de forma engenhosa, ofereceu a muitos políticos ingleses opções de compra de títulos da própria companhia como pagamento por terem apoiado o projeto politicamente no parlamento. Desta maneira, criava nestes políticos um interesse pessoal na valorização das ações, de forma que essas figuras, que bem ou mal eram vistas como autoridades pelo público inglês, defenderiam a Companhia e falariam bem dele para os empresários e credores, incentivando-os a trocar suas dívidas. Mas uma prova ilustrativa que descobrir os interesses envolvidos em um sistema às vezes vale tanto quanto um bom Valuation de um projeto. 

E de fato, tão extraordinária foi a participação das grandes autoridades do governo britânico à época que mesmo o próprio Príncipe de Galês, e futuro monarca da Inglaterra, George II, chegou a exercer o cargo de Diretor da Companhia e a lucrar com o projeto, embora, se possa supor, não conhecesse a extensão das maquinações que eram realizadas por trás das cortinas da Companhia. 

No entanto, após uma corrida inicial a demanda por ações da South Sea Company começou a diminuir, o que naturalmente, levaria ao reequilíbrio das ações a um patamar mais compatível com a realidade de lucros, ou ausência de, da Companhia. 

John Blunt não poderia permitir que isto ocorresse, e de forma a manter a bola rolando e o interesse dos investidores no projeto até a data de conversão prevista, passou a oferecer novas rodadas de aumento de capital, mas, dessa vez, pedindo que apenas 20% do preço de subscrição fosse adiantado pelos investidores, ao mesmo tempo que conseguiu com sua influência no parlamento aprovar o Bubble Act de 1720, que, em um golpe de ironia, buscou limitar a criação de novas companhias abertas sem fundamentos ou solidez econômica a fim de evitar que fundos fossem desviados do projeto da South Sea Company.  

Mas mesmo quando isso não se provou suficiente para manter a sustentabilidade de preços vistas, então a administração da South Sea Company passou a emprestar dinheiro diretamente aos investidores interessados em adquirir ações da própria companhia, em um círculo vicioso em que a empresa pagava para que os acionistas comprassem suas próprias ações, tudo o necessário para manter o preço em alta. 

O emprego destas novas técnicas conseguiu surtir os efeitos esperados, e as ações da empresa, que em janeiro de 1720 eram negociadas a patamares próximos a £ 125 libras por ação, passaram em agosto deste mesmo ano a serem negociadas por patamares insanos de £ 1.000 libras por ação. Contudo, a bolha só poderia durar até um limite, e após alcançar estes patamares extraordinários de alta de mais de 100 vezes, o preço das ações começaram a cair novamente, desta vez sem interrupções ou manipulação de preços bem sucedidas, até alcançarem patamares próximos aos que eram negociados inicialmente de £ 100 libras por ação. 

As consequências que esta bolha teve na economia britânica da época foram imensas, e serão exploradas em outro contexto, mas o que se pode resumir é que resultado foi que todos aqueles que entraram desaviados depois da maioria, não tinham acesso à informação privilegiada, e principalmente, entraram posteriormente aos demais, acabaram perdendo todo o investimento que haviam feito. O que chegou a incluir grandes e randes e ilustres figuras da época, no que se pode citar o já na época famoso físico Isaac Newton, que, de acordo com historiadores, teria perdido milhões com a bolha financeira, e teria dito, de maneira anedótica, “I can calculate the motions of the heavenly bodies, but not the madness of the people.”.

Voltando a falar de criptomoedas

Se o caso fosse analisado a luz da legislação e da moderna teoria econômica e jurídica, seria até mesmo difícil fazer uma lista que cobrisse toda a série de violações e condutas contra as normas de Mercado de Capitais e a Economia Popular. 

Contudo, uma conduta em particular, entre todas, se sobressai, e a que deu sustento a todas as demais, a manipulação de preços, ou manipulação de mercado, ato que tanto é definido como crime pela Lei 6.385 de 1976, art. 27-C, quanto como infração administrativa sujeita a multa pela CVM na Instrução nº 8 de 1979:

Art. 27-C.  – Realizar operações simuladas ou executar outras manobras fraudulentas destinadas a elevar, manter ou baixar a cotação, o preço ou o volume negociado de um valor mobiliário, com o fim de obter vantagem indevida ou lucro, para si ou para outrem, ou causar dano a terceiros:     

Pena – reclusão, de 1 (um) a 8 (oito) anos, e multa de até 3 (três) vezes o montante da vantagem ilícita obtida em decorrência do crime.

I – É vedada aos administradores e acionistas de companhias abertas, aos intermediários e aos demais participantes do mercado de valores mobiliários, a criação de condições artificiais de demanda, oferta ou preço de valores mobiliários, a manipulação de preço, a realização de operações fraudulentas e o uso de práticas não eqüitativas.

Não há dúvidas de que as condutas feitas por John Blunt de elevar artificialmente o preço das ações da South Sea Company, como forma de obter ganho pessoal, constituem no tipo descrito na norma. Em especial, na técnica mais comum e conhecida deste tipo de manipulação, uma denominada bump and dump, onde adquire-se uma quantidade substancial de um ativo, divulga-se uma informação falsa, para, depois, ser vendido durante o momento de euforia.

Mas o que tem gerado apreensão no mercado de criptomoedas é que algumas vozes têm levantado a suspeita de que algo semelhante está ocorrendo no mercado de criptomoedas, mais especificamente, que Elon Musk, empresário famoso, celebridade influente do twitter e dono de empresas como SpaceX e Tesla, esteja se utilizando de sua influência no setor para justamente manipular o mercado de criptoativos e obter lucros através desta manipulação de preços.  

Em 8 de fevereiro de 2021 a Tesla administrada pelo Elon Musk anunciou que havia adquirido o equivalente a U$ 1,5 bilhões de dólares em Bitcoins como complemento pelo fato de já a anos aceitar o pagamento de seus carros nestas criptomoedas, levando a um rali de alta pela moeda virtual. 

Mas a mesma empresa, em poucos meses, em 13 de maio de 2021, anunciou que não aceitaria mais Bitcoins como forma de aquisição para seus veículos, citando o seu impacto ao meio ambiente, no que seguiu um anúncio no dia 16 de maio de 2021 dando a entender, em twitter, que a Tesla já até mesmo teria vendido sua posição restante em Bitcoins, assim, levando a desvalorização das moedas a patamares mesmo menores aos que estavam antes da Tesla divulgar a aquisição de Bitcoins. Mas em mais uma reviravolta, a mesma Tesla anunciou na data do dia 14 de junho de 2021 que poderia voltar a usar Bitcoin caso o impacto ambiental fosse resolvido, o que novamente elevou o preço das criptomoedas. 

O bate e volta visto nestes últimos meses, somados ao anúncio no dia 26 de abril de 2021 de que a Tesla teria obtido um lucro de U$ 438 milhões de dólares no trimestre encerrado em 31 de março de 2021, evidentemente levantaram essas seríssimas suspeitas, e muitos se preguntam, estaríamos vendo com as criptomoedas uma onda semelhante ao que ocorreu séculos antes com as ações? Seria necessário que, como no caso das ações, houvesse um regulador estatal para que controlasse episódios  de manipulação de mercado, ajudando assim a combater este risco? 

Embora para alguns a resposta seja óbvia, dado o exemplo do que ocorreu no mercado de ações, há uma diferença importante a se considerar. As criptomoedas, ao contrário das ações, nasceram em razão de um desejo de liberdade, que se vê logo no primeiro documento sobre o tema no manifesto de Satoshi Nakamoto. O Bitcoin existe para eliminar toda forma de intermediário, estatal ou privado, o que incluí, evidentemente, reguladores estatais. Não seria uma regulação com o fim de controlar episódios de manipulação de mercado e insider trading uma ofensa a própria essência das criptomoedas?  

Uma nova Blue Sky Law ao modo como foi feito a época pelo então presidente americano Franklin D. Roosevelt em maio de 1933, é tudo que os operadores do Bitcoin, e outras criptomoedas, e aqueles que advogam pela sua adoção, não querem, e de fato, parte da proposta desta tecnologia é substituir as decisões corruptíveis e subjetivas de reguladores, pela certeza e incorruptibilidade dos algoritmos e da matemática. 

Mas para quem adota esta posição surge um dilema, o que fazer diante de casos como o Elon Musk, onde há a suspeita de manipulação de mercado? Como responder as suspeitas levantadas pelos operadores? Não seria isso uma ameaça a própria sobrevivência das criptos ao minar a confiança no ativo, e aumentar artificialmente sua volatilidade? 

Não existe uma resposta ainda, para alguns, que defendem a natureza libertária das criptomoedas, aceitar condutas que em outros setores são criminalizados pela regulação talvez seja um preço a ser pago pelos ganhos que serão trazidos para se alcançar a tão sonhada liberdade estatal. 

Afinal, argumentam, no melhor dos casos a regulação é ineficiente na resolução das tarefas a que foram criadas, e no pior, tornam-se instrumentos que servem à queles que deveriam fiscalizar. Viveríamos todos melhor sem regulação. 

Mas pode ser que o manto da regulação tenha que se esticar para alcançar este novo ramo do mercado financeiro, a das criptomoedas, o que envolverá, pelo menos em parte, que àqueles que hoje utilizam a criptomoedas assim queiram que seja feito, e defendam abertamente esta mudança. 

Deixo ao leitor que encontre sua própria resposta, mas o que se pode dizer é que tão cedo não veremos o fim desta tecnologia, que embora já não seja mais recém-nascida, ainda tem muito o que evoluir, e muitas dores de crescimento a enfrentar.  

*Advogado de Direito Societário e Mercado de Capitais, graduado pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio)

Aviso

As opiniões contidas nos artigos nem sempre representam as posições editoriais do Boletim da Liberdade, tampouco de seus editores.

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