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Um dos maiores responsáveis pela impunidade no Brasil

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Por Lucho Andreotti*

Até pouco tempo atrás, apenas três países no mundo não possuíam o chamado CICLO COMPLETO DE POLÍCIA OU POLICIAL DE CICLO COMPLETO. Eram eles: BRASIL, GUINÉ BISSAU E CABO VERDE. Este último deixou essa lista vergonhosa através da Lei 56/IX/2019 DE 15 de Julho, instituindo o óbvio encontrado no mundo todo.

Significa que os policiais, sejam eles de qualquer instituição policial, são responsáveis por sua ocorrência, prisão ou investigação do início ao fim, ou seja, do recebimento da notícia crime ou do flagrante até a apresentação ao Ministério Público e ao Magistrado. Ao prender alguém, o policial, imediatamente poderá fazer seu relatório e o apresenta ao Promotor e ao Juiz. Ou seja, a relação é direta, entre o policial responsável pela prisão/investigação e o Promotor que irá oferecer a denúncia e o Juiz que irá dar a sentença.

Por exemplo, nos EUA uma mulher vítima de violência doméstica é agredida por seu companheiro e aciona o 911. Imediatamente uma guarnição da polícia chega e, imediatamente passa a apurar o ocorrido. Ouve a vítima, verifica se está lesionada, fotografando suas lesões, levanta eventuais testemunhas, levanta o histórico de outros fatos semelhantes ocorridos entre o casal junto aos vizinhos e parentes, bem como nos sistemas de bancos de dados policiais, verifica a existência de câmeras e/ou outras gravações do ocorrido e outras diligências necessárias.

Se o agressor estiver no local, sendo constatado sua autoria nos fatos, ele será levado ao chamado “presídio rotativo” onde apresentado ao Juiz este deliberará por sua prisão, fiança ou soltura.

Se o agressor tiver fugido do local, não sendo encontrado por outras viaturas que patrulham a região, o relatório dos policiais que atenderam a ocorrência será entregue ao Promotor que estará instruído para oferecer a denúncia e eventualmente solicitar uma medida protetiva ao juiz.

Nota-se que os policiais que atenderam o ocorrido, já estão nas ruas prevenindo crimes e, assim que acionados, já iniciam a apuração dos fatos no “calor do momento” onde as evidências encontram-se “quentes”, levando o fato diretamente para o operador do direito da Promotoria que irá proceder com a denúncia e o Juízo que procederá com o julgamento. Todo esse trâmite é relativamente rápido e sem burocracia.

Como funciona no Brasil?

Conforme mencionado no início do texto, Brasil e Guiné Bissau são os únicos países que o modelo de polícia é bipartido de ciclo incompleto. Segundo a Constituição Federal de 1988 as polícias militares podem apenas prevenir crimes e somente as polícias civis e a polícia federal podem investigar e cumprir mandados e outras funções da chamada Polícia Judiciária (dar cumprimento à ordens judiciais).

Por exemplo, no Brasil uma mulher vítima de violência doméstica é agredida por seu companheiro. A vítima aciona o 190. Uma guarnição da polícia militar chega ao local. Todavia, impedidos de realizar qualquer diligência investigativa como ouvir a vítima, testemunhas, apanhar registros de vídeos de câmeras de monitoramento e celulares, fotografar o local com eventuais indícios do fato narrado ou dos ferimentos da vítima, os policiais militares pouco podem fazer, podendo no máximo oferecer carona a um hospital, se for necessário, ou a uma Delegacia de Polícia Civil para registrar um boletim de ocorrência onde se iniciará uma investigação a posteriori, com os fatos frios, testemunhas distantes que provavelmente não vão querer se envolver, eventuais imagens e demais evidências perdidas. Em muitos casos, a Delegacia mais próxima encontra-se há centenas de quilômetros do local do fato, retirando a guarnição policial das ruas por horas a fio e fazendo a vítima ser vítima duas vezes. Pelo autor do crime e pela burocracia.

Se neste caso o autor das agressões fosse apanhado em flagrante no local dos fatos ou imediações, o policial militar faz seu relatório, porém não pode encaminhar o detido para em 24hs ser apresentado ao Promotor para denunciar e ao juiz para deliberar pela prisão ou soltura, mas sim, precisa, obrigatoriamente, apresentar sua ocorrência numa Unidade da Polícia Civil, para que um delegado de polícia ratifique o que o policial já colocou em seu relatório, criando um retrabalho extremamente moroso e burocrático, que aloca vários policiais civis, para somente depois o detido ser apresentado ao magistrado.

Podemos entender que, entre o policial que prende/investiga, o Promotor que denuncia e o Juiz que julga, existe um intermediário (delegado de polícia) que não existe nos modelos de polícia pelo mundo afora.

A ideia de ciclo completo não se limita às polícias, mas a todos os órgãos com atribuição de fiscalização ou apuração de ilícitos (poder de polícia do Estado no sentido lato sensu). Por exemplo, quando o IBAMA se deparar com um crime ambiental, ele poderia encaminhar sua apuração diretamente ao Promotor e Juiz, sem precisar passar pelas polícias civis ou federal, que poderiam estar investigando crimes, mas acabam sendo utilizadas para elaborar pilhas de papéis que poderiam ter sido feito pelos outros órgãos dentro de sua esfera de atuação, havendo assim a descentralização do modelo. Esse princípio serviria tanto para o citado IBAMA, como para Receita Federal, Vigilância Sanitária e etc.

As polícias civis e federal tornaram-se grandes cartórios que registram crimes, fábricas de papel, transformando policiais com ensino superior e com vontade de investigar em burocratas sem autoestima, onerando a população que paga caro por um sistema desfuncional, arcaico e ineficiente.

Mas afinal, qual modelo de ciclo completo queremos?

Muito se fala sobre o ciclo completo de polícia ou policial de ciclo completo, mas é preciso definir quais dos distintos modelos propostos, seria o melhor para adaptar as instituições e estrutura que temos hoje no Brasil.

Os modelos existentes são:
-por territorialidade: cada polícia fica responsável por uma circunscrição diferente;
-por tipo penal: cada polícia fica responsável por um rol de crimes;
-modelo misto: territorial onde determinada polícia não se faça presente e por tipo penal nas cidades onde haja todas as polícias;

Qual modelo defendo para o Brasil?

-Transformar as Guardas Civis em Polícias Municipais e dar a seus agentes o ciclo completo nos flagrantes e termos circunstanciados de sua responsabilidade. Ou seja, os crimes que as polícias municipais flagrarem, eles mesmos registram e deixam a disposição da Justiça, sem ter que apresentar a outra polícia.

Alterar a Constituição para permitir que haja uma Corregedoria Estadual para controle e fiscalização das Polícias Municipais tendo em vista que passaria a existir milhares de polícias de uma hora para outra, nas mãos de prefeitos que poderiam transformar tais polícias em guardas pretorianas para os servirem. Tal preocupação se refere às milhares de cidades pequenas nos mais distantes rincões do país que obviamente também não teriam condições de ter um órgão corregedor.

-Nas cidades aonde não haja delegacias da polícia civil, a polícia militar fica responsável por tudo, tendo em vista que em pequenas cidades não há muitos crimes, tampouco complexidade de crimes. A PM pode solicitar apoio a polícia civil da cidade mais próxima para apuração de crimes que necessite de auxílio, principalmente em crimes complexos.

-Nas cidades que tenham Polícia Civil e Polícia Militar: a PC fica com seus flagrantes e termos circunstanciados, crime organizado, grandes fraudes, corrupção e correlatos, sequestros e demais crimes complexos a serem definidos em lei. A PM fica com seus flagrantes e termos circunstanciados, roubos, furtos, violência doméstica e outros crimes ordinários a serem definidos em lei. Ou seja, as polícias civis se transformariam em uma instituição de elite, altamente especializada e focada.

-As Polícias Penais ficariam com seus flagrantes e termos circunstanciados, prevenção e investigação de crimes ocorridos no sistema penitenciário e com conexões. Fica também responsável pelo recolhimento e/ou recebimento dos presos de todas as outras instituições, tendo em vista que seria impossível dentro da nossa atual realidade, todas as prisões serem conduzidas de imediato a um magistrado e promotor, bem como ser responsável pela recaptura de presos que fugiram do sistema penitenciário.

-A Polícia Federal fica com seus flagrantes e termos circunstanciados, bem como com a investigação dos crimes federais e demais competências administrativas federais como controle de armas, passaporte e etc.

-A Polícia Rodoviária Federal ficaria com seus flagrantes e termos circunstanciados, prevenção e investigação de crimes ocorridos em todas as rodovias federais e estaduais. Ou seja, concentrar na PRF tudo que tenha relação com rodovias e ainda conceder o policiamento/investigação em todos os outros modais de transporte (rodoviário, ferroviário, hidroviário e aeroviário), absorvendo assim a Polícia Ferroviária no art.144 da Constituição Federal.

As polícias civis e federal tornaram-se grandes cartórios que registram crimes, fábricas de papel, transformando policiais com ensino superior e com vontade de investigar em burocratas sem autoestima, onerando a população que paga caro por um sistema arcaico e ineficiente. Tem ladrão pra todo mundo, sendo inaceitável qualquer tentativa de manter uma reserva de mercado e monopólio da investigação nas mãos dos delegados de somente duas polícias.

Sabemos das dificuldades e resistências classistas para promover tais reformas, mas é preciso avançar para termos um modelo policial moderno, eficiente, dinâmico, célere, que atenda a demanda do verdadeiro chefe: O POVO BRASILEIRO.

*LUCHO ANDREOTTI
Bacharel em Jornalismo e Direito, Pós Graduado em Segurança Pública, Policial Civil, Coordenador Nacional do Movimento Policiais Livres, Presidente do Instituto NISP (Novas Ideias em Segurança Pública), Assessor Parlamentar, Colunista do Boletim da Liberdade, Colunista do NEWS IC e Autor de dois livros

Aviso

As opiniões contidas nos artigos nem sempre representam as posições editoriais do Boletim da Liberdade, tampouco de seus editores.

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