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Marajó: a ilha esquecida pela imprensa brasileira

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Por Tailize Scheffer e Lorena Mendes

A Ilha do Marajó ganhou destaque nas redes sociais na última semana, depois que uma participante do reality show gospel “Dom Reality” viralizou uma música autoral com questionamentos aos fiéis e denúncias sobre o descaso da população em relação às atrocidades que ocorrem na Ilha do Marajó.

Não é a primeira vez que o território se torna tema nas redes sociais. Em 2006, a Ilha do Marajó foi alvo de uma investigação sobre exploração sexual infantil e tráfico de órgãos. Um inquérito foi iniciado pela Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados, que encontrou indícios que confirmavam as denúncias. Documentos da época relatam que os casos de exploração infantil na Ilha do Marajó envolviam políticos locais. Segundo as denúncias, os aliciadores levavam as meninas para se prostituírem em Belém e, posteriormente, as levavam para a Guiana Francesa.

Nos anos seguintes, durante os governos Lula e Dilma, a Ilha do Marajó não recebeu suporte ou acompanhamento em relação às denúncias. Ambos os representantes foram alvos de críticas de autoridades de igrejas e instituições que atuavam na região na época. Mesmo com esse cenário, políticas de combate à exploração sexual e ao tráfico de drogas na região não foram prioridade do governo. Além disso, a única promessa para a região foi uma linha de transporte terrestre para facilitar a locomoção dos moradores, visto que a maioria da população utiliza o barco como meio de transporte.

Somente em 2020, durante a gestão do ex-presidente Jair Bolsonaro, o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos lançou o projeto “Abrace o Marajó”. O programa visava melhorar o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) dos municípios da região, ampliando o alcance e o acesso da população marajoara aos direitos humanos, com o intuito de abordar os problemas relacionados à exploração sexual e ao tráfico de órgãos.

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Em 2022, a senadora Damares Alves abordou o assunto durante um culto evangélico, relatando que crianças na região tinham dentes arrancados para facilitar o sexo oral e se alimentavam com refeições pastosas para facilitar o sexo anal. Além disso, a senadora afirma que algumas crianças, sem registros de nascimento, eram comercializadas por traficantes na região, uma vez que, sem registros, não haveria como procurá-las e denunciar seus desaparecimentos em larga escala.

A apresentadora Xuxa Meneghel divulgou um abaixo-assinado pedindo a cassação do mandato da senadora eleita Damares Alves. O abaixo-assinado foi criado por Maria Christina Mendes Caldeira e reuniu centenas de milhares de assinaturas. O motivo do abaixo-assinado foi a declaração de Damares Alves durante o culto religioso, na qual ela revelou os abusos sexuais contra crianças na Ilha de Marajó, no Pará.

O texto da petição concluiu que “ou ela (Damares) prevaricou como ministra de Direitos Humanos ou está mentindo aos eleitores, ambos fatos gravíssimos que merecem cassação imediata”.

Após essa exposição feita por Xuxa e outros artistas defensores do atual presidente, o Ministério Público Federal (MPF) exigiu explicações sobre os supostos crimes contra crianças denunciados por Damares. Desta forma, foram disponibilizados documentos comprovando as falas da senadora, as quais fez com que Xuxa se tornasse alvo de críticas nas redes sociais.

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Uma das principais causas da prostituição infantil no arquipélago é a carência de mantimentos básicos para a sobrevivência, como alimentação, água e higiene pessoal. Em alguns relatos encontrados nas redes sociais, e também no testemunho da participante do reality show, constata-se que as crianças são comercializadas por cinco reais, havendo casos em que as famílias chegam a vender seus filhos por vinte reais.

Dessa forma, o programa foi estruturado em quatro eixos principais, considerando: (i) desenvolvimento social, que buscava reduzir a vulnerabilidade social e ampliar a entrega de políticas sociais à população marajoara; seguido por (ii) infraestrutura e (iii) desenvolvimento produtivo, visando a valorização do produto regional, verticalização da produção, melhoria do ambiente de negócios e aumento da produtividade local. Além disso, o projeto buscava fortalecer a (iv) capacidade institucional de gestão e governança em políticas públicas, por meio de formação e treinamento de servidores e colaboradores.

O programa foi criado para enfrentar problemas graves na Ilha do Marajó, que incluíam altos índices de exploração sexual e violência contra crianças, adolescentes, mulheres e idosos. Além disso, a região tinha oito municípios na lista daqueles com o pior Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do Brasil. No entanto, o programa foi criticado por falta de participação social e por suas ações se limitarem à entrega de cestas básicas.

Em 2023, o presidente Lula revogou o programa “Abrace o Marajó” e o substituiu pelo “Cidadania Marajó”, um projeto com os mesmos objetivos, porém com a assinatura do atual governo. Isso evidencia, mais uma vez, que o objetivo não é combater a exploração sexual e o tráfico de crianças brasileiras, mas sim a comercialização de políticas que possam contribuir com sua próxima campanha eleitoral.

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O descaso com a situação é visível em várias escalas, abrangendo causas como a falta de saúde, educação e tutela jurídica. Apesar de existirem diversos Estatutos, tratados internacionais e normas protegendo os menores e criminalizando a prostituição, o abuso infantil e o tráfico forçado de pessoas – como o ECA e o verdadeiro rol de artigos nesse sentido no Código Penal – essa preocupação não saiu do papel durante todo o caso, não havendo nem sequer a possibilidade de um julgamento dos nomes relevados nas denuncias.

Numa versão atualizada da política de “pão e circo”, nossos representantes estão mais preocupados com a repercussão de si mesmos nas redes sociais e em suas campanhas do que em problemas graves e de larga escala no país, como é o caso em tela. Enquanto as denúncias forem ignoradas e a população considerar a pauta como uma “teoria da conspiração”, rechaçada pelas personalidades famosas, seguiremos sem qualquer andamento para o caso.

A música de Aymeê não é apenas um apelo aos políticos. Ela também serve como um alerta para compreendermos o preço que os representantes políticos do Brasil estão dispostos a pagar para promover seu próprio discurso político e humanitário, sendo que esse preço sempre será o seu voto.

Aviso

As opiniões contidas nos artigos nem sempre representam as posições editoriais do Boletim da Liberdade, tampouco de seus editores.

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