Caso do Desembargador do Parque: Reflexo da Estabilidade do Funcionalismo - Coluna Debate Aberto

Caso do Desembargador do Parque: Reflexo da Estabilidade do Funcionalismo

30.07.2020 09:57

*Júlio Cesar Azevedo

Você consegue imaginar um trabalhador que possa fazer o que quiser, mas que não possa ser demitido? Qual seria o desincentivo para esse trabalhador: não faltar ao serviço, não se atrasar, não apresentar resultados, não fazer o trabalho, não faltar ao respeito, não obter vantagem indevida sob nomes criativos (“vantagens pessoais”, “verbas indenizatórias”, “gratificações”, “vantagens eventuais”, etc.), não repetir infrações disciplinares, faltar com a cordialidade, cometer uma imoralidade (ou quiçá um crime), etc.? Pois é, não há… Fica difícil imaginar que uma situação dessa exista, certo? Não, errado. Ela não só existe como é a regra geral, na República das Bananas, vulgo República Federativa do Brasil. Aqui, essa regra tem um nome pomposo: Estabilidade.

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Diferentemente da totalidade das relações de trabalho privadas no planeta e da maioria esmagadora das relações de trabalho públicas mundo afora, no país onde tudo pode para o funcionalismo e nada pode para o cidadão comum (exceto pagar a conta), o servidor público não pode ser demitido. Convencionou-se que o Funcionalismo teria este privilégio especial. E que você leitor, cidadão comum, pagaria a conta disso. Ainda que existam mecanismos legais de demissão por falta grave ou mau desempenho, eles simplesmente não são utilizados, salvo raríssimas exceções. Porém, a opinião da maioria esmagadora da população (88%) é a de que servidores que não realizam um bom trabalho deveriam ser demitidos, além de serem constantemente avaliados.

Diante dessa situação absolutamente destoante do mundo real dos mecanismos de incentivo e desincentivo da conduta, casos como o do recente e famoso “Desembargador do Parque” não são à toa. São o próprio reflexo desse regime da Estabilidade, que simplesmente anula todos os mecanismos de desincentivo para qualquer infração na relação de trabalho. A certeza de que não haverá demissão, ou seja, a certeza da impunidade é e sempre será o maior motor da conduta indevida. Conforme apurado em reportagens veiculada na mídia aberta sobre o caso, o tal Desembargador acumula mais de 42 processos disciplinares (isso mesmo, você leu certo: 42 – quarenta e dois). Incluindo acusações de “ameaça” e de “agressões verbais e físicas”. E desde o ano de 1987, sem que a demissão tenha ocorrido até a presente data (2020).

Ou seja, não há argumento razoável para defender a Estabilidade na quase totalidade dos casos dos servidores públicos.

Não faz o menor sentido o regime da Estabilidade para qualquer servidor que não arrisque a vida na profissão. Ou seja, não há argumento razoável para defender a Estabilidade na quase totalidade dos casos dos servidores públicos. E além disso, sai caro. Muito caro. A Estabilidade é, em maior ou menor grau, a semente de todo o fracasso do Estado brasileiro. É o câncer que apodrece o Brasil e que serve como verdadeira âncora no subdesenvolvimento. O Estado não funciona porque quem “é o Estado no dia a dia” não tem o menor incentivo para produzir e para entregar resultados. E nem o desincentivo para não fazer um péssimo trabalho, já que não pode ser demitido. E lado outro, ainda pode receber muito acima do padrão e ainda por cima pedir aumento descarada e desavergonhadamente, ainda que em tempos de crise e de recessão econômica, já que, novamente, não pode ser demitido. Ou terem a coragem de fazer lobby para aprovação de leis que suspendem o pagamento de empréstimos consignados, que defendam a criação de auxílios imorais, dentre outros artifícios para burlar o teto constitucional. É a clara captura do Estado por grupos corporativistas que só visam se enriquecer do erário público, ou seja, às custas do pagador de impostos. Não é fruto do ocaso que, por exemplo, um juiz leve para casa 19 vezes a renda per capta no Brasil, enquanto na maioria dos países de comparação isso não passe de 4 ou 5 vezes. Ou ainda, que entre todas as centenas de profissões, 8 das 10 de maior rendimento médio (inclusive as 5 primeiras) são as dessa nata de privilegiados, o Funcionalismo. Assim, certamente não é surpresa faltar dinheiro para saúde, educação e segurança.

O Brasil precisa urgentemente de uma Reforma Administrativa. E para que ela tenha efeitos minimamente positivos, é fundamental acabar com a Estabilidade. Qualquer Reforma Administrativa que não termine com a Estabilidade será um mero remédio para atenuar os sintomas, sem atacar o vírus causador da doença. A Estabilidade, na sua essência econômica, nada mais é do que o “direito à renda eterna”. E como a ciência econômica é clara, não há almoço grátis. Essa renda vem do fruto do trabalho de outrem (do pagador de impostos). Um ter o direito à renda eterna do fruto do trabalho de outrem, sem que este possa cancelar esse contrato abusivo, é precisa e exatamente a definição econômica para o regime da escravidão. E mais ainda, o argumento do Funcionalismo de que isso é um “direito adquirido” é novamente e exatamente o mesmo argumento dos senhores de escravos, quando das tentativas de abolição. O argumento era idêntico: “eu decidi fazer esse investimento quando era lícito, logo, tenho o direito eterno”, independente ente dele ser ou não moral. Mas esse argumento não pode e nem deve prosperar numa sociedade livre. Qualquer direito fundado em uma imoralidade é e sempre será nulo de pleno direto, i.e. desde o princípio – é natimorto.

Não é coincidência histórica que as propostas atuais para a Reforma Administrativa têm sido no sentido de promover a reforma apenas para os novos entrantes no Funcionalismo, para ceder ao lobby da categoria. Ou seja, a nova regra do “Ventre Livre”, só que ao reverso. Os novos entrantes não seriam mais senhores de escravo, já que não mais teriam direito à renda eterna, só os mais antigos. Exatamente como foi feito na época da Abolição, fruto do lobby dos senhores de escravo. E o motivo pelo qual a maioria dos servidores públicos é contra qualquer Reforma Administrativa, também pode ser explicado revisitando a história. Assim como se sucedeu com a Lei do Ventre Livre, logo se chegará a conclusão óbvia que não há “direito adquirido” a escravizar ninguém. E uma Lei da Abolição geral virá logo em seguida.

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Portanto, se você é contra episódios como o do “Desembargador do Parque” e é contra a escravidão, certamente você também será contra a Estabilidade. E, consequentemente, também a favor de ampla e geral Reforma Administrativa que mude o sistema de incentivos do serviço público brasileiro. E para tanto, aproveite agora para se manifestar, enquanto ainda há alguma liberdade de expressão no país do “você sabe com quem está falando?”.

Assinado: o pagador de impostos brasileiro, vulgo: o “escravo adquirido”.

*Júlio Cesar Azevedo é Advogado, especialista em Direito Corporativo pelo IBMEC e especialista em Direito Tributário pela Universidade Cândido Mendes.

Foto: arquivo pessoal.

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