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Internação compulsória: há espaço para isso?

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Marcus Vinicius Dias*

De tempos em tempos reacende na sociedade o debate público sobre se é lícito o Estado, a pretexto de resguardar a saúde, o bem-estar e, em última instância, a vida de um cidadão, interná-lo, para a submissão de um tratamento que vise a sua recuperação, de modo compulsório. De forma mais específica, esse tema discute os casos concretos de pessoas que após serem introduzidas às drogas se tornam viciados contumazes, especialmente, em crack e, em virtude deste vício, têm suas vidas dilaceradas, não raramente, perdendo seus lares, famílias, atividades laborais, renda, dignidade etc, transformando-se em verdadeiros zumbis que, em grandes centros, passaram a fazer parte da paisagem cotidiana, destacando-se como uma categoria a parte, da já sofrida e numerosa _ de resto antiga _ comunidade de pessoas que vivem, de modo permanente, nas ruas.

Em meio ao debate entre especialistas em tratamento de dependentes químicos, agentes políticos, gestores estatais e formuladores de políticas públicas, encontram-se espremidos na discussão os familiares e os próprios pacientes acometidos por essa chaga que é o vício em drogas como o crack. E, para variar, surge a já a habitual dicotomia de soluções para o problema entre os atores que se dizem de “esquerda” versus os de “direita”. O Fla-Flu, permanente no debate público nos últimos anos, alcança, também, esse assunto.

Os jacobinos advogam que a internação compulsória é uma arbitrariedade, que beira ao fascismo e que viola as liberdades individuais, além de não resolver o problema que, em última análise, é fruto de uma desigualdade social oriunda de um sistema econômico exploratório que exclui parcela significativa da população das oportunidades. Além disso, que é reforçada por uma política que reprime e criminaliza o usuário.  Na visão destes, no limite, é a proibição do uso de drogas, por parte do arcabouço legal, uma das principais causas do problema da dependência de drogas no país.

Já os girondinos dizem o contrário. O cidadão não tem, nestas situações em particular, condições de saber o que é melhor para si e, portanto, cabe ao Estado tutelá-lo, assegurando sua integridade, saúde e, por que não dizer, sua própria vida, por meio de um tratamento que inclua uma internação, ao arrepio de sua própria vontade. Ademais, dizem os defensores desta tese, tais dependentes químicos, em virtude de sua condição miserável de vicio na droga, tornam-se criminosos _ em potencial e de fato _ para obterem recursos para adquirir a substância venenosa da qual são usuários compulsivos.

Curioso notar que a mesma esquerda que defende, por exemplo, a obrigatoriedade da vacina como uma política de Estado e, neste caso, ignorando o direito de decidir, para usar um jargão comum, do indivíduo nesta questão, se opõem, buscando inclusive o judiciário, de modo frontal ao ato estatal de internação compulsória; na outra mão, igualmente curioso, é o fato da direita, tantas vezes fervorosa na crítica da ditadura do coletivo contra o indivíduo, se apresentar publicamente favorável à intervenção estatal e defender a internação compulsória destes indivíduos.

Deixando de lado os excessos de ambos os lados, em busca de holofote para marcar posição com vistas ao pleito eleitoral, há razoáveis argumentos para a defesa e para as preocupações com esta situação dos dois lados; claro que é lícito e saudável o debate social sobre um tema como este; sem dúvidas, uma vez provocada, a justiça deve se manifestar sobre o tema; mas a perspectiva que realmente interessa é da pessoa que se encontra escravizada pela droga e daqueles que a amam. Ao gestor público, de modo prático, cabe a decisão de como agir frente a uma mazela como esta. Não é trivial, mas gostaria de propor uma analogia que, talvez, possa ser útil em termos de formulação de um juízo sobre o assunto: é lícito a um médico atender um paciente que o procura, após uma tentativa de suicídio mal-sucedida ou em vias de se concretizar, e não indicar uma internação e buscar salvar esta vida? Cabe, virar as costas e dizer: “ok, desta vez você não teve sucesso. Boa sorte da próxima vez” ou “siga em frente, sua liberdade individual tem que ser respeitada. Se quiser, se mate e tá tudo certo”. A sua resposta para essa questão hipotética, mas verossímil, pode lhe servir de base para construir sua opinião acerca deste assunto. The rest is silence…

*Médico e gestor público, com MBA em gestão em saúde pela USP e mestrado em economia pelo IBMEC.

Aviso

As opiniões contidas nos artigos nem sempre representam as posições editoriais do Boletim da Liberdade, tampouco de seus editores.

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