Por Kátia Magalhães*
A dupla Toffoli-Moraes ressuscita o “caso Roma”
Quando o imbróglio sobre as supostas agressões ao ministro Alexandre de Moraes e aos seus familiares já vinha caindo no esquecimento, uma série de decisões teratológicas de seu colega Toffoli tornou a dar holofotes ao pretenso “bate-boca” internacional. Designado relator do caso (não se sabe bem sob qual fundamento), Toffoli negou aos acusados uma cópia das filmagens do aeroporto de Roma, sob a alegação de que apenas o Supremo poderia manter a “integridade” do material, e preservar a “privacidade e a imagem” dos envolvidos. Nada mais falacioso, pois a corte foi a primeira a promover uma superexposição midiática indevida dos acusados, inclusive mediante busca e apreensão ilegal.
Chegadas da Itália, as imagens haviam sido examinadas por um agente comum da polícia federal, e não por um perito, sujeito aos deveres de isenção e imparcialidade. Tamanha irregularidade foi pontuada pela Associação dos Peritos Criminais Federais (APCF), preocupada diante do uso de procedimentos não-periciais como se fossem laudos de perícia. Em virtude da emissão dessa nota, o diretor-geral da PF instaurou processo disciplinar contra o presidente da associação. Percebemos a asfixia democrático a partir do momento em que mero questionamento técnico é transformado, nas palavras da autoridade policial, em “ajuda à defesa dos agressores”. E, mais grave ainda, em que Toffoli, desconsiderando todas as manifestações da PGR em sentido contrário, determina que a PF indique o seu perito para “acompanhar o acesso da defesa” ao tal vídeo.
Como se não bastasse tanta “heterodoxia” em um único caso, Toffoli ainda nomeou Moraes como assistente de acusação no processo. Em que pese a oportunidade conferida ao ofendido (pretensamente Moraes) de prestar assistência ao ministério público, a nomeação de assistente depende da propositura da ação penal. Porém, o caso não chegou a essa etapa, pois ainda se acha em fase de inquérito (investigações). Ora, como poderia haver “assistente de acusação”, se ainda não há sequer acusação (inicial da ação penal)?
Além disso, segundo a legislação, o MP teria de ter sido consultado sobre a nomeação, o que nem se cogitou em fazer. No país onde a Constituição e as leis foram revogadas pelo desejo dos supremos juízes, que passaram a “acumular” as funções de policiais, vítimas, acusadores e julgadores em suas pessoas “divinas”, não podemos sequer imaginar as próximas “inovações” em assuntos pendentes de apreciação judicial.
Mais Moraes, o “estilista” do TSE
Cumprindo sua promessa de “repelir a política de avestruz”, a corte eleitoral capitaneada por Moraes tornou a acolher outras duas ações movidas contra a chapa Bolsonaro/Braga Netto. Os então candidatos a presidente e vice-presidente em 22 foram punidos por suposto abuso de poder político e econômico, que teria sido caracterizado por um uso eleitoreiro da celebração do bicentenário da nossa independência, no 7 de setembro do ano passado. Ambos foram condenados à inelegibilidade (sanção já imposta a Bolsonaro em caso anterior), e ao pagamento de multas.
“Avestruz”, no entanto, é quem enterra a cabeça para fingir desconhecer que todos os ocupantes de cargos políticos tendem a aproveitar ocasiões festivas para sua autopromoção. E não há nada de vergonhoso, muito menos de ilícito nisso, pois, afinal, é a ambição saudável que move lideranças políticas a renunciarem à sua privacidade para ingressarem na vida pública.
Porém, Moraes, autoridade não-eleita e cujo voto deveria ter sido formulado à luz de parâmetros técnico-jurídicos, tornou a tecer um juízo exclusivamente político sobre Bolsonaro e seu entorno. Segundo o togado, em referência à proximidade com o empresário Luciano Hang (que nem mesmo figurou como parte ou interessado nos processos!), foi “uma cena patética e triste para o Brasil. Uma cena que foi veiculada no mundo todo. O presidente simplesmente afastando o presidente de Portugal e chamando seu cabo eleitoral vestido com a sua tradicional vestimenta verde-periquito, vestido para fazer campanha“. Ora, patético mesmo foi ver um magistrado engavetar os conhecimentos jurídicos que deveria ter adquirido na academia, e achincalhar um apoiador político, com base no estilo de seus trajes.
Saíram o decoro e a institucionalidade pela porta da frente. Entraram a vulgaridade e o arbítrio pelos fundos.
Gilmar determina a destruição de áudios de assessor de Lira
Sob o argumento de que “ao Poder Judiciário compete a tutela das liberdades públicas e inviolabilidades pessoais”, o ministro Gilmar Mendes ordenou que a PF destruísse todos os áudios obtidos durante a Operação Hefesto, que apurava supostas irregularidades na compra de kits de robótica pelo FNDE. Recentemente, no âmbito dessa mesma operação, o togado já havia anulado e arquivado investigações sobre assessor próximo do deputado Arthur Lira (PP-AL), mediante o entendimento de que teria havido “usurpação de competência do STF”.
Após ter beneficiado parlamentar com o qual costuma ser visto em seminários e convescotes, o magistrado acaba de legitimar a destruição de provas, obstruindo os caminhos da justiça rumo à apuração de malfeitos graves. Mas, na republiqueta dos parentes e dos amigos de togados, a quem interessa investigar corrupção grossa?
Barroso em reuniões com Lira e Renan para debater limites à atuação do STF
No calor das discussões sobre as PECs que restringem decisões monocráticas de juízes supremos e limitam mandatos dos ministros, o novo presidente do Supremo tem se reunido com líderes do congresso. Para tratar do tema, o ministro Barroso encontrou o deputado Arthur Lira no CNJ, e o senador Renan Calheiros, em reunião não divulgada pela corte. Só mesmo em ambiente nada institucional é que um togado de cúpula promove verdadeiro “corpo a corpo” com parlamentares sob sua jurisdição, para “examinar” medidas destinadas exatamente à contenção de seus próprios excessos!
Vivemos um simulacro de independência entre os poderes e de sistema de freios e contrapesos.
Barroso, Mercadante e os recursos do BNDES
Em mais uma de suas reuniões com figuras passíveis de serem julgadas por sua caneta, o togado, também à frente do CNJ, encontrou Aloizio Mercadante, presidente do BNDES, para o lançamento do Fórum BNDES de Direito e Desenvolvimento. Segundo declarações das respectivas autoridades, o objetivo do fórum seria “fomentar o debate público sobre o papel das instituições jurídicas na efetivação do objetivo constitucional do desenvolvimento.”
Na prática, a tal pesquisa “pioneira” sobre as razões para a litigiosidade no Brasil, realizada em parceria com o CNJ, será irrigada por recursos públicos do banco, em valores não divulgados. Só a título de lembrete, o atual responsável pela instituição financeira já constou da lista de beneficiários de propina da Odebrecht, sob o codinome Aracaju. Recordação dos anos lavajatistas. Hoje, é mandatório confiar na lisura dos estudos e de seu financiamento, sob pena de incorrermos em “atos antidemocráticos”!
Supremo valida lei do RJ sobre custeio de advogado para servidor alvo de ações
A 2ª Turma do tribunal reconheceu a constitucionalidade de lei estadual do Rio de Janeiro sobre o custeio de causídicos a servidores da administração pública que se tornem réus em virtude de atos funcionais. Segundo os togados, os propósitos “louváveis” do dispositivo seriam “o de proteger o agente ou autoridade que atuam com probidade e de reduzir o dano a que estão sujeitos pelo acionamento temerário em seu desfavor.”
Em bom português, além de arcar com prejuízos gerados por eventuais malfeitos ao erário, o contribuinte fluminense ainda tem de bancar os honorários elevados de causídicos contratados para a defesa de agentes públicos. E tudo, claro, sob a chancela da suprema corte. Com todo esse arcabouço legislativo, e com tantos julgados convenientes a servidores que “saiam dos trilhos”, não causa espanto a nossa posição pífia nos índices internacionais de corrupção.
TRT-9 e as eleições de 22
Por decisão da corte trabalhista, uma cooperativa de Medianeira (Paraná), acusada de assédio eleitoral contra seus empregados, deverá arcar com danos morais coletivos no valor de R$ 500 mil. Segundo a denúncia acatada pelos togados, a entidade teria forçado “seus empregados a votar em determinado candidato a presidente da República (Bolsonaro)”, afirmando “que o outro candidato traria o “caos” e que a cooperativa estaria ameaçada, assim como o emprego de seus trabalhadores.” A procuradora autora da ação definiu a medida por ela proposta como “atuação institucional firme para proteção do regime democrático, marca do Estado Brasileiro.”
Nem o ministério público trabalhista nem os magistrados demonstraram qualquer respeito pela liberdade de manifestações opinativas no ambiente corporativo, seja no topo ou na base da hierarquia. Ora, se os gerentes/diretores da cooperativa externavam suas posições sobre um ou outro candidato, nada fizeram de concreto para impedir que seus funcionários optassem por este ou aquele. E nem poderiam, pois, até onde eu saiba, o voto é individual e secreto, de modo que a chefia da corporação não poderia estar na urna ao lado de cada empregado, e, muito menos, manipular seus dedos de funcionários para apertarem um ou outro número. Assim, em que residiu o dano concreto aos trabalhadores?
O grau de aparelhamento ideológico do universo togado beira o patológico.
TRT-15 manda GM reintegrar funcionários demitidos
Em decisão liminar, magistrado do tribunal acolheu pedido do Sindicato dos Metalúrgicos de São José dos Campos para determinar que a General Motors reintegrasse 839 funcionários demitidos de sua instalação local. Segundo o sindicato, em argumento chancelado pelo togado, um acordo de layoff (suspensão temporária de contratos de trabalho em períodos de crise), aprovado em junho, havia previsto estabilidade laboral para 1.200 funcionários.
Já de acordo com a montadora, a demissão dos trabalhadores foi inevitável diante da queda nas vendas e nas exportações. Se, por um lado, o contrato fez lei entre as partes, por outro, as coisas se alteraram conforme as circunstâncias. E, neste caso, as “circunstâncias” residiram na imprevisibilidade das flutuações mercadológicas.
Togados que pretendem ditar a forma de gestão de organizações privadas, sem, no entanto, repartirem os respectivos custos com os empresários, são incapazes de compreender as “leis” de mercado. Aliás, seria exigir demais de suas mentes limitadas pela soberba e pela mistificação marxista.
Desembargador do TJ/GO dispara: “Para mim, tem que acabar com a PM”
Em pleno julgamento de caso concreto submetido à sua apreciação, o desembargador goiano Adriano Roberto Linhares se permitiu externar sua postura sobre a estrutura constitucional das nossas polícias, pregando o fim da PM, e a adoção de “uma forma diferente na área da investigação e da repressão a crimes”. Pelo visto, a fala recente de Gilmar clamando pela extinção da PRF fez escola. Ou melhor, “jurisprudência”.
Justiça do Rio proíbe a entrada de deputados em universidade pública
Por decisão liminar do juiz Afonso Henrique Ferreira, da 1ª Vara de Fazenda Pública do Rio, os deputados estaduais Rodrigo Amorim (PTB), Filippe Poubel (PL) e Alan Lopes (PL) foram impedidos de adentrar os espaços públicos da Uerj, de gravar vídeos em suas dependência, e ainda tiveram de apagar todas as filmagens já postadas, sob pena de pagamento de multa diária de R$ 10 mil. Diante de recentes idas dos parlamentares à universidade para a fiscalização de denúncias sobre suposto aluguel indevido de vagas para veículos nos campi, a instituição recorreu à justiça, sob a alegação de que os deputados estariam agindo “de forma intimidatória, provocando, constrangendo e fazendo acusações infundadas a servidores.”
Ora, mas não é a fiscalização uma das principais funções dos membros do Legislativo? E quanto à academia, tão orgulhosa da sua condição de entidade pública, aberta a todos, qual o sentido de “bater com a porta na cara” dos que apenas exercem sua atribuição fiscalizatória? Pior é ver togado, por liminar (antecipando o juízo do próprio mérito da ação!), chancelar a ocultação de fatos relevantes para o Estado do Rio, em afronta direta ao princípio da transparência que deveria reger a administração pública. Deveria…
O STJ e as drogas
“O consentimento do morador para a entrada de policiais em sua casa apenas será válido quando for documentado por escrito e registrado em gravação audiovisual.” Com base nesse entendimento, a 5ª. Turma do tribunal, acompanhando voto do relator ministro Ribeiro Dantas, declarou a ilegalidade de operação policial, e anulou todas as provas obtidas durante diligência realizada no domicílio de investigado por tráfico de drogas.
Embora os policiais tenham encontrado boa quantidade de entorpecentes, caiu por terra a medida criminal contra o réu, que poderá prosseguir em suas “atividades”, sob o beneplácito dos togados. Mais uma da série de decisões do STJ extremamente benéficas a envolvidos em práticas nada recomendáveis. E, por óbvio, desfavoráveis a toda uma sociedade, mantida refém da insegurança.
Mais STJ – Guarda Municipal x narcotráfico ao redor de escolas
A mesma Turma manteve a absolvição de homem abordado e revistado por guardas municipais. Com base nas provas encontradas pelos agentes, o réu havia sido condenado a 5 anos de prisão por tráfico. Porém, no entendimento dos togados superiores, “não é das Guardas Municipais, mas das polícias, como regra, a competência para patrulhar supostos pontos de tráfico de drogas e fazer abordagens e revistas em indivíduos suspeitos da prática de tal crime.”
Tal deliberação afrontou até mesmo julgado recente do STF, segundo o qual a guarda municipal seria, sim, órgão integrante do sistema de segurança pública. Assim como afrontou a própria razoabilidade, pois, no caso concreto, o meliante comprovadamente exercia seu “ofício” no entorno de uma escola. Se os prefeitos interpretarem a decisão em seus termos literais, guardas municipais serão instruídos a virarem as costas a traficantes que estiverem aliciando crianças e jovens, a chamarem policiais militares que podem demorar a chegar, e, enquanto isso, exercerão papel quase decorativo na sinalização do tráfego. Bela “lição” do tribunal.
Ainda STJ – Autorização para supressão de instância
Em casos excepcionais de abuso de poder, é possível “pular” uma instância e submeter diretamente o caso ao tribunal superior. A partir desse entendimento, e considerando que o Tribunal de Justiça do Paraná teria demorado a julgar um habeas corpus, o ministro Reynaldo Soares, do STJ, concedeu liminar para soltar acusado da prática de crime sexual.
A defesa, inconformada diante da prisão preventiva ordenada em primeira instância, pleiteou a soltura do réu junto ao tribunal paranaense, onde a relatora do caso só devolveu o processo para julgamento um mês depois. Foi assim que o réu se dirigiu ao STJ, alegando constrangimento ilegal por excesso de prazo, e conseguiu sua liberdade, via canetada monocrática.
O caso ilustra bem a disfuncionalidade do nosso sistema judiciário. De fato, a desembargadora local errou, ao levar tanto tempo para relatar (sintetizar) e colocar em julgamento um pedido de retomada da liberdade individual. Da mesma forma como falhou o togado de cúpula, ao atropelar o princípio constitucional do duplo grau de jurisdição (segundo o qual os litígios entre pessoas sem foro privilegiado têm de passar pelas duas primeiras instâncias), avocando, para si, processo que ainda não havia sido apreciado pela magistrada paranaense. O resultado não poderia ser mais catastrófico: insegurança jurídica e caos por todos os lados.
Gentili “gordofóbico”?
Em ação movida pela deputada pessolista Sâmia Bonfim, o comediante Danilo Gentili foi condenado pelo Tribunal de Justiça de SP ao pagamento de indenização de R$ 20 mil, por comentários supostamente “gordofóbicos” contra a parlamentar. Em uma das publicações, Gentili se perguntava “quanto do dinheiro que enviamos pra prefeitura a Sâmia teria destinado para comprar X-Burguer””, e, em outra postagem, dizia que “a mina é tão gorda que acha que até os ministros devem ser temperados.”
No país da corrupção grossa, a liberdade de expressão mingua. E os humoristas, cada dia mais tolhidos em sua arte de fazer graça, se veem impedidos de ganharem honestamente o pão nosso. Por aqui, é plenamente admissível – e até estimulado – saquear o erário público, cooptar magistrados, e realizar outras façanhas “heterodoxas”. Querem nos ver de cabeça baixa e espinha dobrada, quebrados no moral, e impedidos da prática mais “subversiva” em qualquer sociedade: dar ótimas gargalhadas!
*Kátia Magalhães é advogada, liberal e apaixonada por arte e cultura.