*Farid Mendonça Júnior
Esquerdistas! Hitleristas! Comunistas! Nazistas! Esquerdopatas! Fascistas! A conversa no Brasil está velha e chata.
O debate sobre os conceitos de esquerda e de direita começou lá na Revolução Francesa, por volta da segunda metade do século XVIII.
Na então Assembleia Nacional Francesa, os parlamentares que sentavam na parte direita do parlamento eram favoráveis ao rei e, portanto, ao governo. Eram considerados mais ortodoxos, conservadores e tradicionais.
Já os que sentavam na parte esquerda eram contra o rei e, portanto, contra o governo. Contra o absolutismo da época, contra a autoridade sem limites do rei. Eram mais heterodoxos e liberais.
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Independentemente em que linha o parlamentar se situava e independentemente destas denominações (esquerda e direita), o fato é que sempre na história da humanidade existiram os políticos da situação (status quo) e os políticos de oposição.
O movimento antagônico entre as forças políticas foi o principal requisito para que a sociedade evoluísse, para que direitos fossem conquistados, para que as leis fossem melhoradas e para que o Estado de Direito e a democracia fossem aperfeiçoados.
Governos mais a direita e mais a esquerda se sucederam ao longo da história nos diversos países, antes e depois da formalização de seus conceitos. Algumas vezes, testemunhamos casos de extremismos tanto de esquerda (Stalin, na URSS, por exemplo) como na direita (Hitler, na Alemanha, e Mussolini, na Itália).
Além destes extremos, pudemos contar com muitos governos de centro também, como foi o caso em inúmeros exemplos da social-democracia.
Após a segunda guerra mundial, com uma nova ordem geopolítica estabelecida, os Estados Unidos e a União Soviética duelaram no cenário internacional
Após a segunda guerra mundial, com uma nova ordem geopolítica estabelecida, os Estados Unidos e a União Soviética duelaram no cenário internacional, colocando como fundamento contra o inimigo o pensamento ideológico, mas que por trás de tudo isso o que se sobressaía eram os interesses dos dois países.
Ao invés de se enfrentarem cara a cara numa guerra, os dois preferiam usar os demais países, criando guerras entre eles, fornecendo material bélico, e lucrando com tudo isso, além é claro, das suas influências e explorações econômicas sobre os países que giravam em suas órbitas de influência.
O Brasil foi um dos países envolvidos neste cenário. Ainda durante a segunda guerra mundial, o Presidente Getúlio Vargas soube tirar proveito da situação, colocando o interesse do Brasil acima disso, e só se voltou para o lado dos Estados Unidos, abandonando a Alemanha, quando os investimentos para a construção da siderúrgica de Volta Redonda foram garantidos, o que daria início ao processo de industrialização brasileira.
A partir daí, o Brasil decidiu caminhar com os Estados Unidos durante e depois da segunda guerra, e chegou a se alinhar ideologicamente com os americanos (grande erro). Décadas depois, o Brasil começava a contestar o alinhamento ideológico com os Estados Unidos, até que já com João Goulart como presidente, o Brasil dava sinais de alinhamento ideológico com a União Soviética (outro grande erro). Logo depois tivemos o golpe de 1964 e os militares decidiram se alinhar com os americanos (mais um erro).
Ninguém pensou que o Brasil poderia construir sua própria história e definir seu próprio futuro de acordo com os seus próprios objetivos.
Portanto, ninguém pensou que o Brasil poderia construir sua própria história e definir seu próprio futuro de acordo com os seus próprios objetivos. Ou seja, nosso país foi um verdadeiro pêndulo como o de um relógio. Uma hora o pêndulo era mais esquerdista, outra hora mais de direita.
Quando um país não constrói sua própria história, não tem segurança no que pensa e apenas se coloca a margem do sistema global de decisão, de pesquisa e de produção, é o que acontece, vira um pêndulo.
Vivemos eternamente na órbita de influência das nações que mandam no mundo. Nos aconstumamos a assistir o jogo geopolítico deitados em berço esplêndido, mas sofrendo as consequências até hoje de nossos erros.
Os diversos governos que passaram após a redemocratização do Brasil, apesar dos erros que não foram poucos, deram sua contribuição ao país. Entretanto, sempre tiveram aqui ou ali um ranço ideológico mais a esquerda ou a direita.
Este jogo político é importante, como já frisei aqui, pois é este antagonismo que leva o ser humano e os governos para a evolução, com exceção do puro alinhamento ideológico a outras nações e os extremismos.
Entretanto, nas últimas décadas assistimos, não só no Brasil, um acirramento da política. Um jogo explosivo, onde vale tudo na defesa da sua ideologia. A ideologia passou a ser mais importante que o país. O extremismo passou a dar as cartas.
As pessoas no Brasil não conseguem mais dialogar sobre política e, principalmente, sobre políticas públicas.
As pessoas no Brasil não conseguem mais dialogar sobre política e, principalmente, sobre políticas públicas. Se uma política pública nascida num governo de esquerda se mostra eficiente, o próximo governo de direita resolve acabar com a política ou pelo menos mudar o nome. E a esquerda faz a mesma coisa também. Ou seja, não há construção. Não há projetos de Estado, mas só projetos de governos amarrados em ideologias.
Um exemplo deste contraditório ideológico vem exatamente dos Estados Unidos. Os partidos democrata e republicano, apesar dos diversos acontecimentos históricos, conviviam de forma relativamente respeitosa, respeitando a vez do governo de cada um e até colaborando com políticas públicas em prol dos Estados Unidos.
Entretanto, de uns tempos pra cá (principalmente a partir do governo Clinton), democratas e republicanos resolveram acirrar o discurso, obstruir ao máximo as iniciativas do partido adversário e do Presidente da vez. O tom foi cada vez mais subindo e hoje praticamente qualquer detalhe é sinônimo de guerra política.
Toda esta situação vivenciada pelos Estados Unidos está muito bem retratada no livro “Como as democracias morrem” de Steven Levitsky e Daniel Ziblatt. Além de explicarem por diversos exemplos, não só nos Estados Unidos, mas em diversos países do mundo, como as democracias morrem, os autores ainda constróem o cenário ideal para o nascimento e a chegada de um ditador ao poder, além de definirem sua tipologia.
Destaco abaixo uma das passagens do livro “Como as democracias morrem” (pág. 20) que serve para mostrar de maneira contundente o que os últimos governos no Brasil e o atual vem fazendo com nossa democracia:
“Uma vez que um aspirante a ditador consegue chegar ao poder, a democracia enfrenta um segundo teste crucial: irá ele subverter as instituições democráticas ou ser constrangido por elas? As instituições isoladamente não são o bastante para conter autocratas eleitos. Constituições têm que ser defendidas – por partidos políticos e cidadãos organizados, mas também por normas democráticas. Sem normas robustas, os freios e contrapesos constitucionais não servem como os bastiões da democracia que nós imaginamos que eles sejam. As instituições se tornam armas políticas, brandidas violentamente por aqueles que as controlam contra aqueles que não as controlam. É assim que os autocratas eleitos subvertem a democracia – aparelhando tribunais e outras agências neutras e usando-os como armas, comprando a mídia e o setor privado (ou intimidando-os para que se calem) e reescrevendo as regras da política para mudar o mando de campo e virar o jogo contra os oponentes. O paradoxo trágico da via eleitoral para o autoritarismo é que os assassinos da democracia usam as próprias instituições da democracia – gradual, sutil e mesmo legalmente – para matá-la.”
Assistimos desde 2002 no Brasil o culto à personalidade, ora de esquerda, ora de direita. Grande parta da população e dos políticos não estão preocupados com o país, mas sim com a adoração à imagem do “líder’ ou “salvador da pátria”
Assistimos desde 2002 no Brasil o culto à personalidade, ora de esquerda, ora de direita. Grande parta da população e dos políticos não estão preocupados com o país, mas sim com a adoração à imagem do “líder’ ou “salvador da pátria”. Não percebem que cada vez mais nossa sociedade e nossa democracia se enfraquecem neste jogo e quem ganha são os assassinos da democracia, que pouco a pouco vão minando o Estado e as cabeças fracas de uma massa ignorante, que não faz um mínimo de esforço para pensar.
Nossas instituições e nossos pesos e contrapesos constitucionais ainda resistem bravamente. Mas até quando? Será que nossa República vai resistir ou a Bastilha irá cair?
Que o Brasil liberte-se destes assassinos da democracia e que passe a focar em educação e políticas públicas que elevem nosso patamar civilizatório.
*Farid Mendonça Júnior é advogado, economista e administrador.
Foto: Valter Campanato/Agência Brasil
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