fbpx

República de Sobrenomes – Quando a exceção devora a regra: o risco institucional do “parente de confiança”

Compartilhe

Por Yuri Quadros*

O poder político, diz a Constituição (art. 1º), “emana do povo”. Não do sobrenome. Não da árvore genealógica. Mas na última quarta-feira, 23 de outubro, o STF formou maioria para permitir a nomeação de parentes em cargos políticos — e trocou a régua do mérito pela fita métrica da consanguinidade.

Virou prática brasileira criticar nossa suprema corte — tão excepcional e cheia de homens grandes e reluzentes —, principalmente quando falamos sobre o ideal que eles têm sobre liberdade de expressão e Estado de Direito. Mas às vezes eles mostram que sabem ser bons de serviço em outras matérias também. Nesta, infelizmente, foram bons para a perpetuação do velho Brasil: o do “sobrenome” antes do mérito.

Leia também:  A Violência da Linguagem

Durante anos, tivemos uma contenção clara: a Súmula Vinculante 13, de 2008, que proíbe nomeações de cônjuges e parentes até o terceiro grau quando há subordinação ou influência na escolha. A decisão recente não revoga a SV-13, apenas “reinterpreta” seu alcance, dizendo que cargos políticos (ministros, secretários) não se enquadrariam automaticamente na regra antinepotismo.

O problema não é a exceção. É a porta escancarada para que a exceção devore a regra.

Basta olhar o Brasil real. Em dezembro de 2024, o Tribunal de Contas dos Municípios da Bahia teve que determinar medidas contra nepotismo em Esplanada — esposa de secretário trabalhando na mesma gestão, contrato de aluguel favorecendo familiar. É uma prática que brota sempre que o freio institucional amolece.

Leia também:  A Violência da Linguagem

O próprio STF já distinguia confiança política de nepotismo quando não há subordinação e há qualificação real. Mas flexibilizar o limite justamente onde a tentação é maior significa premiar o atalho e punir o mérito. Bons quadros, sem laços de sangue, perdem para o parente “de confiança”.

No dia seguinte à formação de maioria, o ministro Dias Toffoli chorou em plenário ao exaltar que integramos “o maior e o mais produtivo Judiciário do mundo”. A ironia é evidente: enquanto a Corte afrouxa a linha que separa o público do privado, celebra a própria grandeza.

“Cargos políticos exigem confiança pessoal”, dirão os defensores da decisão. É verdade, mas confiança não se confunde com parentesco. Se o poder emana do povo, o critério deveria ser competência demonstrável e ausência de subordinação familiar. Sem essa clareza, a confiança degrada em feudo.

Leia também:  A Violência da Linguagem

Locke escreveu que “onde cessa a lei, começa a tirania”. Mas há uma tirania mais sutil — a do sobrenome, que transforma instituições públicas em extensões da sala de jantar. A toga não é herança de família, e o cargo público tampouco. Quando esquecemos isso, perdemos a própria ideia de que o Estado pertence a todos, e não apenas aos bem-nascidos.

*Yuri Quadros é cofundador do Instituto Aliança da Camélias, diretor de formação do IFL-BH, conselheiro da Rede Liberdade e colunista do Boletim da Liberdade.

Aviso

As opiniões contidas nos artigos nem sempre representam as posições editoriais do Boletim da Liberdade, tampouco de seus editores.

plugins premium WordPress
Are you sure want to unlock this post?
Unlock left : 0
Are you sure want to cancel subscription?