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Liberdade de Expressão e Moralidade: o caso da suástica budista e os limites da manifestação

Liberdade de expressão

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Por Guilherme Avila*

A liberdade de expressão é um dos pilares fundamentais das sociedades liberais e libertárias. No entanto, quando essa liberdade se confronta com normas morais e culturais profundamente estabelecidas, surgem debates sobre seus limites e consequências. Um caso emblemático que ilustra essa tensão é o de um indivíduo que pintou em seu rosto uma suástica budista, não por ser budista, mas para mascarar uma manifestação velada do nazismo. Diante da repulsa generalizada ao nazismo, ele evitou o símbolo comumente associado ao regime de Adolf Hitler e utilizou um artifício visual para expressar sua ideologia sem enfrentamento imediato. 

John Stuart Mill defende que a liberdade de expressão é essencial para o progresso intelectual e moral da sociedade. Em On Liberty, ele argumenta que até mesmo ideias consideradas ofensivas ou repulsivas devem ser permitidas, pois seu debate fortalece a verdade e evita o dogmatismo (Mill, 1859, p. 50). No caso do indivíduo que usou a suástica budista para mascarar uma mensagem nazista, Mill argumentaria que, desde que sua expressão não incitasse diretamente a violência ou causasse dano real a terceiros, ele deveria ter o direito de manifestar sua opinião.

Mill também enfatiza a necessidade de distinguir ofensa de dano real. Embora o uso da suástica possa ser ofensivo para muitas pessoas, especialmente para vítimas do Holocausto e suas famílias, a mera expressão simbólica não constitui agressão direta. Assim, sob essa perspectiva, a sociedade pode responder com críticas, boicotes e ostracismo, mas não com coerção estatal.

Ademais, Mill reforça que suprimir opiniões, por mais detestáveis que sejam, impede que a sociedade compreenda plenamente os argumentos contrários e fortaleça seus princípios morais e filosóficos. Para ele, o combate a ideias erradas deve ser feito por meio do discurso e do debate racional, não pela censura.

Em The Ethics of Liberty, Murray Rothbard argumenta que, em uma sociedade verdadeiramente livre, indivíduos têm total autonomia para expressar suas crenças, desde que não iniciem agressão física contra terceiros (Rothbard, 1982, p. 119). Ele critica a interferência do Estado na regulação da moralidade e defende que normas sociais emergem espontaneamente por meio da interação entre os indivíduos.

Rothbard diferencia coerção estatal de sanções sociais voluntárias. Ele sustenta que o indivíduo deve estar preparado para as consequências de sua expressão, como perder apoio de empregadores, sofrer ostracismo ou ser boicotado. O princípio central do libertarianismo rothbardiano é que as pessoas têm direito de se associar ou se dissociar conforme seus valores morais, sem que o Estado intervenha nesse processo.

Ademais, Rothbard sugere que a própria economia de mercado regula comportamentos sociais moralmente condenáveis. Empresas e comunidades tendem a se afastar de indivíduos que representam riscos à sua reputação, criando incentivos naturais para que comportamentos considerados ofensivos sejam rechaçados.

O caso apresentado evidencia um embate entre a liberdade de expressão e a moralidade social. Em uma sociedade libertária, o indivíduo tem pleno direito de se expressar, mas também deve arcar com as consequências de sua expressão. Como Mill argumenta, a sociedade tem o direito de refutar, criticar e afastar aqueles cujas opiniões são consideradas repugnantes (Mill, 1859, p. 80).

Por outro lado, Rothbard reforça que, ao remover o poder coercitivo do Estado, a sociedade precisa confiar em mecanismos voluntários para punir ou marginalizar indivíduos que desafiam normas morais amplamente aceitas. Isso significa que, embora o uso da suástica budista para fins nazistas seja legalmente permitido, o indivíduo que o faz pode enfrentar severas consequências sociais, como demissão, exclusão de comunidades e boicote.

Além disso, é importante considerar que a moralidade social é mutável. O que é amplamente condenado hoje pode ter sido aceito no passado e vice-versa. Assim, a gestão dessas normas é um processo dinâmico e descentralizado, no qual indivíduos, empresas e comunidades determinam os padrões aceitáveis de convivência.

A liberdade de expressão, embora essencial, deve estar acompanhada por uma sólida formação moral e educacional. A sociedade, ao rejeitar ideologias perniciosas, também deve promover valores como respeito, empatia e justiça. O ensino da história e da filosofia é fundamental para que as novas gerações compreendam os erros do passado e evitem sua repetição. Educar para a liberdade significa ensinar não apenas direitos, mas também responsabilidades e consequências de cada ato. Dessa forma, a liberdade se sustenta sobre bases mais firmes, reduzindo a necessidade de sanções sociais severas e fortalecendo a coesão social.

A liberdade de expressão em uma sociedade libertária não significa imunidade às consequências sociais. O caso do indivíduo que usou a suástica budista para mascarar uma mensagem nazista demonstra que, embora o Estado não deva intervir, a sociedade pode e deve reagir conforme seus valores morais. A abordagem de Mill destaca a importância do debate aberto e da tolerância ao dissenso, enquanto a perspectiva de Rothbard reforça que normas sociais devem ser reguladas sem coerção estatal. Em última instância, a liberdade implica tanto o direito de se expressar quanto o dever de lidar com as respostas que essa expressão pode gerar.

*Guilherme Avila é coordenador do Instituto Atlantos

Referências

– Mill, J. S. (1859). On Liberty. Londres: John W. Parker and Son.

– Rothbard, M. (1982). The Ethics of Liberty. Atlantic Highlands: Humanities Press.

 

Aviso

As opiniões contidas nos artigos nem sempre representam as posições editoriais do Boletim da Liberdade, tampouco de seus editores.

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