fbpx

Panorama Jurídico – Nº 015 – 10/11/2023

Os principais fatos jurídicos da semana, o que está acontecendo de mais importante nas cortes brasileiras, com a opinião de juristas renomados, em uma linguagem simples e direta

Compartilhe

Por Kátia Magalhães*

Supremo beneficia réu foragido

A corte chancelou liminar do ministro Fachin, que havia determinado a suspensão de ação penal contra meliante envolvido em associação para o tráfico, por falta de interrogatório. O réu, cuja prisão preventiva havia sido decretada ainda em fevereiro de 2022, mas que se evadiu, teve a insolência de pleitear, mediante sua defesa, a realização de seu próprio interrogatório por videoconferência. O pleito, rejeitado pela primeira instância, pelo TJ/SP e pelo STJ, acaba de ser acolhido pela 2ª Turma do Supremo, sob o argumento risível de que “o fato de o acusado não se apresentar à Justiça para cumprir o mandado de prisão não implica renúncia tácita ao direito de participar da audiência virtual.”

Julgamento bem alinhado à “praxe” recente do tribunal de anular provas contra corruptos notórios, e trancar inquéritos contra caciques políticos amigos e/ou defendidos por parentes de magistrados. O reino da “bandidolatria” é aqui. 

Gilmar diz que STF derrubaria projeto sobre cassação de decisões judiciais: “não tem boa origem

Segundo o togado, ele e seus pares derrubariam eventual emenda constitucional que viesse autorizar deputados e senadores a cassarem decisões da corte. Nas palavras de Gilmar, “isso, se passar, obviamente que nós interpretaríamos como inconstitucional. É bom lembrar que essa ideia não tem boa origem. Isto é da ditadura Vargas, da Constituição de 1937, que chamavam de polaca.” Em seu conhecido histrionismo, o magistrado torna a se manifestar fora dos autos, e a dar palpite em assuntos legislativos.

Sentindo-se um autêntico “supremo”, Gilmar sequer se preocupa em conter sua língua diante de duas observações óbvias, que necessariamente precedem uma frase dessa natureza. 

Em primeiríssimo lugar, jamais poderia ter antevisto um juízo de inconstitucionalidade de uma norma, pois o magistrado só “entra em cena” se for provocado por uma parte autora, ou seja, se alguém ingressar com uma medida, pleiteando uma providência junto ao aparato judiciário. Isso, é claro, com exceção de todos os “inovadores” inquéritos e ações de ofício, sob a égide da constituição alexandrina… Além disso, Gilmar nem mesmo tem como vislumbrar, de antemão, qual versão do projeto seria submetida ao seu controle de constitucionalidade, e, muito menos, quais seriam as razões invocadas pela parte interessada na formulação de seu pedido.

A exibição de pseudo-aulas sobre constitucionalismo nacional só serve para escancarar os abusos de quem lança mão de uma toga na tentativa de intimidar os membros do poder vizinho, alardeando uma autoridade sem limites. Perdemos toda e qualquer noção dos freios necessários ao exercício do poder nas democracias, e do próprio decoro exigido, em grau máximo, dos servidores de cúpula. Aliás, ainda somos uma democracia?

STF veda o uso de armas pelos auditores e procuradores do DF

Atendendo a pedido da PGR, o tribunal, em julgamento unânime durante sessão virtual, declarou a inconstitucionalidade de norma distrital que assegurava o porte de arma de fogo de uso permitido, e devidamente registrada, aos auditores tributários, membros da carreira de assistência judiciária e procuradores do Distrito Federal. Segundo a procuradoria, em alegação acolhida pelo relator ministro Nunes Marques e por seus pares, o legislativo distrital “usurpou a competência reservada da União para legislar sobre materiais bélicos“. Trata-se de interpretação excessivamente “ampla” do dispositivo constitucional, que reserva, sim, à União a atribuição exclusiva de legislar sobre “material bélico”, mas sobre tal material de uso das polícias e bombeiros militares, o está longe de ser o escopo da legislação do DF. Ora, onde o legislador (constituinte) restringe, não cabe ao intérprete (juiz) ampliar, Dr. Kássio!

Mais uma decisão que contraria disposição expressa da Constituição, limita ainda mais o âmbito de atribuições das assembleias legislativas locais (em prol da nociva centralização de poderes em Brasília), e se alinha ao discurso antiarmamentista, tão caro ao progressismo e ao grupo político reassentado no Planalto. Tudo isso negligenciando uma discussão séria sobre eventual necessidade de uso de armas por auditores e procuradores, sobretudo em investigações em torno de esquemas de corrupção grossa. Mas quem se interessa por debates técnicos, sobretudo no meio togado?

Leia também:  "Não resolve", diz Flávio Bolsonaro sobre impeachment de Moraes

Moraes se recusa a investigar presente dado a Lula

Em canetada monocrática, o ministro Alexandre de Moraes rechaçou pedido do deputado Rodrigo Valadares (União Brasil – SE) para investigar o presidente por não ter declarado o recebimento de relógio de pulso como presente, em 2005. Para Moraes, “na ausência de indícios indiciários mínimos suficientes a justificar a instauração e consequente persecução penal, indefiro o pedido formulado e determino o arquivamento imediato desta representação.” 

O “mimo”, um relógio da marca Piaget avaliado em R$ 80 mil, e agraciado pelo ex-presidente francês J. Chirac ainda na primeira temporada palaciana lulista, não foi “suficiente” para convencer Moraes a autorizar uma investigação. Já os presentes recebidos pelo mandatário anterior ensejaram a cólera do mesmo togado, que, sem pestanejar, instaurou inquérito contra o político, tomou seu depoimento, e ordenou a prisão ilegal de seu ex-ajudante de ordens, dentre várias outras irregularidades. 

Não é sobre defender uma ou outra liderança. É sobre atacar o desprezo pela institucionalidade, e a adoção escancarada de um “duplo padrão” de valores.

Moraes 2 – A desmoralização diante de empresário gaúcho

O empresário Eduardo Zeferino, réu em ação sobre os eventos do 08.01, demonstrou que foi mais uma “presa” apanhada na “rede alexandrina” de arbítrios inovadores. Após ter apontado todos os erros técnicos crassos desses julgamentos em massa sobre o caso, a defesa ainda comprovou que Zeferino jamais esteve no acampamento montado em frente ao Quartel do Exército, em Brasília, em contradição evidente com a falácia que havia fundamentado a decisão de Moraes de condenação do empresário a 17 anos de prisão.

Diante de erro fático tão flagrante, o julgamento foi anulado, e será retomado no próximo dia 17. O todo-poderoso togado levará adiante sua farsa, ainda que tenha sido desmoralizado diante da população, e tenha visto sua “tese” sobre o cabimento de juízos em massa (não-individualizados) ruir por completo. E, apesar de toda a irregularidade cada vez mais indisfarçável, seguirá impune. Pelo menos, por enquanto.

Moraes 3 – A OAB ensaia reação?

Em mais uma de suas “inovações”, o togado negou a advogado o direito à palavra na tribuna (garantido pelo Estatuto da OAB), mediante o argumento de que, por força do regimento interno do tribunal, o Supremo já havia decidido pelo descabimento de sustentação oral em uma certa espécie de recursos (agravos), e que a norma da corte, por ser específica, deveria prevalecer sobre a legislação da advocacia, de cunho mais genérico. No entanto, o dispositivo do Supremo afronta a própria Constituição, que assegura o contraditório e a livre manifestação de causídicos em todos os tribunais do país. E, como nada pode – ou, pelo menos, poderia! – se sobrepor à nossa lei maior, mais uma vez Moraes agiu como verdadeiro “poder supraconstitucional”, em nova aberração jurídica.

Diante desse último abuso escrachado, o presidente da OAB, Beto Simonetti – até então calado frente às “heterodoxias” crescentes de Moraes e colegas – emitiu nota oficial para manifestar, em nome da entidade, “preocupação com a flexibilização ou supressão do direito constitucional ao contraditório e à ampla defesa pelo Supremo Tribunal Federal (STF), por meio do não reconhecimento da prerrogativa da advocacia de proferir sustentações orais de forma presencial, durante as sessões, nas hipóteses previstas em lei.”

Sem dúvida, uma mudança de tom da categoria dos advogados frente ao tribunal em geral, e, sobretudo, frente à atuação desse togado. Não sabemos se Simonetti manterá sua reatividade, e sequer podemos prever a natureza de uma eventual contrarreação oriunda do gabinete alexandrino. Na era do “vale-tudo”, só nos resta manter a coerência e a honestidade intelectual, e acompanhar o desenrolar dos acontecimentos. Minuto a minuto.

TJ/RJ anula lei que proibia cobrança de tarifa de esgoto sem comprovação de prestação do serviço

Acolhendo ação da Associação Brasileira das Concessionárias Privadas de Serviços Públicos de Água e Esgoto, o tribunal estadual anulou lei municipal de Petrópolis que vedava a cobrança de tarifa de esgoto sem a comprovação da prestação completa dos serviços de captação e saneamento. O dispositivo questionado parecia salutar, ao exigir a prova de realização das etapas do saneamento como requisito para o pagamento da respectiva tarifa.

Leia também:  Moraes arquiva investigação contra Bolsonaro por dormir em embaixada

Nossos togados fluminenses entenderam, porém, que a norma petropolitana violaria o princípio da separação dos poderes, pois deveria ter sido criada a partir de proposta do prefeito, e não da câmara municipal (como foi o caso). Tal deliberação teria sido baseada em nossa Constituição do Estado, que atribui ao executivo competência exclusiva para propor projetos “sobre organização e funcionamento da administração municipal.” Ocorre que essa matéria não envolvia diretamente a forma de gestão do município, mas a dinâmica (contratual) entre a concessionária e a população consumidora, dinâmica essa em relação à qual os vereadores locais podiam e deviam opinar, na defesa dos interesses de seus eleitores.

E assim seguimos no Estado onde a empresa contratada é isenta da obrigação essencial de comprovar o adimplemento contratual (entrega dos serviços), e onde os cidadãos têm de se “resignar” diante de sua condição de meros pagadores.

Juiz do Acre determina reintegração de ex-funcionário deprimido

O juiz do Trabalho Fábio Lucas Telles de Menezes Andrade Sandim, da 1ª Vara de Rio Branco/AC, determinou a reintegração, ao emprego, de funcionário que havia pedido demissão em período durante o qual enfrentava depressão grave. Em juízo, o autor se identificou como ex-empregado de empresa de assistência técnica quando foi diagnosticado, e afirmou que, naquela ocasião, havia optado por se retirar do trabalho. Contudo, nos primeiros sinais de melhora clínica, pleiteou a anulação do ato de desligamento, por ter se encontrado, na época, supostamente “incapaz para tomar decisões”. 

Mais uma interpretação amplíssima de uma norma, nesse caso, o artigo 4º do Novo Código Civil, que trata como relativamente incapazes para os atos da vida civil – inclusive para contratar – “aqueles que, por causa transitória ou permanente, não puderem exprimir sua vontade.” Ora, à luz de um mínimo de razoabilidade, o legislador, ao contemplar esse caso de incapacidade relativa, teve em mente situações extremas, tais como idosos com Alzheimer, surdos-mudos incapazes de exprimir sua vontade que não pela fala, ou pacientes comatosos.

Em que pese a gravidade do diagnóstico de depressão, o fato em si não fundamenta uma incapacidade, e se o funcionário, em momento de dor psíquica, optou por se desligar do emprego, então deveria ele, após recuperado, ou bem contactar a empresa em busca de um diálogo, ou procurar outra vaga de trabalho. Contudo, para a imensa massa de togados nacionais, em particular para os trabalhistas, o importante não é raciocinar à luz da legislação, mas “fazer caridade com chapéu alheio”. Vitimismo assistencialista na veia!

Obstáculos de togado paulista à privatização da Sabesp

Acatando pedido formulado pelo deputado estadual petista Luiz Cláudio Marcolino e por representantes do Sindicato dos Bancários de SP e da CUT-SP, o juiz Raphael Augusto Cunha suspendeu audiência pública na Alesp sobre projeto de lei que autoriza o governo paulista a privatizar a companhia. A concessão da liminar foi motivada pela constatação de prazo supostamente apertado entre a divulgação e a data de realização da audiência, o que “dificultou a participação de todos os possíveis interessados”.

No ritmo das togas – bem alheio à era digital e ao giro dos negócios -, um prazo de 5 dias é tido como “exíguo”. Aliás, como a grande maioria dos nossos magistrados exibe uma alergia incurável à simples palavra “privatização”, qualquer pretexto serve para postergar, ou até eliminar o risco de “entrega do patrimônio público nacional”. Quanto atraso… 

STJ: Advogado que recebe adiantado, mas não presta serviço, não comete crime

O pagamento de honorários advocatícios para prestação de serviços não executados constitui ilícito civil, reparável na esfera própria. Nada tem a ver, portanto, com a área criminal, nem pode ser tipificado como crime de apropriação indébita.” A partir desse entendimento, o ministro Antônio Saldanha Palheiro trancou ação penal contra advogado que havia recebido adiantamento para entrar com uma ação, mas não o fez, nem devolveu o montante ao cliente. Para piorar a situação, a parte, após procurar outro profissional, ainda descobriu que sequer poderia ingressar com a medida, pois esta já se achava prescrita. Diante de todas essas circunstâncias, o ministério público ofereceu denúncia contra o advogado, acusando-o de apropriação indébita.

Leia também:  Elon Musk desafia Alexandre de Moraes e manda desbanir perfis no Twitter

Em exame de recurso da defesa, o TJ/SP havia mantido a ação penal, diante dos fartos indícios da prática do crime. Porém, o togado de cúpula “tomou as dores” do réu, tendo deliberado que o causídico só poderia ser alvo de medidas no cível (pedido de ressarcimento do valor); não na seara criminal. Gostaria apenas que o magistrado superior me explicasse que tipo de conduta é essa de alguém que recebe o pagamento de um cliente para um serviço específico, e nem executa o trabalho, nem restitui o dinheiro. Como designar tal atitude por outro nome que não apropriação indébita, onde o agente atua com a intenção (dolo) de ficar com algo que não é seu?

Precedente perigosíssimo, que certamente beneficiará vários colegas com muita lábia e nenhum escrúpulo.

Para a corte, associação ao tráfico não corresponde a facção criminosa

Em canetada monocrática, o ministro Joel Ilan Paciornik, do STJ, concedeu benefício especial de progressão de pena a gestante condenada também por associação para o tráfico (forma de associação criminosa). O benefício lhe havia sido negado pelo TJ/SP, pois, segundo a legislação, um dos requisitos consiste exatamente no não-pertencimento do réu a organização criminosa.

Porém, o togado superior entendeu que a norma “não pode ser alvo de interpretação extensiva afim de que o significado de organização criminosa inclua toda e qualquer forma de associação criminosa.” Ora, na opinião do magistrado, o que significa então a expressão “organização criminosa”?

Mais uma decisão que traz perdas indiscutíveis para a sociedade e para a segurança pública. E ganhos para o universo delitivo e para as “inovações” na área de malabarismos retóricos em prol do indefensável.

STJ x seguradoras

Por maioria, a 3ª Turma da corte entendeu ser abusiva a conduta de plano de saúde que recusa a formalização de contrato com pessoa negativada. Em recurso contra decisão do TJ/RS, a seguradora havia sustentado, no STJ, que não poderia ser “forçada a contratar com pessoa que não comprovou condições mínimas para arcar com o pagamento do convênio.” E não poderia mesmo! Esse, aliás, foi entendimento da própria relatora do caso, ministra Nancy Andrighi, que chegou a amparar seu voto no Código de Defesa do Consumidor para afirmar que “a recusa, pela operadora, de contratar com quem possui restrição de crédito não será abusiva, exceto se o consumidor se dispuser ao pronto pagamento do prêmio.”

Porém, seus colegas não tiveram a mesma ponderação, e deliberaram que a negativa da seguradora de contratar com maus devedores implicaria em pressupor “má-fé do contratante antes mesmo de ter o contrato assinado.” Por óbvio, não serão os togados que irão arcar com as possíveis perdas das seguradoras em decorrência do calote dos negativados.

Magistrados torram dinheiro público em viagem ao exterior

Desembargadores do Tribunal de Justiça do Piauí irão receber R$ 97 mil para o comparecimento, ao lado das esposas, a congresso de 2 dias na Espanha. Os magistrados receberão 10 diárias (em total de R$ 24 mil para cada um), para participarem de congresso de Direito Civil em Salamanca nos dias 16 e 17 de novembro. 

No entanto, os quatro togados haviam requisitado verba para essa “viagem institucional” pelo período entre 11 e 19. Logo agora, em que o país afunda em déficit bilionário e se articula para aumentar a taxação de quem trabalha e produz, magistrados de um dos Estados mais pobres da federação curtem seu passeio internacional, às expensas do pagador de impostos. Até quando suportaremos tamanha servidão?

*Kátia Magalhães é advogada, liberal e apaixonada por arte e cultura.

Assine o Boletim da Liberdade e tenha acesso, entre outros, às edições semanais da coluna panorama

plugins premium WordPress
Are you sure want to unlock this post?
Unlock left : 0
Are you sure want to cancel subscription?