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Panorama Jurídico – Nº 011 – 13/10/2023

Os principais fatos jurídicos da semana, o que está acontecendo de mais importante nas cortes brasileiras, com a opinião de juristas renomados, em uma linguagem simples e direta
Panorama Jurídico

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Por Kátia Magalhães*

Zanin e Valeska, dupla fora e dentro da corte suprema

O togado acaba de ser “designado” relator de ação movida por Flávio Bolsonaro para obter anulação de multa de R$ 5 mil imposta, pelo TSE, devido à associação promovida pelo senador entre o então candidato Lula e o PCC, durante a corrida eleitoral de 22. Quem atua como advogada de Lula no caso é a Dra. Valeska Zanin, cujo nome consta textualmente da certidão de distribuição do processo ao marido.

As regras sobre impedimento e suspeição foram todas revogadas pela corte suprema, assim como o Estado de Direito. E o silêncio do CNJ, das associações de magistrados, e, pelo lado dos causídicos, da OAB, é certidão da falência das nossas instituições.

Com voto de Zanin, STF forma maioria para manter Constantino no Inquérito das Fake News

Em canetada monocrática, o togado, também “designado” relator desse caso, havia negado habeas corpus de Rodrigo Constantino, impetrado contra a decisão arbitrária do ministro Alexandre de Moraes de incluí-lo no chamado Inquérito das Fake News. Para justificar seu despacho, Zanin fez referência à Súmula 606 do STF (“Não cabe habeas corpus originário para o Tribunal Pleno de decisão de Turma, ou do Plenário, proferida em habeas corpus ou no respectivo recurso”), editada logo após a instauração do aludido inquérito.

Apreciando recurso do comentarista, as ministras Rosa Weber e Carmen Lúcia, assim como seus pares André Mendonça, Fachin, Toffoli, Gilmar e Barroso acompanharam o relator. Só para despertar memórias esmaecidas, o caso diz respeito à abominação jurídica iniciada de ofício (por determinação de Toffoli, e entregue “de bandeja” a Moraes), sem objeto e/ou prazo definidos, para censurar a Revista Crusoé. Desde então, tem sido o instrumento inquisitorial usado, pela cúpula judiciária, para calar e/ou prender todos os que ousem “dar nome aos bois” no panorama do atual arbítrio togado.

Conceito que remonta à Magna Carta Inglesa do Rei João sem Terra, o habeas corpus tem sido instrumento precioso para a garantia individual contra ameaças à liberdade, até mesmo em regimes autoritários. Apenas medidas de cunho indiscutivelmente ditatorial, como, entre nós, o AI-5, suspendem o emprego da habeas corpus em relação aos ditos “crimes políticos”. Qual a diferença prática entre o monstrengo da era militar e a “súmula suprema” invocada por Zanin?

Toffoli absolve deputado potiguar acusado de corrupção

Acompanhando o voto do relator ministro Toffoli, a corte, por unanimidade, absolveu o deputado estadual Ezequiel Ferreira (PSDB), presidente da Assembleia Legislativa do Rio Grande do Norte, da acusação de corrupção passiva. Segundo denúncia do MP/RN, o parlamentar teria solicitado, em 2009, vantagem indevida para aprovar projeto de lei sobre inspeção veicular.

Em sua decisão, Toffoli sustentou uma suposta inexistência de provas para a acusação, pois baseada “nas declarações de um colaborador e em extratos da conta corrente de um instituto administrado por ele.” Assim, tornou a esvaziar um precioso elemento probatório em crimes de corrupção (a colaboração premiada), exatamente como fez no caso Odebrecht e em tantos outros. O “amigo do amigo do meu pai”, sempre pronto a desmerecer provas capazes de atestar a prática de malfeitos contra o erário.

Toffoli x Bolsonaro

O togado rejeitou recursos do ex-presidente e do PL contra decisão do TSE, que havia aplicado multa de R$ 20 mil por suposta propaganda irregular durante as eleições de 22. A penalidade foi imposta em decorrência da reunião de Bolsonaro com embaixadores, realizada fora do período eleitoral, e durante a qual o ex-mandatário havia exercido sua liberdade de criticar o sistema nacional de urnas eletrônicas. E, como já era de se esperar, foi mantida pela cúpula togada.

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Liberdade e imparcialidade não são mesmo os “pontos fortes” do país.

Barroso em encontro com sindicatos

Após sua posse à frente do Supremo, o togado se reuniu, em São Paulo, com dirigentes da UGT, da Força Sindical e da CUT, as três maiores centrais sindicais do país. Segundo nota do tribunal, “o encontro estabeleceu um canal de diálogo com o Poder Judiciário a respeito de questões nacionais de interesse dos trabalhadores.” Durante a reunião, foram abordados os temas da correção dos saldos do FGTS, com julgamento já marcado pelo STF para o próximo dia 18, e da obrigatoriedade da contribuição sindical, aprovada há pouco tempo pela corte.

Até onde eu saiba, magistrados não podem discutir assuntos por eles decididos, ou ainda pendentes de julgamento. Muito menos em diálogos “informais” com uma das partes, fora da sede do juízo, e longe dos olhos das partes contrárias e interessadas. Porém, meus conceitos devem estar tão “ultrapassados” quanto os códigos de leis, que viraram mesmo só depósito de poeira.

STF: o Imposto sobre Operações Financeiras não se restringe a “Operações Financeiras

Em caso sob a relatoria de Zanin, o tribunal formou maioria para decidir que o IOF não incide apenas em operações realizadas com instituições financeiras. O litígio diz respeito a dispositivo da Lei 9779/99, segundo o qual o âmbito de incidência do imposto passou a abranger meros contratos de empréstimo (mútuo) entre empresas, ou entre uma empresa e uma pessoa física. A lei de 99 foi questionada por uma fabricante de autopeças, sob a alegação de que a norma teria violado a Constituição, ao ampliar a base de cálculo do IOF.

Em seu voto, Zanin validou o dispositivo, sustentando que “o imposto sobre operações de crédito vale para “quaisquer negócios jurídicos de que nasça crédito” — ou seja, operações feitas para se obter de imediato recursos que, de outro modo, só poderiam ser alcançados no futuro.” Porém, o togado e seus pares parecem ter negligenciado o fato relevante de que tanto a Constituição quanto o Código Tributário Nacional fazem referência conjunta ao imposto sobre operações de crédito, câmbio, seguro e operações relativas a títulos e valores mobiliários, ou seja, a tributo incidente sobre uma gama de transações envolvendo obrigatoriamente instituições financeiras. Por que as “operações de crédito” seriam a única exceção?

Na sanha arrecadatória, bem em linha com a atual gestão no Executivo, a elite da magistratura fingiu desconhecer o óbvio. E, mais uma vez, quem pagará uma conta cara e não prevista na legislação será o contribuinte. The endless “derrama”.

O Supremo garantidor dos “direitos” das gestantes na administração pública

A visão suprema pró-arrecadação tem, como contrapartida, a garantia de “direitos” no serviço público. Nessa linha, a corte, por unanimidade, reconheceu a licença-maternidade e a estabilidade provisória a gestantes contratadas pela administração pública por prazo determinado, ou em cargos comissionados. Em seu voto, o relator ministro Luís Fux sustentou que “as garantias constitucionais de proteção à gestante e à criança devem prevalecer, independentemente da natureza do vínculo empregatício.” Como de praxe no meio togado, ampliou o entendimento da norma a ponto de legislar, e chancelou a geração de despesas públicas adicionais.

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Por aqui, funciona assim: enquanto o setor produtivo (privado) é estrangulado por tributos, a burocracia estatal nada em benesses. Resta saber como ficará a situação, se e quando as “galinhas dos ovos de ouro” decidirem debandar do galinheiro.

E por falar em gastança…

Por maioria, o Supremo acatou pedido do MDB, e declarou constitucional a lei estadual mato-grossense que criou o município de Boa Esperança do Norte. Nosso vasto rol dos atuais 5.568 municípios – nem todos muito povoados ou produtivos – ganhará uma unidade, por deliberação togada. Nasce mais um ente federativo, e, com ele, estruturas onerosas, tais como prefeitura e câmara de vereadores. Talvez configure mais uma “esperança” de gastos públicos que de autonomia necessária. A ver.

STF x mineração: a legalização da “punição antecipada”

Por unanimidade, a corte rejeitou ação da CNI, e validou lei paraense instituidora de indenização prévia por dano ambiental. A norma questionada sujeitava a atividade de lavra de recursos minerais a uma “indenização” à União. No entender da relatora ministra Rosa Weber, o tal pagamento “implica reconhecer a licitude da atividade minerária e seu potencial danoso, sem confundir tal indenização com compensação financeira.”

De fato, a verba não consistia nem na remuneração prevista na Constituição (retribuição a posteriori, nos casos em que a União, o Estado ou o Município renunciem a participar dos resultados econômicos da exploração), nem em indenização legítima (que, por definição, só seria devida após a constatação de dano efetivo). Mais um desrespeito togado a dispositivo constitucional e aos princípios básicos da responsabilidade civil. Mais um desestímulo à exploração de recursos naturais, e, em particular, à mineração, que, devido aos enormes riscos inerentes à atividade, tem sido objeto de narrativas falaciosas, e erigida a “inimiga favorita” da pauta ambiental. Só atraso.

TRT: Ambev responsabilizada por alcoolismo de ex-funcionário

Em decisão da 11ª Câmara, o TRT da 15ª Região condenou a empresa a pagar o valor de R$ 600 mil a ex-funcionário afetado por alcoolismo crônico e depressão grave. Segundo os togados, a suposta responsabilidade da cervejaria, ciente de que o ex-empregado consumia álcool durante o trabalho, decorreria de “omissão quanto ao dever de adotar, instruir, informar, cumprir e fazer cumprir todas as medidas coletivas e individuais de proteção e segurança da saúde do trabalhador.”

Ora, se o autor da ação se alcoolizava em pleno horário de expediente, a empresa também pode ter sofrido danos em razão de eventual queda em seu rendimento laboral. Aliás, a embriaguez teria sido causa até de demissão por justa causa, prerrogativa da qual a empresa optou por não lançar mão. Deveria ser elogiada, e não penalizada por não ter “vigiado” indivíduo adulto e, até onde se saiba, no gozo de suas faculdades mentais. Porém, o assistencialismo de muitas togas transforma “empregador” em “explorador”, e cria um ambiente hostil aos que correm o risco do negócio e geram oportunidades e renda.

STJ solta prefeito envolvido em esquema de coleta de lixo

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Em operação realizada em Santa Catarina, 16 prefeitos haviam sido presos por suspeita de superfaturamento em contratos de coleta, transporte e tratamento de resíduos sólidos. Dentre eles estava o prefeito de Bela Vista do Toldo, responsável pela celebração do suposto contrato mediante propina, seis dias após a deflagração das diligências.

Em exame do caso, os togados do STJ entenderam, por maioria, que o “mero afastamento das funções seria o bastante, sendo a prisão excessiva.” Mais um caso de mandatário cercado por inúmeras “evidências” de corrupção, e que, ainda assim, por deliberação de magistrados de cúpula, ficará solto para eventualmente eliminar provas, coagir testemunhas, e apagar outros rastros delitivos.

STJ 2

É ilícita a prova do crime de aborto obtida pela quebra de sigilo profissional médico. Com base nesse entendimento, o tribunal trancou ação penal contra mulher que, após ingestão de comprimido abortivo, se dirigiu a um hospital, onde a médica assistente noticiou a PM sobre o ocorrido.

Ocorre que o sigilo profissional não pode ser usado como escudo para o acobertamento de crime, sob pena de transformação de um dever de ofício em conluio delitivo. E, como aborto ainda é crime por aqui – pelo menos até que o STF “legisle” em sentido contrário -, a médica agiu corretamente. Menos, é claro, para togados que vão, aos poucos, descriminalizando a prática.

Gravidez não é doença!” E daí, CNJ?

O corregedor nacional de justiça, ministro Luís Felipe Salomão, determinou a abertura de reclamação disciplinar contra o desembargador Georgenor de Sousa Franco Filho (TRT da 8ª Região), após a afirmação deste de que “gravidez não é doença”, como razão para negar pedido de adiamento de audiência, feito por advogada gestante. Segundo Salomão, além de eventual violação aos deveres inerentes à magistratura, a observação de Georgenor ainda teria ferido a “Perspectiva de Gênero”, imposta pelo CNJ para a atuação de órgãos jurisdicionais.

Em plenário, o desembargador teria aludido à frase por ele atribuída a Magalhães Barata (ex-governador do Pará) para manifestar surpresa diante do pedido da gestante, que figurava como advogada (e não como parte), e que, no entender do togado, poderia ser substituída, em audiência, por colegas dotados das mesmas qualificações que ela. Ao que parece, o magistrado teria empregado expressão de autoria alheia, em prol da celeridade no curso do processo. O que seria, aliás, louvável de sua parte, em atitude destoante da maioria dos protagonistas de um Judiciário moroso e ineficiente.

Qualquer que seja o juízo que se emita sobre a conduta do desembargador, é, no mínimo, curioso ver um CNJ mobilizar o aparato estatal em virtude de mera fala, enquanto se omite diante de julgamentos de partes e advogados por seus parentes, de censuras togadas, prisões de ofício, e outros arbítrios inaceitáveis até mesmo em republiquetas pouco desenvolvidas. O conselho parece “procurar pelo em ovo”, e distrair nossos olhares de práticas que efetivamente deveriam ensejar a remoção, e até o encarceramento de certos magistrados. Seria esse mais um caso de “boi de piranha”, sacrificado em público para “deixar passar toda a boiada”?

*Kátia Magalhães é advogada, liberal e apaixonada por arte e cultura.

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