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Receita da Semana: Fondant Urbana

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Por Bárbara Remussi

Dizem que a confeitaria é matemática. Logo, uma receita bem descrita, seguida à risca e com atenção, deveria levar qualquer cozinheiro amador a alcançar os resultados mais complexos da gastronomia. Se, com todas as instruções e equipamentos, um bolo desandar, a falha deve ser do cozinheiro: desatenção, mal manejo do tempo, falta na percepção das condições climáticas, e por aí vai.  

Da mesma origem lógica da execução de uma receita para obter determinado bolo parece vir nossa tendência a importar teorias e práticas que em algum lugar foram bem-sucedidas, acreditando que solucionarão os problemas complexos de outras realidades. Tanto investimento para seguirmos o ciclo e concluirmos que o plano implantado não atende as necessidade e desejos cotidianos delas, as que fazem os bolos desandarem: as pessoas.

Observe como temos um padrão. Os indivíduos gostam de fazer as coisas como lhes convém, não sabem votar, não conseguem nem atravessar uma rua corretamente e são incapazes de acatar as ordens criadas para o seu próprio bem, mesmo quando vindas de especialistas. É como se não se importassem com a ordem.

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Como o leitor pode perceber, não sou uma adoradora das receitas rígidas. Ainda assim, gostaria de compartilhar as instruções para um bolo que vem se tornando muito popular nos restaurantes brasileiros. Ele recebe muitas variações nos seus ingredientes e modo de preparo, assim como em sua nomenclatura ao redor do mundo. “Molten Lava City”, “Biscuit de Cité Collant”, “Petit Gateau” ou, como decidi chamá-lo, “Fondant Urbana”.

Para a estruturação do bolo, pode-se pedir ingredientes mínimos, como segurança pública, calçadas de qualidade e algumas camadas de vegetação. Transições amigáveis entre faixa de automóveis e pedestres, térreos densos e a possibilidade de interação entre público e privado são ótimos para dar sabor. 

Uma pitada generosa de espaços abertos costuma agradar o paladar de todos (praças públicas podem ser substituídas por projetos privados inteligentes). Arquitetura de qualidade, interessante, humana e amigável, com organização e limpeza visual, são mais alguns dos ingredientes essenciais para planejar a receita perfeita. Ordem, bem-intencionada, claro – é dela que precisamos.

Difícil é chegar nas proporções, tamanho e texturas que agradem a todos que comerão, ainda que sigamos os dados para a forma, sabor e densidade ideias. Que tal a sua preferência? Pequeno, médio ou grande? Mais vertical, horizontal, aerado ou denso? Conheço quem prefira até embatumado ou na forma de desenhos rebuscados que nada alteram o gosto, mas podem tornar o resultado imprevisível…

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Agora, seguindo com a receita, proponho uma base cítrica, com uma xícara generosa e criativa de suco empreendedor. Para engrossar e evitar que o molho talhe, adicionamos uma colher de Estado de Direito. Para confeitar, deixamos elementos naturais e existentes, como fauna, flora, trocas de estações e giros do sol, fazerem a receita brilhar.

NOTA: deve-se ter muita atenção com a temperatura e o tempo de cozimento de nossa fondant. Essa é a etapa mais importante, que garante a característica de cidade, independentemente da localização, dos ingredientes ou idiomas. O segredo é deixar no forno cozinhando apenas durante o tempo e temperatura necessários para que as bordas formem uma casquinha. Feito isso, desligue e deixe descansar – quanto menos intervenção, melhor será o resultado.

Chegou a hora de cortar e viver a cidade, é hora de ver a mágica acontecer! A barreira rígida da massa é rompida, e a lava de pessoas inunda o prato, mesclando-se à base cítrica. É como algo que lembro ter lido do chef urbanista Alain Bertaud… A essência da receita não é seus ovos ou o chocolate, mas, sim, suas pessoas*, que se tocam, se mesclam, se transformam e expandem. É o caos de cores, sabores e texturas que se combinam e levam o recém-chegado ao êxtase.

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Sugiro testar a sua receita em um lugar ao qual o leitor se sinta pertencente. Deixe repousando enquanto flui e a verá crescer e se tornar mais rica ao longo do tempo. Novos comércios, serviços, padarias, cheiro de café pelos ares, mesas que invadem calçadas, músicos tocando por aí são apenas alguns dos fenômenos que poderão ser observados quando a criatividade humana é libertada.

Bom apetite! 

*O urbanista Alain Bertaud, na verdade, afirma, no livro “Ordem sem Design”, traduzido e publicado no Brasil em dezembro de 2022, que “a essência das cidades não são seus edifícios ou suas ruas, mas, sim, suas pessoas”. 

Aviso

As opiniões contidas nos artigos nem sempre representam as posições editoriais do Boletim da Liberdade, tampouco de seus editores.

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