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Carmen Migueles, a primeira candidata do Partido Novo a um cargo executivo, abre o jogo em entrevista ao Boletim

Professora da Fundação Getulio Vargas, Carmen foi a única aprovada no processo seletivo de 2016 para disputar um cargo majoritário e revela que não quer ser candidata em 2018

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Foto: Reprodução / Facebook
Foto: Reprodução / Facebook

Era a primeira eleição que o Partido Novo disputaria. Um momento decisivo após uma longa jornada que colheu aproximadamente 500 mil assinaturas de apoio necessárias para a formalização da legenda. Nas eleições de 2016, pela primeira vez, a agremiação que se diferenciava por ser formada sem políticos profissionais e com mecanismos internos que propõem limitar o carreirismo político se mostraria ao Brasil na prática. Os avaliadores estavam apreensivos. Sabiam da responsabilidade e dos riscos. Seria preciso encontrar candidatos com um perfil digno de representar o partido.

Para manter controle sobre a primeira disputa, a primeira decisão, polêmica, já estava tomada. O NOVO disputaria eleições apenas em cinco capitais: São Paulo, Rio de Janeiro, Porto Alegre, Belo Horizonte e Curitiba. Outras localidades onde já havia núcleos relativamente organizados não puderam lançar candidatos. Houve evasão de lideranças. A segunda, porém, revelada pouco antes das eleições, pegou todos de surpresa. O partido só lançaria candidato majoritário à prefeitura no Rio de Janeiro. E a escolhida não era propriamente um quadro presente desde a sua fundação.

“Conheci o NOVO muito pouco antes das eleições”, confessa a professora Carmen Migueles, escolhida pelo processo seletivo como a mais preparada para enfrentar essa missão. Nessa entrevista exclusiva, concedida ao Boletim da Liberdade, a historiadora com doutourado em Sociologia revela, entre outros assuntos, que o partido chegou a cogitar não lançar ninguém para o cargo de prefeito em todo país.  “Apareceu muita gente bacana, muita gente capaz da iniciativa privada, mas com propostas que não eram factíveis. As pessoas não pararam para estudar um pouco as restrições dentro das quais elas iam trabalhar”, explica.

O que fez o partido escolhê-la, então, para ser a primeira, e única até agora, candidata a um cargo majoritário? Quais foram os principais aprendizados e desafios no decorrer da campanha? Como a legenda avaliou o resultado das eleições do ano passado? Esses e outros assuntos são abordados nos parágrafos a seguir. Acompanhe:

Boletim da Liberdade: Bom dia, estamos aqui para conversar com a Carmen Miguelles, ela que é petropolitana, de 53 anos, historiadora, mestre em Antropologia e doutora em Sociologia. Ela que foi candidata à Prefeitura do Rio de Janeiro pelo Partido NOVO. Carmen, tudo bom?

Carmen Migueles: Tudo bom, bom dia.

Boletim da Liberdade: Muito obrigado por ter aceitado participar aqui da nossa entrevista. A nossa primeira pergunta retoma, naturalmente, a sua candidatura. A senhora foi a primeira candidata do Partido NOVO que disputou de fato um cargo no Executivo, foi também a única a disputar uma prefeitura em todo o ano de 2016 nas eleições municipais… Então a gente queria saber como é que a senhora chegou até o partido NOVO, como foi o processo seletivo para conseguir essa candidatura e, finalmente, qual é a experiência que a senhora tira dessa candidatura?

Carmen Migueles: Lucas, eu conheci o NOVO muito pouco antes das eleições. Na realidade, eu ouvi falar do NOVO na minha sala de aula na FGV. Dou aula no mestrado executivo, então é um grupo bem mais sênior, pessoas entre 35 e 50 anos. E eu tinha alunos que eram do NOVO. E na sala de aula esses alunos traziam ideias sobre como resolver alguns problemas de políticas públicas no Brasil, mas uma coisa que chamava atenção naquelas conversas era o desconhecimento de Direito Administrativo, de Teoria Geral do Estado… Eram ideias muito bem intencionadas, mas que não dialogavam de uma maneira clara com as restrições que o ambiente estatal coloca não só no Brasil como no mundo.

É da natureza da área pública estar sob fortes controles externos.  Então, a liberdade do executivo público é muito menor que a do executivo privado, e isso é necessário até para garantir o império da lei e os direitos individuais. Na realidade, como o Estado tem o monopólio do direito do uso da força na sociedade, faz parte dos fundamentos de preservação dos direitos da sociedade essa questão de manter o executivo público sob fortes controles.

As pessoas falavam em sala de aula como se fosse possível para um executivo público realizar tudo aquilo que eles estavam dizendo. E eu contrapunha isso muitas vezes com essas questões do equilíbrio dos poderes e da importância de você manter o Estado sob certos controles até por uma questão de defesa e garantia dos direitos. Então parecia um contrassenso que, tá, eu tenho que diminuir a liberdade do executivo para que todos tenham liberdade – essa é uma questão central na hora que pensamos divisão dos poderes -, e aí os alunos começaram a dizer: “Não, poxa, professora, vai lá no NOVO, nos ajude a pensar isso, nos ajude a pensar como a gente pode formular uma visão de Estado bacana, que seja a cara do NOVO”.

Como candidata à prefeita do Rio de Janeiro, Carmen Migueles concede entrevista para programa de televisão. (Foto: Reprodução / Facebook)
Como candidata à prefeita do Rio de Janeiro, Carmen Migueles concede entrevista para programa de televisão. (Foto: Reprodução / Facebook)

E eu comecei a me aproximar do NOVO em março [de 2016] muito para tentar entender o que era isso e por uma certa sensação de obrigação pública. Se a gente não se envolver, as coisas não andam, e eu vivia muito dizendo mais para os meus alunos de graduação que a gente não podia reclamar do que está aí porque o Estado cresce e ganha em poder em função da omissão da sociedade civil. Eu falava muito sobre essa questão, sobre o fato de a gente não poder se omitir, e aí o feitiço vira contra o feiticeiro. As pessoas dizem “nossa, tá sempre falando contra a omissão, então ajuda”. E aí eu me aproximei do partido muito por isso.

Eu não tinha a intenção de concorrer, porque eu tenho uma filha ainda pequena com 8 anos, eu tenho uma empresa de consultoria, eu trabalho para a Fundação Getulio Vargas, eu eventualmente trabalho para a Fundação Dom Cabral, e não dava muito tempo mesmo. Para não fazer a nossa parte, a gente também não pode reclamar dos oportunistas que ocupam esse vácuo de participação. Então eu fui para participar do processo seletivo, mas muito naquela ideia de que é importante, primeiro aumentar a participação feminina na política, porque tem a infeliz da cota, né? Então era importante aumentar, de uma maneira muito clara, o número de mulheres. Era importante ter uma pessoa que entendesse um pouco mais de Direito Administrativo e dessas restrições do Estado participando do debate, até para servir de contraponto para os arroubos “transformatórios” – a gente tinha muita gente querendo fazer muita coisa bacana, mas que não era possível nem viável, então para servir de contrapé… Eu fui participar do processo seletivo muito nesse espírito, de ajudar a modelar o próprio processo seletivo.

O Estado cresce e ganha em poder em função da omissão da sociedade civil. […] Eu falava muito sobre o fato de a gente não poder se omitir, pois aí o feitiço vira contra o feiticeiro. As pessoas dizem “nossa, tá sempre falando contra a omissão, então ajuda”. E aí eu me aproximei do partido muito por isso

Então eu falei nas entrevistas do processo seletivo – a primeira etapa do processo seletivo é uma seleção por valores. Então você tem que responder um questionário online para ver se seus valores estão alinhados com os valores do NOVO. Depois a pessoa tem que mandar um vídeo argumentando sobre por que gostaria de entrar na política, e aí eles estão vendo a nossa capacidade argumentativa, oratória, o raciocínio lógico, o vídeo tem um pouco a intenção de pegar um pouco isso. E depois foram as rodadas de entrevista. E nesse momento eu tinha dito que eu estava participando para ajudar no processo seletivo, na modelagem, para oferecer um contraponto, mas que eu não queria ganhar. Eu não queria passar no processo.

E eu fui comunicada que tinha passado bem em cima da hora quando já estava muito em cima da hora, de mandar para o TRE a lista dos candidatos e eu fiquei surpresa, porque eu havia dito que não estava participando para ganhar. Eu fui meio atropelada por esse fato e aí naquela hora eu tinha que tomar uma decisão rápida, vou ou não vou. E o que eu pensei foi: “a história não fala dos covardes, eu não vou contrariar tudo que eu disse a minha vida inteira, a minha trajetória, agora quando aparece uma oportunidade de debater publicamente algumas ideias eu não vou voltar para trás”, mas eu de fato subestimei o que é uma campanha. Foi a primeira campanha do partido, o partido não tem políticos profissionais, todo mundo foi muito surpreendido pela velocidade e pelo volume de pressão que aparece dentro de uma campanha. Então foi meio que desse jeito, na verdade; tentando criar um partido formado por cidadãos que nunca foram políticos, a gente acaba passando por esse tipo de problema.

O que eu pensei foi: “a história não fala dos covardes, eu não vou contrariar tudo que eu disse a minha vida inteira, a minha trajetória, agora quando aparece uma oportunidade de debater publicamente algumas ideias”.

Boletim da Liberdade: Quer dizer, foi uma aproximação com o partido que se deu por estímulo dos seus próprios alunos e foi uma candidatura, por assim dizer, que foi improvável, não calculada, até os 45 do segundo tempo.

Carmen Migueles: Foi, na realidade, depois de terminado o processo seletivo, o NOVO estava decidindo não lançar prefeito para nenhuma capital, porque apareceu muita gente bacana, muita gente capaz da iniciativa privada, mas com propostas que não eram factíveis. As pessoas não pararam para estudar um pouco as restrições dentro das quais elas iam trabalhar. Como o partido não tinha profissionais, também, as pessoas se assustaram. Pensaram: “a gente não pode queimar a largada já de cara lançando candidatos que não têm ideia do desafio que vai ser, de fato, assumir uma prefeitura”.

Então, a seleção foi muito por isso e também levando em conta que a gente precisava o “walk the talk”, a gente precisava agir de acordo com o que a gente estava dizendo, que é ter processo seletivo, avaliar a capacidade de o candidato já entrar jogando. Isso foi uma questão relevante para o partido, mas teve muito isso de eu mesma ter sido surpreendida no curto prazo, e eu acho que essa é um pouco a história de todo mundo que entrou no partido. A gente quer fazer a coisa certa, mas nós não somos profissionais. Então a gente vai muito mais orientado por valores, determinado a fazer a coisa certa e encontrar os caminhos, não conhecendo bem o caos institucional que faz parte da política no Brasil. Então, isso foi um pouco a história dessa primeira eleição e isso é interessante para todo mundo que quer participar em liberdade da política, que é entender que os desafios não são exatamente o que a gente pensou, então uma questão muito importante para aquele que se acha livre, que é o cultivo das virtudes, o cultivo da resiliência, se provou muito necessária ao longo da campanha – se manter fiel às suas ideias, às ideias do partido, num momento de conflito agir orientado por valores, foi muito isso que a gente viu na campanha. Essa necessidade. Porque não dava para fazer um plano estratégico, até porque você não sabe de onde vêm os tiros ao longo do processo.

Carmen Migueles na ACRJ
Carmen Migueles na Associação Comercial do Rio de Janeiro ao lado de seu candidato a vice, Tomas Pelosi. (Foto: Reprodução / Facebook)

Boletim da Liberdade: Em relação a essa identidade do partido NOVO, a senhora acabou de falar do processo seletivo para candidatos, da originalidade do partido, esses diferenciais do partido. Há outros; a gente tem a recusa do uso do fundo partidário nas campanhas, regras internas que limitam justamente esse carreirismo político – a ideia é que sejam pessoas que não são políticos profissionais; tem também a questão da cobrança dos filiados, tem várias outras medidas que são próprias do Partido NOVO e que ele traz como inovações na prática político-partidária. Qual é a avaliação que a senhora faz dessas inovações e dessas práticas e qual seria, se houver, na sua opinião, a mais relevante dessas mudanças?

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Carmen Migueles: Eu acho que a qualidade da governança que o partido está estabelecendo é a mais relevante das mudanças. A ideia de que você tem um contrapeso adequado dentro do próprio partido ao excesso de concentração de poder do candidato. Em outros partidos, muitas vezes coincide que o candidato que vai concorrer à eleição é também o presidente do partido. Então, ele teoricamente se autocontrola – a gente teria um absolutismo monárquico dentro dos partidos. Ninguém de fato consegue colocar o guizo no pescoço do gato e garantir que esse cara vai ser fiel às ideias do partido e fiel ao eleitor que o elegeu.

Eu acho que, de todas as inovações do NOVO, essa é a mais relevante, mas nós temos enfrentado alguns desafios hoje e a gente vai ter que parar para pensar. Um dos desafios que a gente está enfrentando é qual é a diferença entre o carreirismo político e a carreira política, porque uma das coisas que nós vimos é que a administração pública é obviamente bastante complexa e ela é muito diferente da administração privada, e você precisa de pessoas experientes entrando conhecendo as regras do jogo – se não a gente financiaria a curva de aprendizagem desse indivíduo.

Eu acho que a qualidade da governança que o partido está estabelecendo é a mais relevante das mudanças. A ideia de que você tem um contrapeso adequado dentro do próprio partido ao excesso de concentração de poder do candidato.

A gente vai ter que pensar em termos de estruturação de carreiras políticas que permitam que candidatos construam uma trajetória experiente. Uma das coisas que me vêm à cabeça, por exemplo: um senador ou um presidente da República não poderia ser uma pessoa que nunca foi político. Não é razoável imaginar que isso fosse possível, não conhecer todas as restrições, todas as negociações necessárias, a relação entre os poderes, os espaços para atuação, conhecer as legislações que estão desatualizadas. Saber representar isso é uma coisa que eu vejo hoje muito claramente.

Os diferentes grupos de interesse que apoiam o partido, e quando a gente fala em grupos de interesse eu estou falando, por exemplo, de todos os empreendedores, de todas as empresas, de todas as pessoas que precisam ter uma política mais clara, mais transparente, mais meritocrática. É necessário entender onde tem pedra no sapato de todo mundo. É necessário entender como a gente pode, de fato, representar essas pessoas de uma maneira mais técnica, mais madura. Como a gente vai conseguir garantir isso, eu acho o maior desafio do partido hoje – como a gente consegue eliminar o carreirismo sem eliminar a carreira, principalmente nos cargos mais estratégicos do governo federal. É mais fácil eliminar o carreirismo político no nível municipal e estadual, mas no nível federal você tem que ter uma história e uma experiência maior.

Boletim da Liberdade: Pela complexidade da tarefa.

Carmen Migueles: A complexidade da tarefa é muito grande, né…

Boletim da Liberdade: Muito bem, então quer dizer… Mesmo havendo e sendo reconhecido o valor das mudanças e inovações, há desafios ainda particulares na prática por polir essa dinâmica do partido.

Carmen Migueles: É uma instituição nova e nós temos muito que amadurecer, mas amadurecer em liberdade, com um debate democrático, uma maneira transparente…

Boletim da Liberdade: Bom, a gente estava falando de uma candidatura que se construiu e acabou acontecendo nos finalmentes, mas aconteceu, bateu-se o martelo, a senhora disputou a prefeitura… Imagino que tenha havido participação da campanha na rua, certo?

Carmen Migueles: Sim.

Boletim da Liberdade: Como é que foi a reação ao povo brasileiro que pôde perceber nas ruas? Houve interesse por parte do povo pelas ideias do partido?

Carmen Migueles: O partido ainda faz muito o “NOVO na rua”, não é só em época de campanha, ainda tem as barracas do partido e essas coisas todas. Durante a campanha, nós vimos que o corpo-a-corpo na rua era muito contaminado pela raiva de político com que a população está, então em alguns momentos a gente era maltratado mesmo. Por exemplo, você ia abordar as pessoas na rua e dizia “somos um partido que não é de políticos profissionais”, e aí as pessoas diziam “não quero falar de política, não quero falar de político, e se vocês estão fazendo isso agora, vocês são políticos”.

A gente encontrou muito disso, muito de uma irritação da população, por um lado, mas a gente encontrava coisas fantásticas também de uma vontade de mudança, um desejo de engajamento, um desejo de participação muito bacana. Então não foi uma coisa linear, não foi uma coisa única, você não pode dizer “na rua foi assim”. Nós tivemos experiências absolutamente surpreendentes porque fomos a vários lugares participar de debates convidados por associações de moradores ou até pela imprensa que cuida de concursos públicos e as pessoas diziam “ah, você promete isso, promete aquilo”. A gente respondia “não, gente, eu não posso prometer. Pensa bem, prometer antes de entrar, fazer uma análise, não sei se isso é necessário – não, gente, não prometo não” e as pessoas ficarem positivamente surpreendidas.

Uma das coisas que nos chamaram atenção na campanha foi o quanto as pessoas ficavam desarmadas e positivamente surpreendidas simplesmente por a gente falar a verdade. De muitas maneiras, a não obrigação de ganhar porque você não tem um monte de coligações, não tem que dar emprego para um monte de gente, não tem um monte de problemas, o fato de a gente simplesmente poder falar a verdade teve um impacto enorme, positivo em muita gente.

Carmen Migueles e os candidatos a vereador do Rio foram à orla de Ipanema, juntos, fazerem campanha no dia que o partido comemorava 1 ano de registro no TSE. (Foto: Reprodução / Facebook)
Carmen Migueles e os candidatos a vereador do Rio foram à orla de Ipanema, juntos, fazer campanha no dia em que o partido comemorava 1 ano de registro no TSE. (Foto: Reprodução / Facebook)

Boletim da Liberdade: Em matéria de números, isso levou a 38.512 votos, 1,27 % do total. Como é que se avalia esse resultado?

Carmen Migueles: O que a gente descobriu é que esse resultado foi muito mais do voto útil do que de qualquer outra coisa. O volume total de votos do partido no Rio foi cento e poucos mil, com a soma dos votos de todos os vereadores e gente que simplesmente foi lá e digitou 30. Mas, o que nós ouvimos depois da campanha, foi muita gente que votou nos vereadores do NOVO e não votou no candidato do NOVO para o cargo majoritário, não votou em mim. Eu até hoje escuto isso; as pessoas ainda me param na rua, que é uma coisa que eu também não esperava, esse efeito da campanha, as pessoas me param na Fundação Getúlio Vargas, me param nas universidades, me param no aeroporto. Várias vezes no aeroporto eu fico ali parada esperando o voo e as pessoas “ah, você concorreu no NOVO; puxa, eu queria ter votado em você, mas aí eu fiquei achando, pô, mas agora o NOVO não vai ganhar, então votei em Fulano de Tal”.

Uma das coisas que nos chamaram atenção na campanha foi o quanto as pessoas ficavam desarmadas e positivamente surpreendidas simplesmente por a gente falar a verdade.

A gente estima que o impacto do voto útil é responsável por essa diferença entre o voto para prefeito e o voto total nos vereadores e na legenda. As pessoas com medo, sabendo que a gente estava na primeira campanha e não tinha chance de ganhar, e votando no candidato que tivesse mais chance de derrotar o candidato que esse eleitor não queria que entrasse de jeito nenhum. Isso que se chama de voto útil e voto estratégico teve um impacto muito grande no resultado da eleição majoritária.

Boletim da Liberdade: É, a gente tinha uma parcela do eleitorado que estava preocupada, por exemplo, com a ascensão dos radicais do PSOL e se voltou para candidatos de outros nichos, como o Carlos Osório, Índio da Costa, até o Flávio Bolsonaro… Durante a eleição, esse problema, esse perigo, isso foi alvo das reflexões do NOVO? Qual foi a estratégia que o NOVO adotou para se diferenciar desses candidatos e por que, ainda assim, teve muito essa questão do voto útil? Como a senhora avalia as causas disso?

Carmen Migueles: Nós fizemos uma campanha muito pesada contra o voto útil nas mídias sociais, o que, como a gente não usa o fundo partidário, a gente precisaria de um engajamento maior ainda do que teve das nossas campanhas nas mídias sociais para que a gente atingisse um número maior de pessoas. A gente acabou preso no algoritmo do Facebook, que com o tempo vai restringindo o alcance das suas postagens. A página pública da campanha cresceu bastante, mas eram pessoas interessadas no NOVO em outros estados. Então tinha momentos, tinham publicações ou tinham postagens no site da campanha, que batiam 130000 visualizações, mas quando você ia tentar ver quem é que estava vendo, era gente que estava interessada em abrir um diretório em Roraima, gente que estava olhando para isso no Pará, muito também de gente que estava acompanhando o NOVO nas outras capitais que o NOVO tinha lançado candidato a vereador.

Então a campanha à prefeitura do Rio foi compartilhada pelos candidatos a vereador das outras capitais, para mostrar como o NOVO se portaria numa campanha majoritária. Então, o esforço que a gente fez via mídia social, que era de fato o que a gente podia fazer sem usar o fundo partidário, ela não teve um impacto, por exemplo, nas regiões da cidade com as quais nós não tínhamos relacionamentos. Porque aí teria que ter um marketing em rede que funcionasse melhor. Essa é uma questão do desafio de não usar o fundo partidário, porque você acaba tendo uma limitação da exposição das suas ideias, principalmente em regiões onde você não tinha nenhum representante do partido. Isso foi um problema.

E outra questão é a questão da coragem mesmo. A liberdade exige coragem, e o que a gente viu foi que teve gente muito próximo da gente que votou voto útil por medo mesmo da ascensão da esquerda, e também do Crivella. Várias pessoas nos disseram “exatamente os candidatos que a gente queria evitar que chegassem ao segundo turno foram os que chegaram”, o que mostra o efeito dessa falta de vontade de brigar pelo que você acredita nesse impacto.

A liberdade exige coragem, e o que a gente viu foi que teve gente muito próximo da gente que votou voto útil por medo mesmo da ascensão da esquerda, e também do Crivella.

Tem um amigo meu que diz assim, na verdade citando o Og Leme, que tinha uma brincadeira em que ele dizia: “se tiver uma revolução comunista no Brasil, não tem problema, os liberais alugam uma Kombi e vão embora”. Ele falava disso para falar do número extremamente restrito de liberais que existiam no Brasil. Na verdade tem uma pesquisa global e eu como professora de cultura organizacional, uso muito essa pesquisa, que é do Geert Hofstede, que compara fatores de cultura entre todos os países, e faz isso desde a década de 60. O Brasil é um país autoritário, o que diz que a gente tem uma altíssima distância de poder, que diz que a gente aceita muito o autoritarismo e aceita a desigualdade como ser humano. A gente não peita os autoritários, a gente acomoda. A gente aceita a desigualdade no dia-a-dia com muita tranquilidade, temos foco no curto prazo, planejamento reativo, baixa confiança nas comparações globais, e nós temos uma altíssima autoindulgência.

A propensão à autoindulgência no Brasil, de muitas maneiras, alimenta essa covardia. A gente tem um pouco essa filosofia Zeca Pagodinho, “deixa a vida me levar, vida leva eu”, a gente tem um pouco essa filosofia de “ah, o mundo já veio melado antes de eu nascer, pra que que eu vou fazer essa força toda?” Essa auto complacência de muitas maneiras impede a redução da distância de poder e o aprimoramento da regra democrática.

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Eu acho que isso impactou muito nessa questão do voto útil: o quanto cada cidadão de fato não traz para si a responsabilidade de fazer a coisa certa. Isso é uma coisa que ficou bastante claro. E as pessoas diziam e dizem pra mim até hoje: “poxa, eu queria ter votado em você, pra não ter o Crivella, não sei o quê, olha aí o que aconteceu”. Então, quer dizer, as pessoas nos conheciam, gostavam das nossas ideias, gostariam de ter votado na gente, mas aí votaram em qualquer um dos outros, o que fez com que houvesse uma dispersão enorme dos votos de quem não queria nem a esquerda, nem o Crivella, que eu não sei muito como classificar no espectro político, e acabou gerando essa situação de os dois candidatos que tinham uma base eleitoral mais fiel acabarem se elegendo (para o segundo turno).

Então o que decidiu a eleição foi a qualidade do apoio que o Crivella e o Freixo tinham nos seus respectivos eleitores. O que prova que a fidelidade a uma ideia e a um político é um fator crítico para ganhar uma eleição se todo mundo está jogando no varejo sem uma estratégia. Isso é uma coisa que a gente vai ter que trabalhar daqui para frente, quer dizer, se você faz voto útil e esse jogo não tá combinado, você tem a maioria da população perdendo a eleição, porque dispersou entre Osório, Pedro Paulo, Índio da Costa, Bolsonaro… Você teve essa dispersão, e o que acabou acontecendo é que a minoria fiel ganhou.

O que essa eleição nos diz é: se você acredita nas suas ideias, você tem muito mais chance de eleger o seu político, do que se você tentar fazer voto útil escolhendo o menos pior, jogando randomicamente. Essa é uma grande lição para o eleitorado carioca, porque foi para o segundo turno quem a maioria não queria que ganhasse de jeito nenhum. Os dois que ninguém queria que ganhasse de jeito nenhum – muita gente também não queria o Ciro e a Jandira, né, obviamente -, dos que tinham mais força, foram para o segundo turno. Isso foi esse desalinhamento a valores e princípios no processo de votar.

Boletim da Liberdade: Embora fique claro que ainda falta esse engajamento no campo liberal, ainda assim, como a senhora acabou de apontar, a gente viu alguma surpresa nas previsões, em que mesmo sem fazer as coligações o NOVO elegeu parlamentares em quatro capitais. A gente teve aqui no Rio o Leandro Lyra, em São Paulo teve a Janaína Lima, em Porto Alegre o Felipe Camozzato, e em Belo Horizonte o Mateus Simões. Como é que a senhora avalia pessoalmente o resultado do partido nessas eleições em geral, nacionalmente, como é que o próprio partido, qual é a sensação que a senhora tem de como o próprio partido recebeu esse resultado, e qual é a importância de se elegerem parlamentares para que se obtenha êxito na eleição ao Executivo?

Carmen Migueles: A nossa sensação é de muita vitória. O partido não tinha um ano de fundado quando concorreu à primeira eleição, então nós achamos o resultado absolutamente espetacular. Quando saiu o resultado da eleição, foi todo mundo aqui para um restaurante, juntos, celebrar. Nunca ganhei tanto abraço e tanto beijo na minha vida.

Então a sensação foi de que, dada a juventude do partido, a falta de recursos, a nossa falta de experiência, o resultado foi absolutamente sensacional. Porque nós ficamos à frente de partidos consolidados, como o PSTU, de uma maneira bastante clara e sem nenhum recurso de fato para travar essa briga. Um partido novo, sem políticos profissionais, sem apoio dos sindicatos – porque o PSTU ainda tinha apoio de sindicatos -, foi uma coisa bacana. Foi uma vitória muito grande.

A nossa sensação é de muita vitória. O partido não tinha um ano de fundado quando concorreu à primeira eleição, então nós achamos o resultado absolutamente espetacular. Quando saiu o resultado da eleição, foi todo mundo aqui para um restaurante, juntos, celebrar.

O que eu estava te falando antes não é uma sensação de derrota, mas uma sensação do trabalho que a gente vai ter pela frente e de uma análise do quanto poderíamos ter ido melhor e não fomos, no grupo que nos conhecia, com as restrições de tempo e dinheiro que tínhamos para falar do partido. Mas achamos especialmente um marco a nossa diferença em relação à Rede [Sustentabilidade], porque o Molon é uma pessoa que fala de forma ponderada, não coloca o medo que o Freixo coloca para muita gente. A Rede [Sustentabilidade] tinha Marina Silva apoiando, que foi uma candidata muito bem votada a nível federal, e a Rede usava os recursos do fundo partidário. Ainda assim, a diferença da Rede para a gente foi mínima. Isso é um sucesso enorme. Nós não tínhamos a Marina fazendo campanha para a gente, o nosso candidato à prefeitura era eu e não o Molon – um deputado federal bastante conhecido com muita exposição de mídia, nós não estávamos usando fundo partidário, e ainda assim a gente chegou num resultado muito próximo, o que mostra a força do partido e das ideias e valores que a gente vem defendendo.

Boletim da Liberdade: Então, embora ainda falte, ainda haja a sensação de faltar esse trabalho de engajamento, a opinião liberal já tem força, isso já se traduziu nesse resultado.

Carmen Migueles: Nós vemos isso, e nós tivemos surpresas muito gratas em regiões em que a gente não imaginava. A gente estava fazendo uma caminhada em Bangu e tinha jovens que nos acompanhavam pelas redes sociais que vinham nos cumprimentar. A maioria das pessoas não queria falar com a gente na rua, porque não queriam falar com político nenhum. Ea um momento de muita irritação com os políticos e a política. Mas nós éramos surpreendidos por jovens, muito jovens ainda, alguns até alunos secundaristas, de 16 anos, que diziam “eu não ia votar, mas como é em vocês, a gente vai votar”. Uma coisa que foi muito bacana e que nos surpreendeu muito.

Uma outra coisa que foi muita bacana e que nos surpreendeu foram os debates nas universidades. Porque nós chegamos, tanto na UFRJ quanto na UERJ, com uma campanha e uma claque muito grande dos partidos de esquerda. Luciana Genro [na verdade, referia-se à Luciana Boiteux, candidata a vice-prefeita na chapa de Marcelo Freixo, do PSOL], professora da UFRJ liderando muito aquele debate na UFRJ. A esquerda muito confortável na UERJ, e depois que terminou o debate, com muita gritaria e muita aclamação dos partidos de esquerda, nós nos surpreendemos com grupos muito grandes de alunos nos seguindo e pedindo material de campanha.

Na primeira vez eu até fiquei pensando “gente, eu sou muito amadora mesmo”, porque eu tinha meia dúzia de coisas na mala do carro. Eu não tinha um material de campanha enorme, então tive que entregar. Tive que pedir para os meninos irem buscar na Tijuca que era onde a gente estava distribuindo nosso material de campanha, porque não tinha imaginado que na PUC, UERJ e na UFRJ a gente teria um grupo de jovens querendo material de campanha.

Uma coisa que a gente viu também é que a discussão baseada em dados e fatos, uma discussão pragmática olhando para dados empíricos tem um poder muito grande para esse público de universidade. A gente reverteu algumas situações no debate simplesmente olhando para dados e desconstruindo o discurso. Tinha muita falácia no discurso da esquerda, pulos lógicos para questões que são falsas, para gerar uma indução de verdade. Fomos eu Tomas Pelosi que ficamos analisando as estratégias da esquerda e desenhando a forma de falar e abordar os problemas que eliminaria esses enganos, tiraria essas nuvens de fumaça, e isso funcionou muito bem. Isso é uma coisa também a que a gente não fala, o papel do Tomas Pelosi, que foi o candidato a vice, na estratégia da campanha. Ele tem uma cabeça estratégica brilhante, ele é muito bom, ele tem uma bagagem de leitura também muito boa. Nós fizemos uma dupla, porque a gente não tinha agência publicitária fazendo campanha para a gente, nós não tínhamos profissionais de mercado fazendo isso.

Uma coisa que a gente viu também é que a discussão baseada em dados e fatos, uma discussão pragmática olhando para dados empíricos tem um poder muito grande para esse público de universidade. A gente reverteu algumas situações no debate simplesmente olhando para dados e desconstruindo o discurso.

Éramos eu e Thomaz, dia a dia, debate a debate, pensando como usar a campanha para expansão de consciência. Eu acho que isso foi uma coisa que funcionou bem. Em vez de jogar a campanha ideologicamente para qualquer lado, focar em dados e fatos, e pensar “olha essa situação; se a situação se dá assim, que escolha vocês teriam?”. Um caso clássico foi na UFRJ, quando o pessoal do PSOL começou assim, um caso de como a esquerda usava falácias na campanha, eles diziam: “vocês têm o direito de se movimentar pela cidade, vocês têm o direito de ir e vir, vocês têm o direito de chegar nas aulas, vocês têm esse direito, está na Constituição, a liberdade de ir e vir é um direito constitucional, por isso a gente vai dar passagem de graça para todo mundo”.

É o típico argumento falacioso. Ele induz uma relação de causalidade equivocada e aí ele produzia um arroubo emocional na plateia, e isso a gente viu muito como uma estratégia de campanha da esquerda. E o que o Tomas ficava o tempo inteiro pensando era “Carmen, pensa rápido, fala devagar e leva para o dado concreto”. Aí a Luciana Genro [leia-se, Luciana Boiteux], nesse debate na UERJ, em que ela estava com toda aquela galera gritando, fazendo todo aquele barulho do PSOL, balançando a mão, tinha que fazer a pergunta para mim. E ela perguntou: “e vocês do NOVO, vão dar passagem de graça para todo mundo?” Aí, eu falei:  “eu concordo” – eu ia sempre por aquilo em que eu concordava primeiro – “eu concordo que as pessoas têm o direito de ir e vir, eu concordo que os alunos têm o direito de vir à universidade, eu concordo que a livre circulação na cidade é um direito de cada um, eu concordo com isso. Mas eu discordo de tirar dinheiro da mãe pobre que está pagando hoje 48 % de imposto sobre o achocolatado da criança pobre, antes de ir para a escola, para pagar a passagem para aluno universitário. Eu tenho uma sensação profunda de justiça social e eu acho que isso não se faz. O pobre já paga 20% de imposto no feijão, 70% de imposto na cerveja, pagando 40% de imposto na carne, 70% de imposto no combustível. Para eu dar transporte de graça para todo mundo, ou eu não pago o motorista de ônibus, ou eu não pago o trocador, ou eu não pago todo mundo, ou eu aumento imposto, e isso eu não posso fazer. Agora, se o aluno universitário quiser vir para a universidade de graça, podemos aumentar o preço da cerveja!” Aí todo mundo ficava assim… “Vocês vão para a choppada daqui a pouco, pagando 70%. A gente pode aumentar a cerveja para 75% e transferir esse dinheiro para a passagem de graça. Eu acredito na democracia; se todo mundo concordar com isso, para mim tá ok.” Aí gerava aquele mal estar na plateia e depois os meninos vinham me dizer “nossa, eu não tinha percebido essas relações”.

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Carmen Migueles e Tomas Pelosi conversam com eleitor na campanha à prefeitura do Rio em 2016. (Foto: Reprodução / Facebook)
Carmen Migueles e Tomas Pelosi conversam com eleitor na campanha à prefeitura do Rio em 2016. (Foto: Reprodução / Facebook)

Boletim da Liberdade: Quer dizer, o número e o fato desmontam a demagogia.

Carmen Migueles: É, porque na realidade o argumento falacioso é uma tática de propaganda que os russos inventaram já na época da Revolução Russa Que era você usar coisas que são indiscutíveis – um direito indiscutível, de ir e vir – para induzir a aprovação de uma política pública que não tem nada a ver com o direito de ir e vir, né? A esquerda usou muito isso na campanha, isso é uma tática de propaganda conhecida; na realidade, Gramsci, de muitas maneiras, diz muito isso, e você tem Althusser e alguns pensadores da Escola de Frankfurt e das teorias comunicacionais que mostram como isso de fato produz uma adesão emocional ao discurso.

O argumento falacioso é uma tática de propaganda que os russos inventaram já na época da Revolução Russa Que era você usar coisas que são indiscutíveis – um direito indiscutível, de ir e vir – para induzir a aprovação de uma política pública que não tem nada a ver com o direito de ir e vir, né?

Não dá para dizer que é só a esquerda que usa isso, na verdade o Trump usou muito esse mesmo recurso na campanha dele nos EUA, mas o retorno aos dados e fatos aqui no nível municipal ajudou a dar essa sensação de honestidade. Isso foi uma coisa que a gente viu que funcionou muito na campanha. Ir aos fatos, e com isso empoderar o cidadão para de fato tomar a decisão correta, que era o que a gente queria que as pessoas vissem: que, se você quer justiça social de fato, você não pode ter passagem de graça para todo mundo.

Essa questão principalmente de mostrar que a gente não é contra a justiça, ou que a gente não é contra o pobre, foi importante na campanha, e a gente tentando o tempo inteiro mostrar que o liberalismo é bom para todo mundo, porque esse pobre com esse dinheiro na mão e liberdade para decidir decidiria muito melhor do que transferindo esse dinheiro para o Estado. Então, a gente trabalhou muito essa questão de que o liberalismo é bom para o pobre, e eu acho que isso também foi uma coisa que a esquerda não esperava.

Liberalismo é bom para todo mundo, porque esse pobre com esse dinheiro na mão e liberdade para decidir decidiria muito melhor do que transferindo esse dinheiro para o Estado

Quando começamos a fazer a defesa do empreendedorismo, esses partidos começaram a bater na gente dizendo que isso é uma causa da elite. E aí eu dava sempre os exemplos do empreendedor da favela. O pipoqueiro, a pequena cabeleireira que abria uma portinha e não consegue trabalhar direito sem ser escorchada por fiscal, sem ter uma legislação, porque está no mercado informal, quer dizer: o que é o mercado informal para você trabalhar? É o Estado criando um monte de leis e regras que te impedem de trabalhar e depois te punindo por trabalhar.

E a gente foi fazendo isso, então quando a gente dizia “é uma pena que eles estão contra o empreendedorismo, o cabeleireiro da favela, o pipoqueiro, o cara da carrocinha de cachorro quente, o camelô que precisa sustentar sua família”. Aí as pessoas paravam para pensar no argumento falacioso de que, se você defende a liberdade, se você defende o empreendedor e a livre iniciativa, você está defendendo a elite –  que foi uma outra estratégia que a esquerda usou muito contra a gente. A ideia de que a liberdade só é boa para o rico.

Boletim da Liberdade: E você atacando a necessidade do pobre, da população em geral, você desmonta essa falácia.

Carmen Migueles: É.

Foto: Reprodução / Facebook
Foto: Reprodução / Facebook

Boletim da Liberdade: Então, já na reta final, a gente vai ser um pouco futurista. Eu queria saber o seguinte: a senhora está falando bastante “na gente”, se envolvendo na dinâmica do NOVO, nos projetos do NOVO, na perspectiva do NOVO… “A gente” tem esse trabalho pela frente, “a gente” tem esse desafio pela frente… 2018: qual o papel que a senhora enxerga pessoalmente no partido? O que a senhora pretende fazer para 2018? Vai concorrer a algum cargo? Como vai ser, qual é o projeto?

Carmen Migueles: Então, na realidade eu não estou pensando em concorrer para 2018. Pessoalmente, o custo pessoal e profissional para mim seria muito grande, por conta da estratégia do partido com a qual eu concordo. Aí entra aquela coisa, né, se você acredita na liberdade com responsabilidade, então você é responsável pela sua decisão. Eu não estou criticando a estratégia do partido, eu estou dizendo que, neste momento, para mim ela não é viável, porque vou estar com 53 anos em 2018, minha filha terá 10 – eu tenho uma filha pequena ainda – e eu não tenho um colchão de poupança que me permita aposentar e ser a política que eu gostaria de ser: honesta, sem carreirismos, essas coisas.

Então, se eu entrar com 53 anos como deputada federal, que é o que o partido precisa para passar a cláusula de barreira, eu vou abrir mão da minha empresa de consultoria, abrir mão do meu trabalho acadêmico, para viver com salário de deputado passando a semana toda em Brasília. Entendeu? Aí eu teria que voltar para o mercado de trabalho com 60 anos. E aí eu tenho que admitir que isso seria uma restrição muito grande para a minha carreira.

Na realidade eu não estou pensando em concorrer para 2018. Pessoalmente, o custo pessoal e profissional para mim seria muito grande, por conta da estratégia do partido com a qual eu concordo. Aí entra aquela coisa, né, se você acredita na liberdade com responsabilidade, então você é responsável pela sua decisão.

Eu tenho uma meta de poupança que eu espero bater em mais quatro anos e aí sim eu apoiaria o partido concorrendo de novo, se o partido me escolher para tal; mas eu preciso primeiro permitir que a minha filha esteja numa idade em que eu possa ficar a semana inteira em Brasília, e eu preciso também bater minha meta de poupança para poder me dedicar à política com tranquilidade.

É diferente, por exemplo, para o Leandro Lyra. Ele é um menino, é mais novo que a minha filha mais velha – eu tenho uma filha de 27 anos. Essa experiência para o Leandro alavanca a carreira dele – vai dar visibilidade, vai dar reputação, vai dar muita coisa. Agora, na minha idade, eu não conseguiria retornar ao mercado de trabalho sem um grande custo pessoal. Então, vou apoiar o partido na campanha naquilo em que o partido precisar de mim, vou ajudar na capacitação e formação dos políticos que o partido quiser trabalhar, nessa questão de ajudar a formular as políticas públicas, na elaboração do discurso dos políticos na campanha, pelo Facebook, vou ajudar do modo que eu puder, desse jeito, para conseguir cumprir minha meta de poupança e esperar minha filha estar um pouco maior, e aí, com 60 anos, vou ficar disponível para o que o partido precisar.

Se precisar que eu me eleja, é perfeitamente possível cumprir um mandato nessa idade. Mas aí eu vou ter batido a minha meta pessoal de poupança e não vou ter que tentar entrar no mercado de trabalho numa época em que vai ser mais difícil. Então, eu estou tendo que conciliar isso e eu acho que essa é uma questão que todo mundo que acredita na liberdade precisa pensar, que é: a gente vai ter que compartilhar esforços, a gente vai ter que distribuir esse ônus, vai ter que fazer isso junto, muita gente engajada. Não pode ter dependência personalista de ninguém. E o NOVO também concorda com isso, e eu acho que é bom em termos de mensagem que o partido daria para a sociedade também, que ele vai concorrer e vai fazer um novo processo seletivo. Se a gente é contra o personalismo e a gente é um partido de ideias, não pode ter dependência de nenhum indivíduo.

Tem um ônus pessoal e profissional para concorrer. Então eu tive que abrir mão disso tudo, e do faturamento da minha empresa, do meu trabalho na minha empresa, durante todo o período de campanha. Então o prejuízo econômico foi grande. E hoje ainda estou pagando essa conta, porque tem empresas que não podem me contratar por que o compliance não permite.

Foto: Reprodução
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Boletim da Liberdade: Esse é mais um desafio que o NOVO precisa polir.

Carmen Migueles: É, eu não me arrependo e faria de novo. É uma conta que eu estava disposta a pagar. Mas eu não posso pagar eternamente, se não eu vou ser boi de piranha. Eu acho que cada um de nós, no uso da sua liberdade, querendo contribuir para o desenvolvimento do país e para um Estado menor e mais eficiente, vai chegar um momento em que teremos um sacrifício pessoal. Isso está no coração da ética. Eu não posso dizer que sou ética se não estou disposta a nenhum sacrifício ou renúncia. A ética implica em renúncia. Eu não posso dizer que os outros não têm espírito republicano, não se envolvem, não se engajam se eu não me engajo. Então o prejuízo pessoal faz parte disso, e a gente tem que enfrentar isso como indivíduos livres. Eu entrei com liberdade de escolha, estava disposta a pagar e eticamente eu acho ok fazer isso, né, em algum momento dei minha contribuição; mas eu de fato preciso organizar minha vida pessoal para poder ser a política que o NOVO quer sem um grande prejuízo para a minha família. Eu vou trabalhar nisso nos próximos anos. Então 2018 ainda não dá tempo, minha filhinha vai estar com 10 anos. Agora ela com 14, já dá, né? Ela com 14, eu já consigo administrar mais a distância.

Boletim da Liberdade: Então vamos aguardar. Muito bem, Carmem, mais uma vez muito obrigado pela disposição de falar aqui com o público do Boletim da Liberdade. A gente agradece de novo a entrevista, e a gente termina perguntando, em primeiro lugar se a senhora recomendaria, diante de toda essa experiência, o partido NOVO para pessoas que estejam interessadas em ter uma experiência na política, em encarar esse desafio que a senhora já desenhou muito bem aqui para nós, e que mensagem a senhora deixaria na sua despedida aqui da nossa entrevista para essas pessoas?

Carmen Migueles: Eu acho que a história não fala dos covardes e a gente não pode continuar se acovardando. Assumir um desafio como esse tem riscos, mas eu acho que nós, como seres humanos éticos, precisamos correr esses riscos e precisamos pagar esses preços. Não tem saída, não tem molezinha. Eu acho que tá na hora de fazer isso. E eu acho que as pessoas que fizerem isso vão estar dando uma contribuição tão grande para o Brasil hoje que eu não tenho a menor dúvida de que, no futuro, a reputação dessa contribuição mais do que retorna para essas pessoas. É bom fazer parte de uma comunidade de pessoas que veem você como uma pessoa que contribui de forma ética. Eu acho que essa é a grande vitória, a grande vantagem, o grande benefício de fazer a coisa certa, e eu acho que se cada um fizer um pouco disso, o jogo vira.

Boletim da Liberdade: Então vamos esperar que novos guerreiros e novos lutadores surjam do nosso povo em defesa dessas causas. Mais uma vez muito obrigado Carmem, nossa entrevista no Boletim fica por aqui, e até a próxima entrevista!

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