A polarização foi importante, mas já deu - Coluna Priscila Chammas

A polarização foi importante, mas já deu

01.08.2019 07:27

Num momento em que o MBL faz uma mea-culpa e analisa o seu papel na polarização do debate político brasileiro, faço aqui uma reflexão sobre o mesmo assunto, e vou discordar um pouquinho do líder do movimento.

Guardadas as devidas proporções, também tive minha participação na polarização do debate, mas ao contrário de Renan Santos, não me arrependo. Naquele momento, estávamos caminhando para a venezuelização do Brasil e não havia tempo para travar um debate mais qualificado. Era chamar o PT de quadrilha, Lula de ladrão (coisas que não eram mentira) e subir no trio vestidos de verde e amarelo, fazendo discurso de patriotismo. Era travar uma batalha ideológica contra qualquer palavra ou símbolo que lembrasse o discurso de esquerda. Era inverter a patrulha ideológica com a mesma assertividade com que ela vinha do outro lado.

Se a gente tivesse maneirado na agressividade (no bom sentido) e apostado em argumentos mais complexos e elevados, muito provavelmente não teríamos conseguido motivar tanta gente a pedir o impeachment de Dilma, a prisão do ex-presidente mais popular que já tivemos, e a não votar nunca mais no partido que nos fez reféns por 13 anos. Política é mais emoção do que razão, e precisamos jogar com as peças que temos.

Vivíamos uma ditadura do politicamente correto da qual eu mesma era vítima dia sim, dia sim. A direita era demonizada como um grupo de pessoas que não gosta de pobres, negros, mulheres, gays… que defende os bancos e grandes empresários, e que quer a volta da ditadura.

A narrativa era toda deles, e a polarização, num momento histórico em que os guardiões de todas as virtudes eram pegos em esquemas de corrupção, foi decisiva para virarmos o jogo. Naquele momento, discutir ideias não adiantaria, pois isso – infelizmente – não gera engajamento. Bradar contra um inimigo comum, gera. E isso é um fato concreto, por mais que a gente não goste dele. Tínhamos uma oportunidade única, e precisávamos agir rápido, com poucas balas. Não era hora para melindres existenciais.

A narrativa era toda deles, e a polarização, num momento histórico em que os guardiões de todas as virtudes eram pegos em esquemas de corrupção, foi decisiva para virarmos o jogo. Naquele momento, discutir ideias não adiantaria, pois isso – infelizmente – não gera engajamento. Bradar contra um inimigo comum, gera. E isso é um fato concreto, por mais que a gente não goste dele. Tínhamos uma oportunidade única, e precisávamos agir rápido, com poucas balas. Não era hora para melindres existenciais. 

Participei, fui em evento de esquerda com boneco inflável do Lula presidiário (ou pior, com a bandeira do Brasil), apanhei de militantes ao vivo, gritei em cima do trio em quase todas as manifestações, fiz do meu Facebook uma verdadeira mídia anti-esquerda, incitei os ‘cidadãos de bem’ a irem pra rua, ridicularizei discursos e pessoas de esquerda… e conseguimos. Dilma deixou a presidência e Lula foi preso. Me sinto feliz e orgulhosa de ter feito parte disso, de ter dado a minha parcela de contribuição, por menor que tenha sido. Não cometi nenhum crime, não disseminei mentiras, não feri nenhum de meus princípios, não disse nada de que tenha me arrependido. Mas reconheço que contribuí para a polarização do debate. Uma polarização que era necessária naquele momento, mas não é mais. Ao contrário, agora ela só fortalece o PT.

Lula está preso (babaca), Dilma, jogada às traças, os principais nomes do PT (Gleisi, Jandira, Lindbergh), totalmente ridicularizados e o socialismo/ comunismo desmascarado, exceto em alguns poucos grupos muito específicos.

Chegou a hora de encerrar o clima bélico e começar a mostrar, na prática, porque as nossas ideias são melhores. De ser firme nas decisões, mas evitar polêmicas desnecessárias, que só desgastam o ambiente político e mantém acesas as chamas da esquerda. Isso que tem me incomodado no governo Bolsonaro. Ele faz o oposto. O presidente faz questão de estar sempre provocando a esquerda em temas de segunda linha, ao mesmo tempo em que não é firme em decisões que deveria manter (como o fim da Ancine e da EBC, por exemplo).

Agora, vou discordar do presidente do Novo, João Amoêdo, quando ele diz que o mito faz isso por estar mal assessorado ou por ter uma estratégia ruim. A estratégia é ótima. Para ele. Bolsonaro só vai se manter como opção política enquanto houver o perigo iminente do PT voltar e as pessoas ficarem com medo de arriscar uma coisa melhor. Se Lula morrer, o mito morre junto. Se a esquerda parar de incomodar, ele perde a narrativa de ser o único político viável para evitar a trágica volta da esquerda ao poder. Bolsonaro sabe que não é o candidato mais capacitado da direita e que sua única narrativa, a do “nós contra eles”, não fica de pé sem o “eles”. Então mantém, estrategicamente, a esquerda viva e falando dele, pois assim ambos se retroalimentam. Afinal, quem era Bolsonaro antes de a esquerda descobri-lo?

Como disse anteriormente, uma ótima estratégia para ele. E uma ótima estratégia para o PT também, pois este é outro que só se mantém vivo e forte porque o lado oposto não o deixa descansar em paz. Mas péssima para o Brasil. Enquanto permanecer esse desnecessário clima bélico, será muito mais difícil avançar onde realmente importa.

Reconheço as coisas boas que têm sido feitas, sobretudo nos ministérios da Economia e da Justiça, mas quantas estão paradas por causa de tretas e declarações desnecessárias do presidente, seus filhos e ministros? Poderíamos ter avançado muito nos outros campos (e Educação é um exemplo) se, em vez de perder energia incitando a fúria dos esquerdistas, o presidente estivesse mais preocupado em construir soluções. Paulo Guedes e Moro não vão conseguir carregar o governo nas costas para sempre.

A polarização política teve sua função, e já foi cumprida. Mas já deu, já encheu o saco. É hora de olhar pra frente e deixar a esquerda morrer sozinha, no ostracismo. É hora do mito mostrar que seu patriotismo não é só da boca pra fora, e começar a se preocupar mais com o país do que com sua reeleição.

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