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O que aprendi na Kennedy School

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Toda criança tem os seus sonhos e suas fantasias. Os desejos, ainda que inverossímeis, habitam o imaginário infantil em forma de aventura, repleta de detalhes mirabolantes e incríveis. No Brasil da minha infância, ser camisa 10 da canarinha era pulo de dez entre os sonhos dos meus amigos. Havia, claro, os que aspiravam também, além da camisa imortalizada por Pelé, pilotar uma Mclaren, tal qual o Senna. E, durante algum tempo, o trio de aspirações fantásticas dos meninos da minha rua era completado pela cena de, no melhor estilo Adilson “Maguila”, ter uma luta contra Myke Tyson narrada pelo saudoso Luciano do Valle…

Eu, para desapontamento paterno, sempre fui um fiasco nos esportes. Quero dizer, na prática esportiva. Da “mesa redonda” da resenha escolar eu bancava o entendido em todas as modalidades. Conhecia os números do Joaquim Cruz, sabia que o Didi fora o pai da “folha seca”, a escalação do Lakers do “Magic” Johnson e as vitórias do Niki Lauda. Mas na pelada da rua era sempre o último a ser escolhido, mesmo que a partida fosse de queimada!

Mas entre os devaneios da minha 1ª década de vida, estava uma bem peculiar para uma criança mineira da década de 80: estudar em Harvard. Eu não sabia exatamente o que era Harvard e o que de fato significava (e custava) fazer parte de seu corpo discente. Claro, sabia que ficava na América e que era uma escola, mas não tinha a mínima ideia de como se era admitido lá, que tipo de curso existia (eu não sabia ao certo as diferenças entre os cursos), em qual cidade ela ficava, e que era necessário falar inglês para ingressar nas suas salas de aula. Mas tinha o ideário da jaqueta com o escudo da universidade, a possibilidade de fazer parte do time olímpico de remo, ser o capitão do time de basquete e, a priori, considerado alguém muito inteligente, por estudar em Harvard, seja lá o que isso significasse.

Bem, minha vida acadêmica não foi exatamente linear. Um dia, quem sabe, visando a de alguma forma ajudar àqueles que aos 17-18 anos têm que se decidir sobre seus próximos 35 anos, eu compartilhe a minha via crucis neste sentido. Mas aos que chegam a esta coluna hoje já aviso que não me formei pela escola mais tradicional de Boston e mais famosa do mundo, como imaginava aos 10 anos. Mas o desejo insondável seguiu no inconsciente e, enquanto o Brasil desfrutava um carnaval à la covid, eu realizei, digamos, uma aspiração de criança e fui estudar, enfim, na Harvard. Mais precisamente, na John F. Kennedy School, sua escola de Políticas e Administração Pública, de prestígio internacional, que homenageia no nome o presidente mais célebre dos EUA.

A experiência nada teve a ver com o imaginado pelo menino mineiro. Na verdade, fui atrás de encontrar o gabarito para alguns desafios que encontro no dia-a-dia como gestor público na saúde brasileira. O chairman responsável por aliviar minhas angústias era ninguém menos do que o renomado professor inglês Malcolm Sparrow, papa das estratégias regulatórias e de fiscalização. Adicionalmente, tive a oportunidade de ter aula com o agora aposentado Professor Mark Moore, que é o cara que nos mostra como é possível entregar serviços públicos gerando valor para os cidadãos e para a sociedade. E por último, mas não menos relevante, tive o privilégio de ter aula com o economista Rob Stavins, um equivalente à Keynes ou à Friedman em termos de economia verde.

Animado pela possibilidade de contato com estas feras e, claro, de alguma forma feliz por satisfazer, ainda que não do mesmo modo, o “pai do homem” que habita em mim, tive num curso Executivo da Harvard a oportunidade, inesquecível, de aprender uma das grandes lições sobre vocação pública da minha vida. E esta lição não veio do trio mencionado acima, mas de um tal Nabil (que você ainda nunca ouviu falar e talvez nunca ouça), um jovem colega de turma, oriundo da Arábia Saudita que, a princípio, teria o importante papel pra mim de fazer meu inglês não ser o pior do curso.

Nabil deve ter 30 anos, no máximo. Se apresentava como membro do Departamento de Governo Digital de seu país. Aparentemente não tinha experiência administrativa para compartilhar nos grupos de discussão e, afora uma simpatia marcante, não chamava atenção de modo especial. Mas eis que Nabil teve a oportunidade de dizer a que veio. Em determinado momento, quando foi perguntado pelo Chair sobre a sua rotina como administrador público em seu país, o jovem árabe nos surpreendeu a todos…

Ao ser questionado sobre a estrutura do seu departamento, respondeu que era, basicamente, chefe de si mesmo e que não havia colaboradores com ele; quando perguntado sobre algum projeto já feito ou que estava em desenvolvimento, disse que nada ainda havia realizado e nada de concreto estava no forno; e, por fim, ao ser indagado o porquê ele estava fazendo aquele curso e o quê esperava obter ali, veio a grande lição que não só eu e meus colegas de curso, mas também o professor Sparrow, tivemos naquela semana. Nabil fez uma breve contextualização do panorama político de seu país. Em menção a uma fala minha anterior sobre a jovem democracia brasileira e os seus desafios, disse que isso seria um sonho em seu país, cujo o regime é do tipo “top-down”, para ser literal na descrição. Em seguida, nos contou que muitos dos jovens da terra do petróleo, que hoje concluem sua graduação superior, cursaram universidades em outros países como EUA, Inglaterra e Canadá, e que isso, quem sabe, num futuro, pudesse se transformar em um sopro de modernidade em seu país. E que se isso ocorresse, e ele tivesse a oportunidade de algum modo poder contribuir, ele gostaria de já estar preparado e não perder um dia sequer para ajudar o seu país. Eis, então, a sua razão de estar ali…

Imaginei que num curso em Harvard, além do intuito menos nobre de realizar o sonho de uma criança que um dia fui, eu iria obter, dos grandes mestres, os modos de resolver alguns dos mais complexos desafios que enxergo no exercício e no debate da administração pública brasileira. Eu estava completamente enganado. Encontrei algo muito mais valioso e não apontado por uma grande estrela da melhor universidade do mundo, mas por um jovem rapaz que tinha dificuldades no idioma de Shakespeare como eu. Busquei no curso algumas respostas sobre o “como”. Mas fui presenteado com a melhor explicação de um “porquê” devemos seguir na missão pública.

Aviso

As opiniões contidas nos artigos nem sempre representam as posições editoriais do Boletim da Liberdade, tampouco de seus editores.

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