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A Venezuela chavista e o mito do Estado inocente

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*William Clavijo

Durante os últimos 20 anos, a máquina de propaganda chavista e seus aliados latino-americanos socializaram a ideia de que os governos de Chávez e Maduro são vítimas de uma conflagração imperial norte-americana cujo objetivo é controlar as reservas de petróleo da Venezuela. Essa teoria se consolidou nos círculos acadêmicos das ciências sociais quase como uma verdade histórica, inclusive, no momento presente em que o mercado internacional de petróleo apresenta excesso de oferta, as reservas provadas desse hidrocarboneto aumentaram substancialmente e os Estados Unidos conseguiram prescindir das exportações de petróleo venezuelano sem gerar efeitos significativos no comportamento da cotação do barril de petróleo. Em outras palavras, a incompetência dos governos chavistas em matéria petroleira levou a Venezuela da posição de país com certa influência para uma posição de completa irrelevância na geopolítica petroleira atual. Isso porque, com excesso de petróleo e fontes de fornecimento mais confiáveis no mercado internacional, ser o país com as maiores reservas de óleo do mundo, mas sem condições de serem extraídas, processadas e exportadas para os principais mercados de consumo, perde importância.

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Aclarado o ponto anterior, importa destacar também que os governos da era chavista não foram atores passivos no sistema internacional. Desde antes de chegar no poder, Hugo Chávez já tinha se alinhado num projeto internacional para desmontar a ordem liberal fundada pelos Estados Unidos, e, como nenhum outro governo de esquerda na América Latina, com exceção à Cuba, colocou todos os recursos do país em função dessa empreitada. Nessa aposta arriscada, a política exterior venezuelana durante o governo Chávez pretendeu colocar a Venezuela para desempenhar uma posição muito acima da estatura real do país. Como consequência, hoje a Venezuela se converteu num dos espaços de disputa geopolítica entre as potências globais.

Fazendo uso da produção e das rendas auferidas pelas exportações de petróleo, um Chávez sem controle institucional financiou onerosos programas de cooperação para amarrar alianças políticas nos foros regionais que em pouco ou nada contribuíram na consecução de objetivos nacionais por anos perseguidos pelo Estado venezuelano durante os governos da democracia civil. O melhor exemplo é a perda de força da posição venezuelana no impasse limítrofe com a Guiana em que, apesar de Chávez ter insistido em flertar com os sócios da Caricom, a situação só piorou.

Os recursos do Estado venezuelano foram utilizados para interferir na política em diversos países, através do financiamento de projetos políticos de aliados, tendo como destaque o Peru de Ollanta Humala, a Nicarágua de Daniel Ortega, a Argentina dos Kirchner, Pablo Iglesias e Podemos na Espanha, o movimento das cinco estrelas de Beppe Grillo na Itália, entre outros. Igualmente, o elefante branco que acabou sendo os planos de expansão das operações da PDVSA e outros negócios empreendidos pelos governos chavistas na América Latina, também foram utilizados para influir sobre a politica local e apoiar os seus aliados. Nos últimos vinte anos, as sedes diplomáticas e consulares do Estado venezuelano ao redor do mundo têm funcionado como centro de articulação com movimentos de esquerda. Em muitos casos, com a finalidade de desenvolver atividades orientadas a debilitar a institucionalidade democrática nesses países. Caso emblemático disso, é a Embaixada e os consulados venezuelanos no Brasil, constantemente utilizados como centros de operações para promover ações de desestabilização dos governos Temer e Bolsonaro.

Existem outas provas de como os governos chavistas interviram nos assuntos internos de Estados vizinhos. Em 2007, durante o segundo governo Lula, documentos do Ministério da Defesa do Brasil mostraram como Chávez enviou aviões da Força Aérea venezuelana com tropas para a Bolívia cruzando pelo espaço aéreo brasileiro para reprimir protestos contra o governo de Evo Morales. As evidências da presença de grupos guerrilheiros colombianos na Venezuela com a permissão do governo Chávez, grupos vinculados com atividades terroristas e de narcotráfico, existem e foram apresentadas desde o início da década de 2000. Em 2019, os tentáculos do regime chavista e seus aliados continentais têm operado para desestabilizar as democracias da região, quando o aparato de propaganda da ditadura utilizou centenas de contas nas redes sociais para promover a desinformação e instigar à violência durante as ondas de protestos que aconteceram na Catalunha, Estados Unidos, Equador e Chile. Para completar esse quadro de provas, a presença de espiões venezuelanos e cubanos operando em países da região também tem sido confirmada na Colômbia e Bolívia.

Conforme o colapso econômico e social do país tem se agravado e, com ele, a pressão nacional e internacional para conseguir a reinstitucionalização do país, a ditadura de Maduro perdeu o cuidado com dissimular os elos entre governo e grupos paramilitares criados durante os vinte anos de revolução, assim como grupos terroristas e ligados ao narcotráfico que já estavam no país, incluindo a guerrilha libanesa do Hezbollah. De fato, nos últimos anos, grande parte desses grupos expandiram suas operações em território venezuelano, coordenam atividades ilegais como o tráfico de drogas ou a minaria ilegal, além de exercer a autoridade nessas localidades. Sua infiltração nas instituições do Estado venezuelano, principalmente nas forças de segurança, também tem ficado mais evidente. E seu trabalho em aliança com outras organizações criminais regionais e extrarregionais constituem agravantes com implicações para a segurança regional.

Mas, ainda mais grave, Hugo Chávez e Nicolás Maduro, conscientes das implicações que trariam suas decisões, abriram as portas da região para a Rússia, China e Irã, num claro desafio aos Estados Unidos, colocando a Venezuela na condição de ameaça para a segurança do hemisfério e espaço de disputa geopolítica entre as potências globais. Maduro, sabendo da crise política, econômica, social e humanitária provocada pelo seu regime, tem optado por se aferrar ao poder político na Venezuela com apoio russo e chinês, em troca de fazer múltiplas concessões para o acesso dessas potências aos recursos naturais venezuelanos, ou, simplesmente exercer seu controle sem necessariamente explorá-los.

A China, envolvida numa guerra comercial com os EUA devido a décadas de práticas comerciais desleais e o roubo de tecnologia, entende o regime de Maduro como um peão que incomoda americanos em sua zona de influência direta. A Venezuela leva anos descumprindo com os termos dos acordos para os empréstimos de dinheiro em troca de óleo que assinaram desde o governo Chávez. Mas isso não interessa ao gigante asiático, pois o mercado leva anos com excesso de oferta. Enquanto isso, continuam melhorando sua posição no país sul-americano.

No caso da Rússia, a influência e presença na Venezuela responde ao interesse do governo Putin por criar entraves aos interesses norte-americanos em diversas regiões do planeta, visando aumentar a capacidade de influência e de negociação russa em questões estratégicas da geopolítica mundial, principalmente, em temas sensíveis para sua segurança nacional, como os casos da Ucrânia e Georgia. A presença russa sobre a Venezuela também é utilizada para aumentar sua capacidade de influência no mercado internacional de petróleo. Os empréstimos não pagos pelo Estado venezuelano têm permitido aos russos aumentar o controle sobre importantes reservatórios de hidrocarbonetos e instalações de refino, que podem ser usados ou não, dependendo do interesse do país de influenciar o comportamento do preço do petróleo, por exemplo.

Pelas razões expostas anteriormente, a tese do chavismo inocente não só é incorreta, como também não faz justiça às milhões de vítimas das atrocidades cometidas pela ditadura durante os últimos vinte anos. Desde um ponto de vista realista, Chávez e Maduro a pretenderam brincar no sistema internacional e hoje os venezuelanos estamos pagando as consequências das suas decisões irresponsáveis em matéria de política exterior. O resultado disso é que hoje a solução da nossa crise dependa dos interesses de potências globais, Estados parasitas como a Cuba dos Castro e outros atores paraestatais.

*William Clavijo é venezuelano radicado no Brasil e cientista político.

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Aviso

As opiniões contidas nos artigos nem sempre representam as posições editoriais do Boletim da Liberdade, tampouco de seus editores.

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