Por Adriana Ventura*
O que brasileiro quer quando vai assinar um serviço de streaming? Quer entretenimento de qualidade sem que isso pese em seu orçamento doméstico. Tramita agora na Câmara dos Deputados o projeto de lei 8889/17 que vai criar quatro problemas em uma canetada só: atribuir à ANCINE a função de fiscalizar e impor obrigações às plataformas; encarecer o serviço de streaming; piorar a qualidade deste serviço no Brasil; e exigir intervalo mínimo de nove semanas entre lançamentos no cinema e na internet!
A mais perversa política pública é aquela que, em busca da justiça, comete uma injustiça. O projeto de lei dos Streamings, a pretexto de valorizar os conteúdos audiovisuais brasileiros, vai encarecer o serviço para… os próprios brasileiros. O também chamado de PL da Netflix tinha duas versões concorrentes, uma nascida na Câmara (PL 8889/17) e outra nascida no Senado (PL 2331/2022). O substitutivo feito pelo Deputado Dr. Luizinho está sendo votado agora no Plenário e deve aumentar o preço de tudo que o brasileiro assiste online.
É bom notar que um estudo realizado pela FSB Pesquisa revelou que assistir TV por assinatura é, atualmente, a atividade de lazer favorita dos entrevistados. Com isso, o projeto de lei do streaming vai encarecer o próprio lazer do brasileiro. Isso acontecerá porque o PL cria um imposto do streaming por catálogo. Plataformas como Netflix, Prime Video, HBO+ e outras deverão contribuir para a Condecine com base no seu faturamento, com uma alíquota de 4% sobre a receita bruta das plataformas. Ou seja, o brasileiro que gosta de um blockbuster será obrigado a bancar produções nacionais, gostando ou não delas.
E tem mais: o provedor de vídeo será OBRIGADO a manter no catálogo um percentual de horas de conteúdos brasileiros. Uma biblioteca que deverá chegar a 10%, em seis anos. Como se o fato de estar na gaveta pudesse obrigar o consumidor a assistir o conteúdo. Não adianta estar no catálogo se o conteúdo for ruim.
Conteúdo interessante, vamos combinar, não precisa ser empurrado goela baixo. Nenhum brasileiro precisa ser obrigado a assistir filmes como Minha mãe é uma peça, Central do Brasil, Tropa de Elite ou Cidade de Deus! Filme bom, nacional ou estrangeiro, tem público certo. Ou seja: o que garante o sucesso de público de uma produção audiovisual é a sua qualidade, não a sua disponibilidade no streaming A ou B. A Disney, por exemplo, não precisou de cota para garantir que fosse exibida e acessada nos principais canais de streaming. Ao contrário, com tanta visualização, a Disney criou seu próprio canal de streaming!
Uma legislação deve servir para regular e não para determinar como um negócio deve ser gerido ou que produto deve oferecer. Vamos obrigar a Netflix, a Amazon Prime, a Apple TV no Brasil a exibirem novela? Não tem sentido. E ainda pior: obriga fabricantes de dispositivos, como smart TVs, a dar destaque a conteúdos brasileiros! O Estado não pode determinar como uma empresa deve estruturar o seu plano de negócios, como deve escolher o seu público alvo: isso é ferir a liberdade econômica, isso é controle excessivo do Estado sobre a iniciativa privada. Além de determinar o modo de gestão, o Estado quer decidir por nós o que devemos consumir e em que proporção; isso está virando um controle ditatorial tanto para o empreendedor quanto para o consumidor.
O PL dos streamings é ainda mais duvidoso pois exige que 10% do faturamento global seja investido em produções nacionais. Com um detalhe: 1 em cada três reais deve ser destinado a produtoras estabelecidas nas regiões Norte, Nordeste e Centro Oeste. E ainda cria uma cota da cota: 10% do investimento direto das plataformas deve ser realizado em produções vocacionadas, ou seja, cuja titularidade seja pertencente a grupos incentivados (mulheres, negros, indígenas, quilombolas).
E tem mais: no projeto da Câmara ainda se exige que a tributação também atinja as plataformas como TikTok, Youtube, Instagram, Facebook, Kwai e o que mais vier. A ideia absurda é impor – compulsoriamente – pagamento não apenas a streamings de catálogo, como Netflix e Prime Video, mas também vídeos compartilhados pelos usuários. É o chamado VoD por publicidade. No fim das contas, esta tributação sobre conteúdo de usuários acabará reduzindo a receita das plataformas e reduzindo os repasses que as plataformas, como o Youtube, já dão aos conteúdos monetizados. Perde a economia criativa que gerou canais como Manual do Mundo, Casemiro ou mesmo você.
O interesse escuso nessa determinação toda, claro, é arrecadar mais para o Condecine. Com um detalhe: embora o conteúdo venha a ser tributado, o criador de conteúdo não terá acesso ao Fundo do Audiovisual como terá o produtor de filmes. Será que o Felipe Neto vai gostar?
*Adriana Ventura é professora de gestão e empreendedorismo na FGV-EAESP, empreendedora na área cultural e deputada federal (NOVO/SP)


