Por Yuri Quadros*
Liberdade religiosa não é enfeite de igreja. É o alicerce que impede o mundo de rachar. Onde o homem pode adorar sem medo, a violência demora mais a explodir. Onde a consciência vira caso de polícia, o fósforo acende toda semana.
Na Nigéria, cristãos vivem numa fogueira sem fim. Aldeias atacadas, cultos interrompidos, luto que volta com frequência assustadora. Nunca se sabe quando o Boko Haram fará mais uma chacina. Não é acidente: é um ecossistema de violência. O Estado omisso, milícias jihadistas tratando o batismo como sentença de morte. Quem acompanha de perto descreve um país onde professar fé pode custar a vida.
Nos Estados Unidos, terra da Primeira Emenda, estátuas decapitadas e igrejas vandalizadas mostram que o ódio também fala na terra da tolerância. Centenas de ataques desde de 2020, atravessando diversos estados. Ainda nesta semana, um homem foi preso com 200 explosivos caseiros planejando explodir a catedral da capital americana. A ironia é brutal: queimar símbolos religiosos em nome da “tolerância”. Tolerância que precisa da mordaça não é tolerância — é opressão pelo medo.
E no Oriente Médio, onde a história cabe numa rua de Jerusalém, fala-se de paz. Israel e Hamas aceitaram um cessar-fogo: libertação de reféns, corredores humanitários. O anúncio tem o selo de Washington e a assinatura de Trump. Mas acordos não são mágica. Sobrevivem de compromissos reais. Se a trégua não vier acompanhada de proteção concreta a santuários, festas, peregrinos e escolas, morre na próxima vingança. Paz sem liberdade de culto é só armistício administrativo.
Simples, antiga e ignorada: liberdade religiosa é a prática que educa a paz. Não apenas direito individual, mas virtude pública. Um povo que aprende a conviver com o sagrado do outro aprende a negociar tudo o mais. É assim que a liberdade funciona: como liturgia civil que disciplina o poder e protege o dissenso. Sem ela, sobram dois caminhos: cassetete e silêncio.
A religião livre não ameaça o Estado — freia sua tentação totalitária. Já a religião capturada vira arma do tirano. Por isso a separação é vital: governos protegem templos, não escrevem doutrinas. Comunidades celebram, consciências respondem a Deus. Quando essas fronteiras se misturam, não se ganha cidadãos — se fabrica soldados.
A Nigéria ensina o preço do vazio estatal. Os EUA lembram que vandalismo simbólico é ensaio da violência física: quem derruba santos hoje, derruba vizinhos amanhã — que o martírio de Charlie Kirk não seja esquecido. O Oriente Médio dá a lição mais dura: sem proteção ao culto, à peregrinação, à catequese, o melhor acordo se dissolve na primeira reza interrompida por sirenes. Paz se mede por procissões seguras.
“Mas religião divide.” Não: poder sem freios divide. Religião livre integra — treina-nos a viver com o inegociável do outro. Este é o milagre da nossa razão: ela transforma convicções totais em convivência possível. Dá ao Estado o papel modesto de guarda-chuva, não o autoriza a escrever catecismos ou queimar igrejas.
O acordo em Gaza só vingará se garantir que ninguém precise trocar a Bíblia por um colete à prova de balas; que sinagogas, mesquitas e igrejas tenham silêncio respeitado; que crianças possam perguntar pelo nome de Deus sem que um homem de farda responda primeiro. Essa promessa vale para todos — crentes e céticos — porque o que está em jogo não é vitória teológica, mas derrota do medo.
O fim que desejamos não é unanimidade, é paz. E paz, na prática, é o domingo intacto, a festa do vizinho intacta, o feriado do outro intacto. É o policial guardando a porta do templo, não o tribunal escrevendo o sermão. É a política aceitando que há fronteiras que não lhe pertencem.
Não por acaso, o liberalismo clássico nasce da defesa da liberdade religiosa — ela é tanto a primeira muralha quanto o último refúgio da civilização. Onde essa liberdade cai, a guerra entra de sandálias; onde resiste, até inimigos aprendem a falar baixo. Que a Nigéria nos comova, que a América nos desperte, que Jerusalém nos ensine. A paz verdadeira começa quando o homem pode se ajoelhar sem pedir licença — e o Estado, enfim, aprende a tirar o chapéu diante do sagrado.
Yuri Quadros é cofundador do Instituto Aliança da Camélias, diretor de formação do IFL-BH, conselheiro da Rede Liberdade e colunista do Boletim da Liberdade.