O vídeo publicado pelo influenciador Felca na última semana caiu como uma bomba nas redes sociais. Em pouco mais de 50 minutos, ele revelou como o “algoritmo P”, como batizou, pode amplificar conteúdos com crianças de maneira sugestiva, facilitando o acesso de predadores sexuais e incentivando a adultização precoce. O conteúdo viralizou, ultrapassou 26 milhões de visualizações e fez a Câmara dos Deputados anunciar que vai pautar, ainda esta semana, projetos para regulamentar a presença de crianças no ambiente digital.
Felca destacou casos concretos, como o do influenciador Hytalo Santos, investigado por exploração de menores e que teve a conta derrubada pelo Instagram após a repercussão. “Não é sobre censura, é sobre proteger quem ainda não tem maturidade para se proteger sozinho”, argumentou o youtuber.
A pressão também encontrou respaldo no Judiciário. Em entrevista à GloboNews, a juíza Vanessa Cavalieri, da Vara da Infância e Juventude do Rio de Janeiro, comparou a exposição infantil online a “imprimir mil fotos do seu filho e sair distribuindo na rua”. Para ela, a responsabilidade é dupla: dos pais e das plataformas. “Quando um pai ou uma mãe posta fotos dos filhos em perfis abertos ou mesmo fechados, está entregando esse material de bandeja para predadores sexuais”, alertou. A magistrada defendeu a urgência de aprovar o Projeto de Lei 2628/2022, que cria regras para proteger menores na internet, responsabilizando empresas que não cumpram as próprias diretrizes de idade mínima.
Ilha de Marajó
Mas, se o caso Felca hoje mobiliza legisladores, imprensa e opinião pública, a lembrança recente de outro episódio expõe uma incoerência incômoda: a Ilha do Marajó. Denúncias de exploração sexual infantil na região, que vinham sendo feitas há anos por autoridades como o bispo José Luís Azcona, ganharam repercussão nacional apenas em 2022, quando a então ministra Damares Alves levou o caso ao Congresso. Em vez de uma mobilização semelhante à que se vê agora, o que se seguiu foi uma campanha de descrédito, com ataques pessoais e a disseminação de desinformação que desviou o foco do problema.
Dados oficiais mostram que, só em 2022, a ilha registrou 550 crimes sexuais contra menores, sendo 407 estupros de vulnerável, índices alarmantes para uma região de pouco mais de 500 mil habitantes. Ainda assim, parte da cobertura midiática preferiu enquadrar o caso como exagero político ou polêmica ideológica, ignorando o drama real das vítimas.
Hoje, figuras como o deputado Nikolas Ferreira relembram essa omissão. “Na época da Ilha do Marajó fiz um vídeo, arrecadamos muito para ajudar e a mídia ficou literalmente calada”, escreveu nas redes. A lembrança serve como contraponto à comoção atual: por que tragédias reais, documentadas e denunciadas por anos, não geraram a mesma reação que um vídeo viral no YouTube?
O debate reacendido por Felca deixa claro que a proteção de crianças na internet é urgente, mas também expõe um vício recorrente no Brasil: só agir quando o assunto explode nas redes, enquanto histórias igualmente graves ficam soterradas pela desinformação, pela polarização e pelo descaso.