Por Geisiele Carvalho*
O regime internacional dos Direitos Humanos representa um divisor de águas na história da humanidade. Após os horrores da Segunda Guerra Mundial — sobretudo os crimes cometidos pelo regime nazista — consolidou-se, na comunidade internacional, a convicção de que era preciso estabelecer limites éticos universais que estivessem acima dos interesses estatais. Em outras palavras, o que um Estado soberano poderia fazer dentro de seu território passou a ser questionado.
Assim, a lógica da soberania estatal, cuja gênese fora consagrada em Westfália, passa a conviver com uma nova centralidade: a do ser humano como sujeito de direitos que não podem ser ignorados, em hipótese alguma, mesmo por seus próprios governos. No campo teórico, o ser humano passa a ser o principal ente a ser protegido pelos Estados.
Aprovada em 1948 por 48 países, a Declaração Universal dos Direitos Humanos não foi apenas um documento histórico: tornou-se o alicerce de dezenas de cartas magnas e tratados internacionais que seriam criados nas décadas seguintes, moldando o direito internacional. Assim, esse instrumento jurídico consagrou valores de dignidade, igualdade e liberdade que transcendiam culturas e ideologias. A Declaração também expôs ao mundo que o respeito a determinados valores não pode ser ignorado quando se atravessa uma fronteira.
Entretanto, ainda hoje, vemos violações gritantes: da repressão a opositores políticos à negligência com refugiados, do racismo estrutural à restrição da liberdade de frequentar certos espaços que mulheres enfrentam diariamente pelo medo da violência. A distância entre o ideal jurídico estabelecido em 1948 e a realidade concreta é, muitas vezes, abissal. E tem sido assim desde 1948.
Nesse cenário, é válido refletir que quando os direitos humanos se tornam um debate restrito a fóruns jurídicos e acadêmicos, a grupos intelectuais e ativistas, perdem sua potência transformadora. É preciso popularizar esses conceitos sem banalizá-los, tornando-os parte da linguagem política cotidiana do cidadão comum.
Mas como garantir que um trabalhador assalariado, que enfrenta longas jornadas e tem pouco acesso à educação de qualidade, conheça seus direitos? A resposta começa pela escola, mas não termina nela. E ainda assim, o caso brasileiro expõe um grande caminho a ser percorrido, já que a realidade das escolas públicas, segundo dados da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), mostra o país a uma longa distância de uma educação básica de qualidade. Segundo o PISA, os estudantes brasileiros estão até quatro anos atrasados em habilidades básicas em comparação com países da OCDE.
A pauta dos Direitos humanos não deve ser um privilégio de quem tem tempo e acesso ao ensino superior. Em uma democracia, o conhecimento sobre eles deve ser um direito também, a começar pela educação básica,
responsabilidade do governo. Evidentemente, isso esbarra em problemas estruturais muito maiores. Mas ainda assim, é importante ter em vista que somente com o pleno conhecimento dos Direitos Humanos – seu papel, importância e caráter inalienável – que poderemos transformar promessas em práticas, e discursos em dignidade vivida. Democratizar esse saber é um dever democrático e um passo essencial para transformar dignidade em realidade.
*Geisiele Carvalho é formada em Relações Internacionais pela USP e Chapter Leader LOLA