Por Camilla Soares Teixeira*
Em um país onde milhões de pessoas enfrentam filas no SUS, transporte público precário e dificuldade para garantir o básico, o Poder Legislativo vive em uma realidade completamente diferente. Com salários altíssimos, verbas generosas e benefícios que não refletem a vida da maioria da população, muitos parlamentares simbolizam uma representação que perdeu o vínculo com o povo. O problema vai além dos gastos. É uma questão política, ética e estrutural. O Brasil está pagando caro por manter um modelo de representação que se afastou da sua função essencial: servir à sociedade.
Esse distanciamento entre quem faz as leis e quem vive sob elas não é apenas injusto. É o retrato de uma crise profunda na nossa democracia. Como esperar que o Congresso proponha soluções eficazes se muitos parlamentares desconhecem a realidade da população e, em alguns casos, sequer demonstram interesse em conhecê-la? Quando o Legislativo se afasta do cotidiano do povo, perde também a legitimidade para representar e transformar o país de forma concreta.
O custo de quem está fora da realidade
Atualmente, cada deputado federal custa em média R$ 3,283 milhões por ano aos cofres públicos. Esse valor representa o equivalente à renda anual de 133 brasileiros, segundo dados do IBGE. Enquanto a maioria da população vive com menos de dois salários mínimos e enfrenta dificuldades diárias para pagar as contas, os parlamentares desfrutam de um padrão de vida distante da realidade do país. Tudo isso bancado com dinheiro público.
E isso é só o começo. A verba de gabinete permite que cada deputado contrate até 25 assessores, com um valor mensal de R$ 125 mil. Além disso, existe a Cota para o Exercício da Atividade Parlamentar (CEAP), que totaliza quase R$ 236 milhões por ano e cobre despesas como passagens aéreas, combustível, hospedagens e aluguel de veículos. Um dos pontos mais controversos é o uso dessa verba para “divulgação da atividade parlamentar”, que em 2024 consumiu cerca de R$ 93,3 milhões. Na prática, esse gasto muitas vezes se traduz em promoção pessoal bancada com dinheiro do contribuinte.
Além de todos esses benefícios, quem não ocupa um dos apartamentos funcionais em Brasília ainda recebe um auxílio-moradia de R$ 4.253,00. Enquanto isso, milhares de brasileiros enfrentam a precariedade de hospitais públicos, a falta de vagas em creches, a ausência de saneamento básico e o medo constante nas periferias, onde a segurança é muitas vezes uma promessa não cumprida.
A bolha do legislativo
É difícil acreditar que alguém que nunca precisou enfrentar uma fila no SUS, pegar um ônibus lotado ou conviver com o medo diário da violência urbana consiga compreender, de fato, o que vive a maioria dos brasileiros. A distância entre a vida nos gabinetes e a realidade das ruas é quase um abismo. Quanto mais o privilégio se acumula, mais difícil fica enxergar o que acontece do lado de fora.
Como propor soluções para a mobilidade urbana sem saber o que é depender de um transporte público precário e inseguro? Como legislar sobre saúde pública sem jamais ter vivido a experiência de esperar por atendimento durante horas em uma madrugada qualquer? Muitos parlamentares só aparecem nas comunidades em época de campanha e não compreendem a realidade de quem vive nas periferias. Essa desconexão é uma das raízes mais profundas da ineficiência do Estado, e é ela que continua adoecendo o país.
Reconectar o legislativo com a realidade brasileira
A distância entre Brasília e o povo não é apenas geográfica. É ética, moral e política. O Brasil precisa urgentemente de um Parlamento que represente de fato o seu povo. Que sinta, na pele, os mesmos desafios. Que use os mesmos serviços públicos. Que ande nas mesmas ruas.
A reforma do Estado que precisamos vai muito além do corte de gastos. Ela exige coragem para enfrentar privilégios históricos e construir uma nova cultura política. Mais transparente, mais empática e mais conectada com a vida real. Cortar regalias não é só uma questão econômica. É um gesto de respeito e de justiça com quem sustenta o país de pé.
Enquanto continuarmos alimentando um Estado pesado, caro e ineficaz, estaremos adiando o Brasil que queremos construir. Um país mais livre, mais justo e com oportunidades reais para todos só será possível com menos privilégios no topo e mais eficiência onde importa: na vida de quem mais precisa.
*Camilla Teixeira é cientista política e diretora de Núcleos do LOLA Brasil