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Aborto e liberdade: a verdadeira ameaça do PL 1904/2024

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Por Izabela Patriota*

Assim como na abolição dos escravos no Brasil, mais uma vez estamos atrasados. Sabemos dos limites da ciência, sabemos como pode ser manipulada, mas nesta pauta específica, ela está do nosso lado.

Não há evidências científicas claras sobre o início da vida humana, como também não há consenso entre as religiões mais influentes do mundo. A gravidez que deu à luz ao profeta cristão não foi planejada – apesar de não ter sido indesejada. O desejo de Maria em manter a gravidez foi soberano e até mesmo ela foi consultada pelo anjo Gabriel para ser mãe de Jesus.

Quanto aos judeus, nada está claro. Em certas vertentes do judaísmo, a vida começa apenas após o 8º dia de nascimento, quando é finalmente dado o nome à criança judia recém-nascida.

No mundo livre, a descriminalização do aborto não significa a imposição do procedimento a todas as mulheres, mas sim o reconhecimento de que elas devem ter autonomia sobre seus corpos e suas vidas. Porém, em países autoritários, não é raro ver a esterilização forçada de homens e mulheres.

Talvez essa seja a razão pela qual o aborto não é criminalizado na Itália (sede do Vaticano), em Israel, na grande maioria das nações cristãs (como Portugal e México) e em 36 dos 50 estados dos Estados Unidos. A grande curiosidade é que países autoritários e os estados pobres (com exceção do Texas) nos EUA criminalizam a prática.

O reconhecimento do direito ao aborto carrega em si os valores liberais da individualidade e da autonomia da vontade. Assim, não pode coexistir em ditaduras ou onde o Estado se mistura com religião. Não é coincidência que o país berço das revoluções liberais, dos valores de Liberdade, Igualdade e Fraternidade, foi o primeiro a constitucionalizar a proteção ao aborto. A partir de 2024, a França evita que se repita o que houve nos EUA. Em solo americano, como o direito ao aborto foi instituído pelo judiciário, quando a maioria se alterou, também se alterou o entendimento da corte.

De maneira similar, o Congresso Nacional está rediscutindo o direito ao aborto legal em caso de estupro após a vigésima segunda semana de gravidez. O PL 1904/2024 equipara a realização de aborto nesse caso ao crime de homicídio. Enquanto liberais, é necessário pautar os temas que nos afetam como sociedade e desafiam nossos valores.

O primeiro deles, por exemplo, é a mão pesada do Estado Penal condenando duplamente vítimas de estupro: uma por ter sido violentada sem seu consentimento e outra pela exposição penal por uma decisão que tem caráter moral. Se não há consenso sobre o início da vida, não podemos condenar mulheres e meninas que não queiram dar continuidade a suas gravidezes sobretudo em caso de estupro.

Além disso, está na hora de encararmos a realidade e buscarmos soluções que realmente protejam a vida inquestionável: a da mulher grávida. De acordo com o Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2023, a maioria das vítimas de estupro é de meninas de até 13 anos (61%), sendo a maioria dos casos praticada por familiares. A descoberta da gravidez pode ultrapassar o período limitado pelo Projeto de Lei, uma vez que muitas dessas meninas não têm conhecimento sobre as consequências de um abuso sexual em seu corpo, além de se sentirem ameaçadas e envergonhadas.

Se o PL avançar, mais uma vez, a criminalização do aborto e a sua equiparação ao crime de homicídio só vai penalizar mulheres pobres que buscam procedimentos clandestinos e arriscados, já que para as mulheres que possuem recursos a interrupção da gravidez não passa de um procedimento médico simples, acessível e que vai estar amparado pelo sigilo profissional.

É evidente que a vida já formada da mulher se sobrepõe à “iminente vida” de um feto ou embrião. Essa opinião não é somente minha, como também da filósofa Ayn Rand. Para ela, quem não compreendia e aceitava o direito das mulheres de escolher, pouco ou nada entendia sobre direitos individuais. Afinal, uma gravidez, naturalmente, põe em risco a vida da mulher e nenhuma delas deveria ser obrigada a enfrentar esse risco a contragosto.

A vontade da mãe é essencial para a maternidade: que assim seja feita a sua vontade.

*Izabela Patriota é doutora em Direito pela Faculdade de Direito da USP, com mestrado na mesma área pela  Universidade de Brasília (UnB). Iza atualmente é Diretora de Relações Internacionais no LOLA Brasil. Também já foi pesquisadora no Cato Institute e fellow no Mercatus Center, afiliada a George Mason University

Esse texto faz parte de uma iniciativa do LOLA Brasil de apontar opiniões favoráveis e contrárias ao PL 1904. Essa foi a opinião contrária, clique aqui para ler o artigo de opinião favorável.

Aviso

As opiniões contidas nos artigos nem sempre representam as posições editoriais do Boletim da Liberdade, tampouco de seus editores.

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