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Como parar a hipertrofia do Poder Judiciário? (Parte 1)

STF

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Por Jonathan Mariano*

Tive o prazer de participar do 45º Fórum da Liberdade em Porto Alegre, promovido pelo Instituto de Estudos Empresariais (IEE). Aliás, um belo evento para reforçarmos a direção que desejamos seguir para construir um Brasil mais seguro, próspero e digno.

Além de outros pontos, reputei como principal os debates a respeito do fato de o Poder Judiciário, principalmente o Supremo Tribunal Federal, estar na trajetória de se posicionar inconstitucionalmente como um super poder perante outros Poderes e um controlador da sociedade.

Não terei a pretensão nesse artigo de abordar o controle da liberdade de expressão promovida pela Suprema Corte. Isso ficará para uma oportunidade breve. O meu foco será indicar como parar essa hipertrofia desenfreada do Poder Judiciário.

Para tanto, temos que ir às causas do problema. Muitos são os motivos que levaram o Poder Judiciário a ocupar os espaços de poder dos demais Poderes (Executivo e Legislativo). Poderia apontar cada um dos motivos que repito importantes para chegarmos nesse estágio atual. Todavia, prefiro aprofundar cada um por vez nessa coluna.

Então, caro leitor e cara leitora, me comprometo a regularmente nessa coluna colocar os pontos que considero relevantes. Essa será o “primeiro capítulo” dessa “série”.

Assim como a maioria das mazelas observadas no Brasil, o início se dá no ambiente educacional na divulgação de teses e de ideias. Não seria diferente no ambiente jurídico. O Direito foi, ao longo do tempo, afetado – e ainda o é – por uma teoria denominada neoconstitucionalismo ou constitucionalismo contemporâneo.

Em síntese, essa teoria propaga a ideia de que a Constituição, por ser a norma central do ordenamento jurídico, deve guiar a interpretação das leis, inclusive sob a perspectiva de valores éticos e morais que a norteiam. Quer-se dizer: o Direito passou a receber um influxo mais insistente e constante de uma análise da moral, desde que fosse um valor previsto na Constituição.

Trata-se de movimento surgido após a segunda guerra mundial, diante do terrível e lamentável episódio do holocausto. Isso porque o Terceiro Reich tomou para si a ideia de que o Fuhrer (Hitler) seria o líder supremo da nação para editar regras, as quais, no final das contas, estabeleciam que qualquer raça ou etnia não ariana deveria ser dizimada.

Essa postura do Terceiro Heich levou em conta diversas teorias jurídicas para se construir a legitimidade da autoridade do Fuhrer (Hitler). Entretanto, muitas delas foram aplicadas de maneira equivocada. A principal foi com relação ao positivismo jurídico de Hans Kelsen.

Diga-se equivocada, porque existe uma compreensão errada de que a teoria positivista tem como ideia principal de que o Direito não sofre influxo moral. A bem da verdade, a teoria positivista possui um influxo da moral e da ética constante da norma superposta para a criação da norma posta, de acordo com o processo legal de cada país.

Quer-se dizer: o positivismo jurídico é influenciado pela moral para a criação das regras, não sendo, porém, a mesma moral utilizada em momento posterior, que é a sua interpretação e aplicação.

A falta de clareza quanto a isso levou ao surgimento dessa teoria neoconstitucionalista ou constitucionalista contemporânea em que a moral passa a ser o principal filtro de análise de normas jurídicas aprovadas pelo Poder Legislativo e pelo Poder Executivo.

O neoconstitucionalismo ou o constitucionalismo contemporâneo passa, assim, a dar maior relevância à moral do que às regras aprovadas pelo Parlamento ou pelo Chefe do Executivo. Curiosamente, muitos que são adeptos dessa teoria afirmarão que isso não ocorre, sob o fundamento de que utilizam as normas da Constituição para dar a correta aplicação ou interpretação das regras existentes.

Em verdade, a rotulação de que a moral consta de uma norma da Constituição é um engodo para legitimar a superposição da moral diante do Direito.

A Constituição, em sua essência, é dotada de normas com expressões vagas e suscetíveis de compreensões e conclusões por pessoas diferentes, por variações de cenários de fato e pelo decorrer do tempo. Ou seja, a Constituição é composta por regras que possuem uma adaptação por circunstâncias de tempo, de pessoas e de fatos.

Essa característica revela um cenário de instabilidade e de imprevisibilidade para o avanço de temas essenciais ao país, já que a Constituição passa a ser o filtro de aplicação e de interpretação das regras aprovadas pelos Poderes Legislativo e Executivo, principalmente se levado em conta valores morais e éticos exigidos pelo neoconstitucionalismo ou pelo constitucionalismo contemporâneo.

E quem passa a ser o principal fiel da balança em caso de divergência de análise moral de determinada regra aprovada? É o Poder Judiciário, já que é quem possui, dentro da tripartição de poderes, a função principal de aplicar e de interpretar normas para resolver conflitos de maneira definitiva, sem possibilidade de oposição.

O Poder Judiciário possui a seu favor – e de forma legítima – o pressuposto teórico de que decisões judiciais devem ser cumpridas, ainda que discordemos dela.

Repare, caro leitor e cara leitora, que a criação e a disseminação de uma teoria em ambiente educacional jurídico provocou a difusão da ideia de que as regras aprovadas pelos Poderes Legislativo e Executivo não possuem estabilidade e previsibilidade suficiente quanto à sua existência, validade e eficácia, pois são passíveis de serem reavaliadas pelo Poder Judiciário sob uma perspectiva moral e ética rotulada de filtragem constitucional, de constitucionalização do direito e de interpretação constitucional.

A difusão dessa ideia foi abraçada por diversos autores do Direito mundial e brasileiro, passando a contaminar o ambiente universitário e acadêmico do Brasil para a criação de um estágio em que a moral e a ética passam a ser mais importantes do que as regras aprovadas por um devido processo legislativo.

E aqui reside o problema, tendo em vista que a noção de moral e de ética variará para cada pessoa inserida dentro de um espaço temporal e geográfico. O pior: variará para cada juiz em cada comarca, vara ou seção onde julga os seus processos, a depender de suas experiências pessoais e profissionais.

A vontade de um juiz, desde o primeiro grau até o Supremo Tribunal Federal, passa a ter mais valor do que a de uma maioria parlamentar que aprovou uma determinada regra jurídica em que se diz de forma evidente: ocorrida uma situação X, a consequência será Y.

Por essa razão, o primeiro passo para começar a parar a hipertrofia do Poder Judiciário é disseminar e fortalecer a ideia de que o neoconstitucionalismo ou o constitucionalismo contemporâneo é uma das causas para esse momento de instabilidade e de insegurança que vive o Brasil.

É preciso voltar a fortalecer a ideia de que as regras jurídicas aprovadas por quem foi legitimamente eleito, como deputados, senadores, vereadores, Prefeitos, Governadores e Presidente da República, possui validade e força suficientes para se manterem, sobretudo porque foram aprovadas após um filtro de análise e de interpretação moral e constitucional.

Somente com esse passo voltaremos a balancear a força entre os Poderes da República, legitimando que o Poder Judiciário apenas declare inconstitucional determinada regra se claramente violar um direito fundamental posto na Constituição e desde que haja uma justificativa jurídica – e não moral – para assim agir. Fora isso, qualquer decisão de inconstitucionalidade não será legítima dentro da perspectiva de harmonia entre os Poderes da República.

Esse é o primeiro passo de muitos para pararmos a hipertrofia do Poder Judiciário. Então, fica aqui a exortação de que formemos os nossos estudantes de Direito para reforçarem o compromisso com as regras aprovadas pelos Poderes Legislativo e Executivo, sendo possível apenas o socorro da força e da centralidade da Constituição em hipóteses excepcionais de clara afronta a direito fundamental, sem perder de vista a necessidade de uma fundamentação clara do juiz do porquê de ter agido juridicamente – e não moralmente – dessa forma (fundamentação da decisão judicial).

*Procurador Federal. Ex-Diretor de Programa no Gabinete do Ministro de Minas e Energia (2022). Mestre em Direito e Políticas Públicas (UNIRIO) e em Direito das Cidades (UERJ). Especialista em Direito Administrativo Econômico (PUC-Rio).

Aviso

As opiniões contidas nos artigos nem sempre representam as posições editoriais do Boletim da Liberdade, tampouco de seus editores.

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