Por Kátia Magalhães*
Moraes bloqueia conta bancária de menor de 15 anos
Em mais uma de suas famosas canetadas monocráticas, o ministro Alexandre de Moraes ordenou o bloqueio de conta da filha adolescente do jornalista Oswaldo Eustáquio, preso reiteradas vezes pelo pseudo-crime de “disseminação de desinformação”, e ora considerado foragido, sob condição de asilo no Paraguai. No despacho, o togado afirmou ter “afastado, excepcionalmente, garantias individuais”, para evitar que o ativo financeiro fosse empregado como “escudo protetivo para a prática de atividades ilícitas”. Do início ao fim de mais esse thriller de terror, uma sucessão de arbítrios e erros jurídicos crassos.
A começar pelo fato de que o pai da menor foi mais um dos dissidentes do regime luloalexandrino, a ter sido investigado em virtude de meras opiniões, por um supremo incompetente para julgar alguém desprovido de foro privilegiado. Outrossim, o togado incorreu em violação flagrante ao princípio segundo o qual a pena não pode ultrapassar a pessoa do condenado. Pisoteando essa norma vigente em todas as democracias liberais, inclusive na que deveria ser a nossa, Moraes impôs uma sanção, bastante gravosa por sinal, a alguém que sequer constava como ré no processo, e que nem poderia sê-lo, devido à sua condição de menor, e, portanto, legalmente incapaz de figurar como agente de crimes. E Moraes ainda deu as costas ao Estatuto da Criança e do Adolescente, por força do qual a tomada de providência passível de comprometimento do sustento de uma adolescente exigiria, pelo menos, a ciência e o consentimento do ministério público.
Por fim, segundo a Constituição que o magistrado deveria guardar, o afastamento das garantias individuais somente pode ser decretado em situações verdadeiramente excepcionais de estado de defesa ou de sítio, casos, porém, em que a excepcionalidade tem de ser decretada pelo presidente da república, e, ainda assim, ouvidos o conselho da república, o conselho de defesa nacional e o congresso. Será que Moraes, de um dia para o outro, tomou assento no Planalto, consultou todos esses órgãos e eu nem fiquei sabendo?
Certo é que, em seu habitual desrespeito a todos os cânones de um Estado de Direito, o togado condenou uma menor inocente à penúria, ou à mendicância de favores. Faceta para lá de cruel da nossa “democracia relativa”.
Mais Moraes: Facebook intimado a apresentar vídeo de Bolsonaro
Acatando pedido da PGR, o togado intimou a Meta (controladora do Facebook) a apresentar vídeo postado por Jair Bolsonaro após os eventos do 08.01, sob pena de multa diária de R$ 100 mil. Do alto de sua potestade, tornou a desconsiderar a liberdade de expressão dos usuários das redes, assim como o princípio da legalidade estrita, segundo o qual alguém só pode ser obrigado a fazer, ou a deixar de fazer algo por força de dispositivo legal. Porém, quando a única intenção consiste na criação das narrativas mais mirabolantes para práticas isoladas de crime de dano, as “autoridades” de toga deixam de se importar com leis e garantias individuais.
Para o Supremo, Correios podem abrir correspondência sem ordem judicial
Por falar em garantias, o tribunal modificou seu próprio entendimento formado em 2020, e acolheu recurso da PGR para permitir que Correios e governo abram correspondências sem prévia autorização judicial, nas hipóteses de suspeita da prática de crimes. No entanto, de acordo com dispositivo textual da nossa lei maior, os sigilos postal e telefônico são elencados no rol das garantias individuais, razão pela qual sua inviolabilidade somente pode ser afastada por ordem de uma corte de justiça, e na forma estabelecida, em lei, para fins de investigação criminal e produção de provas.
Ora, nem precisa ser muito letrado para compreender que a abertura legítima de correspondência alheia se subordina a dois requisitos: determinação judicial e observância à forma prevista em legislação para tanto. Contudo, mais uma vez, a corte que deveria ser constitucional deleta trecho relevante da Constituição, e torna seu julgado uma nova “lei” sobre a matéria. Não contente, ainda confere a uma empresa pública e a uma entidade governamental poderes investigativos no âmbito da privacidade, gerando, no seio do governo e de um de seus braços empresariais, uma verdadeira “polícia” responsável por vasculhar ideias, impressões, e dados da vida dos outros. Assim costumam surgir as polícias políticas em regimes opressivos.
Adiado o julgamento sobre a Lei das Estatais
Após manifestação do ministro André Mendonça, que havia votado pela validade da Lei das Estatais, seu colega Nunes Marques pediu vista, deixando em aberto a delicadíssima matéria em torno das nomeações políticas para cargos de direção em empresas controladas pelo governo. Ainda no início do ano, o então togado Lewandowski, nos autos de ação proposta pelo PC do B, havia, mediante canetada monocrática, determinado a suspensão de lei. Como você deve recordar, a chamada Lei das Estatais, aprovada no congresso e sancionada pelo executivo, impunha uma quarentena de 36 meses para indicações, à diretoria de estatais, de políticos e figuras ligadas a siglas partidárias.
A exigência, discutida e deliberada por representantes eleitos, havia sido uma resposta ao clamor manifestado pelos eleitores, após a revelação, nos anos lavajatistas, dos elos espúrios entre partidos e seus “moleques de recado”, colocados à frente de empresas do Estado com a mera finalidade de promoverem desvios de recursos públicos. Porém, o partido comunista, um dos braços auxiliares do lulopetismo, incomodado diante de tamanho “rigor”, judicializou o caso, embora tenha sido incapaz de apontar uma única inconstitucionalidade efetiva na lei questionada. Por óbvio, Lewandowski, indiscutivelmente próximo ao MST e a demais movimentos esquerdistas, houve por bem, em um único documento, rasgar todo o trabalho dos demais poderes e a própria vontade popular.
Diante do pedido de vista de Nunes Marques, segue em vigor a liminar do ex-magistrado. E, à sua sombra, continuam em seus cargos certos potentados como Aloisio Mercadante (presidente do BNDES) e Paulo Câmara (presidente do Banco do Nordeste), que, de acordo com a Lei das Estatais, não poderiam sequer ter sido nomeados. Desrespeito à separação dos poderes e insegurança jurídica: esses são alguns dos vários frutos venenosos colhidos a partir de decisões monocráticas que, a “critério” de um ou outro togado, negam vigência a leis regularmente promulgadas. Urge combater mais essa fonte de arbítrios!
Nunes Marques e seu beneplácito a desembargadores suspeitos de envolvimento em desvios
O togado votou pela anulação de pena imposta, pelo CNJ, a três desembargadores que teriam desviado verba pública em benefício de uma loja maçônica. Em 2010, o conselho havia punido 10 magistrados do TJ/MT, envolvidos em esquemas de desvios superiores a R$ 1,4 milhão, e que teriam sido, então, “condenados” à aposentadoria compulsória. Por incrível que pareça, essa é a nossa punição mais gravosa para magistrados um tanto inclinados à delinquência.
Examinando apelo dos juízes mato-grossenses, Nunes Marques entendeu que o quadro revelaria “desproporcionalidade entre a conduta do autor, as circunstâncias apontadas e a sanção imposta”, e reintegrou os togados aos seus postos. A impunidade e o corporativismo continuam sendo vícios tipicamente nacionais.
STF autoriza o pagamento de precatórios fora do teto de gastos
Acatando solicitações da AGU, formuladas nos autos de ações propostas pela OAB e pelo PDT respectivamente, os togados, por ampla maioria (9 a 1), acompanharam o voto do relator, ministro Luiz Fux, permitindo ao governo federal requisitar a abertura de crédito extraordinário para o pagamento do estoque das dívidas judiciais, cujo valor estimado, para pagamento no ano de 2023, monta a R$ 95 bilhões. Na mesma sessão onde decidiram não incluir a verba no cálculo das atuais metas fiscais, os supremos ainda declararam inconstitucional o teto de gastos para precatórios, estipulado pela então presidente Bolsonaro, em 2021, e aprovado pelo congresso, com vistas ao cumprimento das metas.
Como de hábito, não se tratava de uma discussão constitucional, a única que deveria ocupar o precioso tempo dos supremos. O caso dizia respeito a uma manobra para flexibilizar os limites do gasto público, ou seja, a um juízo político – ou seria politiqueiro? -, evitando “problemas” para os atuais assentados no executivo, e podando, desde já, eventuais acusações de desrespeito à meta fiscal. Não à toa, o governo festejou a decisão de seus juízes de cúpula. A cada dia, padecemos mais com a gastança desenfreada e com as “gentilezas” trocadas entre os donos do poder.
Fux autoriza abertura de inquérito sobre suposta “rachadinha” de Janones
A pedido da PGR, o ministro Fux decidiu abrir investigações para a apuração de suposto crime por parte do deputado federal André Janones (Avante-MG). Em áudios viralizados na internet, o parlamentar teria cobrado a devolução de parte dos salários de assessores, a pretexto de ajudá-lo a cobrir gastos com sua campanha.
A banalizada prática de “rachadinha” configura, na verdade, crime de peculato, cujos indícios têm de ser examinados com o devido rigor, tanto no gabinete de Janones quanto em todos os gabinetes de legisladores suspeitos, em todos os âmbitos da federação.
Em carta a Barroso, associação de magistrados critica fala do presidente da OAB/MG
Parece ter causado desconforto o discurso corajoso de Sérgio Leonardo, presidente da seccional mineira da Ordem, durante a 24ª Conferência Nacional da Advocacia, onde o causídico apontou o dedo contra vários excessos recentes do judiciário. Em comunicado aberto ao ministro Barroso, a Associação dos Magistrados Mineiros – Amagis repudiou a fala do causídico anfitrião, que, na opinião dos togados, teria “desprezado a elegância no tratamento e a dignidade das pessoas.”
Caberia indagar à Amagis onde ficaria, por acaso, o espaço da liberdade de expressão do Dr. Leonardo, que, longe de ter verbalizado ofensas pessoais, apenas trouxe à baila fatos e relatos de casos. E ainda se poderia perguntar aos magistrados mineiros qual seria o verdadeiro significado do dispositivo do Estatuto da OAB, segundo o qual não existe hierarquia entre advogados, juízes e promotores.
Em tom de fofoca entre comadres, a missiva da Amagis pode ser enxergada como intimidação ao Dr. Leonardo e a todos os causídicos do Estado, e como bajulação da cúpula judiciária. E ainda deturpou citações dos grandes Sobral Pinto e Guimarães Rosa. É dessa forma que a magistratura pretende angariar legitimidade e credibilidade junto à população?
STJ: prisão preventiva “flexibilizada”
“O decreto de prisão preventiva deve indicar fatos concretos e contemporâneos que demonstrem o perigo da liberdade do indiciado.” Com base nesse entendimento, o ministro Sebastião Reis Júnior, em canetada monocrática, revogou a prisão preventiva de dois homens, que haviam praticado roubo com grave ameaça à vítima, mediante o uso de faca.
Contrariando as posturas do juízo de primeira instância e do TJ/SP, que haviam mantido o acusado detido, o togado de cúpula deliberou que a fundamentação para a prisão teria sido genérica e insuficiente, “pois se limitou a descrever o uso de uma faca, situação essa incapaz de deflagrar a necessidade de ordem pública.” Se o uso de faca para ameaçar uma vítima não justifica o afastamento de um indivíduo, não sei o que mais possa autorizar o isolamento de alguém do convívio social.
Mais STJ – Posse de 1 kg de cocaína não justifica prisão
Por maioria, a 6ª Turma da corte concluiu que, apesar de ter sido encontrado de posse de 1 kg de entorpecente, o acusado poderia ter sua prisão preventiva convertida em medidas cautelares, como, por exemplo, o uso de tornozeleira eletrônica. Cada vez mais “complacentes” com a criminalidade, em particular, com os agentes de delitos relacionados à distribuição de narcóticos, nossos togados se encaminham para banalizar a circulação de drogas pelo tecido social, e para mitigar e até eliminar punições ensejadas por esse mercado ilícito. Até talvez se sobreporem ao legislador, revogando a atual Lei de Drogas. Coisas futuras, e cada vez mais estapafúrdias…
TST x agro
A 3ª Turma do TST manteve a condenação de empresa agropecuária a indenizar, em R$ 50 mil, a mãe de vaqueiro falecido após ter sido atingido por raio, enquanto exercia suas funções laborais. No entendimento dos togados, a corporação teria sido negligente, pois o capataz da fazenda deveria ter paralisado toda a atividade produtiva, logo no início do temporal.
Muitas decisões da cúpula judiciária, incluindo esta, têm sido desafios constantes a um mínimo de razoabilidade. Ora, raios, trovões, temporais, trombas d’água e análogos são exemplos clássicos de fatos da natureza, ou seja, de episódios de caso fortuito ou força maior, que o idioma inglês tão bem designa como “acts of god”. Em que pesem as contribuições da meteorologia, ninguém consegue prever, com exatidão milimétrica, os locais de incidência de descargas elétricas. E é por isso mesmo que, em casos dessa natureza, imprevisíveis e inevitáveis, não há que se atribuir responsabilidades a qualquer ser humano.
Contudo, para a maioria de nossos magistrados trabalhistas, é plausível desconsiderar até os princípios da responsabilidade civil para impor ônus a empregadores, vistos como “exploradores” do proletariado e do campesinato. Sobretudo a patrões do setor agropecuário, que, apesar de ser a “locomotiva” do país, costuma ser encarado como o grande vilão. Insanidade de quem ainda se deixa iludir por mistificações ideológicas ultrapassadas.
TSE fecha acordo com a Anatel para “combater” fake news nas Eleições de 2024
O presidente da corte assinou um acordo de cooperação técnica com a Agência Nacional de Telecomunicações – Anatel para diligenciar a pronta remoção de sites “identificados” como disseminadores de notícias falsas. Durante a cerimônia de assinatura, Moraes destacou “o TSE dará atenção especial ao uso de inteligência artificial por parte de “milícia digitais”, que, segundo ele, disseminam informações falsas para interferir nas eleições.” Na terra onde liberdade de expressão se tornou um mero sonho, ficamos todos à mercê daqueles que invocam para si o poder de diferenciar o verdadeiro do falso, e que, para tanto, recorrem aos mais diversos critérios “de foro íntimo”.
Se já vivenciamos a mais explícita censura durante a corrida de 22, que estejamos preparados para as agruras do próximo ano.
Censura de reportagem sobre corrupção na Assembleia Legislativa do Paraná
No âmbito das proibições togadas à divulgação de informações, a juíza Giani Maria Moreschi, durante o plantão judiciário de Curitiba, retirou do ar, por liminar, reportagens publicadas nos veículos RPC, G1 e jornal Plural, referentes à delação premiada do empresário Vicente Maluccelli sobre malfeitos de figuras da Assembleia Legislativa do Paraná – Alep.
Segundo a magistrada, que impôs a vedação sob pena de multa diária de R$ 50 mil, não haveria que se falar em censura, pois o processo “tramita em segredo de justiça”. Argumento, porém, nada convincente, na medida em que são os agentes responsáveis pelas investigações (polícia e ministério público) que têm de contar com a expertise necessária à manutenção, em sigilo temporário, dos dados mais delicados, cuja exposição realmente viesse a comprometer o curso do inquérito. A obrigação de confidencialidade não atinge a imprensa, e, nesse caso específico, sequer haveria que se falar segredo, pois o acordo de colaboração já havia sido consumado e produzido seus efeitos.
Assim, não havendo qualquer prejuízo à apuração dos fatos, a liminar caracterizou, sim, um atentado à liberdade de expressão e à de imprensa. Além de ter privado o cidadão comum, eleitor, do acesso a informações relevantes sobre as figuras políticas de seu Estado, com nítido comprometimento para sua capacidade de escolha nas urnas. De cima para baixo, a regra no ambiente togado vem se tornando o sigilo – sendo a transparência uma honrosa exceção -, mediante a imposição de sombras ao redor de fatos que deveriam ser escancarados aos pagadores de impostos. Mais um rasgão à Constituição, e às normas básicas de ética e moralidade públicas.
*Kátia Magalhães é advogada, liberal e apaixonada por arte e cultura.