Por Rafael Moredo*
Mais uma eleição se aproxima e mais uma vez os parlamentares se apressam para aprovar mudanças nas regras do pleito. Desde a redemocratização, o Brasil nunca teve duas eleições seguidas com as mesmas regras eleitorais. Sempre que se aproxima o prazo de aprovação para que as mudanças estejam valendo na próxima eleição, deputados e senadores correm para mudar a legislação, quase sempre para legislar em causa própria, ampliando seus privilégios e dificultando a punição para crimes cometidos durante as eleições.
Este ano, não é diferente. O Congresso vem discutindo uma série de projetos de alteração no Código Eleitoral às pressas, já que a lei eleitoral estipula que mudanças nas regras do jogo devem ocorrer com pelo menos um ano de antecedência às eleições, ou seja, tudo precisa ser aprovado até dia 6 de outubro. Isso coloca um prazo apertado para as discussões e análises adequadas dessas propostas.
O já mencionado conjunto de mudanças proposto pelos parlamentares é, na realidade, um desmonte dos mecanismos de fiscalização das eleições e de combate à corrupção, piorando as condições de acompanhamento e dificultando a participação democrática da nossa sociedade.
Um dos pontos centrais do pacote é o PL 4438/2023, popularmente chamado de “Minirreforma Eleitoral”, mas que não tem nada de “mini” e nem de “reforma”. Muitas das mudanças previstas no texto levantam preocupações, como o afrouxamento do processo de prestação de contas dos partidos políticos e a ampliação das possibilidades de uso de recursos públicos para cobrir despesas pessoais dos candidatos, reduzindo a transparência e o acesso à informação por parte dos eleitores.
Além disso, os parlamentares também avançam uma flexibilização na Lei da Ficha Limpa, através do PL 192/2023, que reduz significantemente o tempo de inelegibilidade de políticos condenados e ainda cria o risco de termos candidatos elegíveis, condenados, concorrendo de dentro de prisões, ou usando tornozeleira eletrônica. Esse projeto, sozinho, tem o potencial de prejudicar ainda mais a já baixa confiança dos eleitores nas instituições democráticas. A facilitação da candidatura de políticos cassados ou condenados também pode piorar a percepção da corrupção do Brasil no mundo. Segundo o Índice de Percepção da Corrupção, o Brasil ocupa a 94ª posição no ranking global.
Outro ponto preocupante desta “farra eleitoral” é a PEC da Anistia (PEC 9/2023), que pretende, como o nome sugere, anistiar partidos políticos que tenham descumprido regras da eleição passada, concedendo um perdão bilionário aos partidos. A aprovação dessa PEC contribuiria para o aumento da insegurança jurídica, que também já é elevada no Brasil.
Estamos vivendo um período de recessão democrática não apenas no Brasil, mas em todo o mundo. O relatório Democracy Report 2022 do V-Dem Institute aponta que o nível democrático global retrocedeu 30 anos, retornando aos patamares de 1989. O Brasil vem tendo sua nota reduzida constantemente pelo indicador do V-Dem nos últimos anos e este pacote não ajuda em nada a colocar o Brasil de volta aos trilhos de fortalecimento da democracia. Muito pelo contrário, as mudanças constantes na legislação eleitoral, a flexibilização de mecanismos anticorrupção e a não responsabilização de partidos que tenham cometido irregularidades só tornam o país mais instável e inseguro.
A preservação da integridade do sistema eleitoral e a garantia da responsabilidade dos atores políticos são essenciais para manter a confiança dos cidadãos nas instituições democráticas e promover uma participação mais robusta da sociedade civil na construção do futuro político do país. Portanto, é fundamental que esses três projetos de lei sejam veementemente rejeitados no Senado e que nós, como sociedade, continuemos a defender eleições transparentes e a possibilidade de responsabilização de partidos e candidatos que cometam crimes.
*Rafael Facure Moredo é estudante de Relações Internacionais na FGV e analista de relações governamentais do Livres.