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Leis e Liberdade: como a legislação pode nos tornar mais livres?

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Por Lorena Mendes

Entender que a responsabilidade é intrínseca à liberdade é essencial. Partindo dessa premissa, é possível compreender que a responsabilidade depende de princípios, os quais, num governo, são representados pelas leis que o regem – sejam elas boas ou ruins. Uma legislação que proteja os direitos dos indivíduos assegura sua liberdade na mesma medida que uma legislação que proteja apenas os que detém o poder mantém suas posições.

O que é o Estado de Direito?

O Estado de Direito, ao longo da história, passou por diversas definições. Para fins de entendimento do presente artigo, tomaremos a definição de Hayek¹. Para ele, a lei deveria ser geral, abstrata e prospectiva, impedindo que o legislador pudesse escolher arbitrariamente uma pessoa para ser alvo de sua coerção ou privilégio. Outro ponto é que a lei deveria ser conhecida e certa, para que os cidadãos pudessem fazer planos – fator que Hayek defendia como um dos principais a contribuírem para a prosperidade no Ocidente.

Além disso, Hayek defendia uma aplicação equânime a todos os cidadãos e agentes públicos, a fim de que os incentivos para editar leis injustas diminuíssem. Nesta mesma linha, deveria haver uma separação entre aqueles que fazem as leis e aqueles com a competência para aplicá-las, sejam juízes ou administradores, para que as normas não fossem feitas com casos particulares em mente; daí a separação de poderes, que também contribuia para a possibilidade de revisão judicial das decisões discricionárias da administração para corrigir eventual má aplicação do Direito. A legislação e a política, por sua vez, deveriam ser também separadas, sendo a coerção estatal legitimada apenas pela legislação, a fim de prevenir que ela fosse destinada a satisfazer propósitos individuais. Por fim, deveria haver uma carta de direitos não taxativa para proteger a esfera privada.

Dessa forma, a concepção de Estado de Direito defendida por Hayek engloba uma noção estrita da separação de poderes e a existência de direitos liberais que protejam a esfera privada, moldada assim para servir como um instrumento de proteção da propriedade privada e da economia de mercado.

Qual a função da lei?

A função da lei pode ser facilmente definida como normas que asseguram a justiça no local em que é aplicada. Mas nessa definição adentramos em outro problema: o que é justiça?

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A justiça possui ainda mais definições do que o Estado de Direito, sendo estudada desde a Grécia Antiga. Aqui, usaremos a definição extraída justamente de um dos maiores filósofos dessa época: Aristóteles².

A justiça para Aristóteles é uma virtude (areté) prática ou moral, da mesma forma, por exemplo, que a coragem e a temperança. As virtudes éticas são hábitos que, como tais, se adquirem pela experiência. Não são extraídas de conceitos universais e estáticos. Dentre todas as virtudes, a justiça seria a “maior das virtudes”, pois a pessoa que a possui pode exercer sua virtude não só em relação a si mesmo, como também em relação ao próximo.

Assim, a justiça é uma virtude relacional, é exercida tendo em conta a existência do outro, o que revela a dimensão profundamente ética do conceito de justiça. O melhor dos homens, diz Aristóteles, não é o que o exerce a sua virtude em relação a si mesmo, mas em relação a um outro, pois esta é a tarefa difícil. O justo será o meio-termo, uma espécie de termo proporcional, ideia que se associa à de justiça distributiva. Para Aristóteles, estava claro que tanto o homem como o ato injusto são desonestos ou maus.

Assim, existe também um ponto intermediário entre as duas iniquidades existentes em cada caso. E esse ponto é a equidade, pois em cada espécie de ação em que há o mais e o menos, há também o igual. Se, então, o injusto é iníquo, o justo é o equitativo, e como o igual é o ponto intermediário, o justo será o meio-termo. O justo deve ser intermediário, igual e relativo. As ideias de igualdade e de proporcionalidade compõem, então, o conceito de justo em Aristóteles. No entanto, se as pessoas não são iguais não devem receber coisas iguais. O critério de desigualação é o mérito – as distribuições devem ser feitas de acordo com o mérito de cada um. Daí a noção de que devemos tratar os desiguais na medida de sua desigualdade. A aplicação da justiça no Brasil.

Com base nessas definições, podemos passar a analisar como a justiça atua no Brasil. De antemão já é possível notar que o poder estatal no Brasil possui divisões, sendo o legislativo responsável por fazer as leis, o executivo por aplicá-las e o judiciário por regular os conflitos gerados na aplicação delas.

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O que ocorre no país, contudo, é uma quantia exacerbada de leis com pouca utilidade, fazendo com que a complexidade da legislação seja alta, mas sua eficácia baixa, possuindo “brechas” que geram uma instabilidade da justiça brasileira.

Esse exagero de normas ineficazes ocorre por uma falta de interesse político em realmente fazer o necessário para proteger seus cidadãos, preocupando-se mais em promulgar novas leis do que em aplicar corretamente as já existentes – o que incha consideravelmente o poder judiciário com processos e causas se empilhando graças à burocracia envolvida. Quais leis promoveram a liberdade no Brasil?

Como nem tudo são críticas, é importante salientar que o Brasil deu largos passos em direção à liberdade de seus indivíduos. Com mais anos de governo autoritário do que democracia – sendo essa, por vezes, falha – houve uma crescente preocupação desde 1985 para criar leis que protejam melhor os brasileiros.

Talvez uma das normas mais conhecidas e mais citadas de todo nosso conjunto de leis é o Artigo 5º de nossa Constituição Federal, promulgada em 1988. Contando com um rol de 79 incisos, o artigo visa proteger justamente os direitos individuais dos brasileiros, sendo um dos maiores avanços legislativos do pós-ditadura.

Outra importante lei para evitar o autoritarismo foi a Lei nº 12.527, de 18 de novembro de 2011, conhecida como Lei de Acesso à Informação, que regula o acesso às informações do governo, tornando as ações estatais públicas e evitando – ao menos em teoria – algum abuso de poder.

O Código Civil de 2002 foi outro importante avanço, principalmente ao se verificar que o código que o antecedeu data de 1916, ou seja, era um retrato de outra época, com valores que não mais representam a população. Assim, trazendo garantias não só individuais mas também em setores como o das empresas privadas, visando uma melhor negociação e reconhecendo a importância das empresas para o fluxo econômico do país.

A própria Constituição Federal vigente, conhecida como constituição cidadã, recebe esse nome justamente por ser a mais democrática que tivemos até o momento, representando os valores do país e protegendo a liberdade daqueles que vivem no Brasil.

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Assim, a legislação é de suma importância para tornar os indivíduos mais livres, visto que é ela que detém o poder para definir se o país terá um rumo mais autoritário ou em prol da liberdade; é ela quem define o proibido e o aceito, sendo este o grande motivo para termos grande cautela com os futuros projetos de lei e com o que estamos aceitando como “correto” no Brasil.

Referências Bibliográficas:
Estado de Direito. Enciclopédia Jurídica da PUCSP. 01 abr. 2017. Disponível em:
https://enciclopediajuridica.pucsp.br/verbete/78/edicao-1/estado-de-direito. Acesso em: 17
ago. 2023.
ALVES, Rogério Pacheco. O Conceito de Justo em Aristóteles. Disponível em: https://www.mprj.mp.br/documents/20184/1238340/Rogerio_Pacheco_Alves.pdf. Acesso em: 17 ago. 2023.

Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em 18 ago. 2023. BRASIL. Lei nº 12.527, de 18 de novembro de 2011. Regula o acesso a informações previsto no inciso XXXIII do art. 5º , no inciso II do § 3º do art. 37 e no § 2º do art. 216 da Constituição Federal; altera a Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990; revoga a Lei nº 11.111, de 5 de maio de 2005, e dispositivos da Lei nº 8.159, de 8 de janeiro de 1991; e dá outras providências. Brasília, DF: Diário Oficial da União, 2011. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2011/lei/l12527.htm. Acesso em: 18 ago. 2023.

BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, ano 139, n. 8, p. 1-74, 11 jan. 2002. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406compilada.htm. Acesso em: 19 ago. 2023.

Notas de fim:

¹ Friedrich August von Hayek foi um polímata austríaco, posteriormente naturalizado britânico. É considerado um dos maiores representantes da Escola Austríaca de pensamento econômico. Foi defensor do liberalismo clássico e procurou sistematizar o pensamento liberal clássico para o século XX.

² Aristóteles foi um filósofo e polímata da Grécia Antiga. Ao lado de Platão, de quem foi discípulo na Academia, foi um dos pensadores mais influentes da história da civilização ocidental.

Aviso

As opiniões contidas nos artigos nem sempre representam as posições editoriais do Boletim da Liberdade, tampouco de seus editores.

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