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A Água da Casa no STF

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Está nas mãos do Ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF), a decisão sobre a constitucionalidade da lei que obriga estabelecimentos comerciais, como bares e restaurantes, a anunciar e ofertar água filtrada gratuitamente aos seus clientes.

A lei aprovada em 2020 pela Câmara de Vereadores de São Paulo e derrubada pelo Tribunal de Justiça do estado, chegou ao Supremo após apelação da procuradoria da casa legislativa. A história que começa com a interferência arbitrária do poder legislativo sobre a livre iniciativa termina no péssimo uso do poder judiciário. Como dizem -e já que falamos em bebidas- é puro suco do Brasil.

Em um país onde se respeita os limites impostos pela Constituição ao poder dos legisladores, e onde se entende o papel da competição na economia, a Lei da Água da Casa não teria existido, e muito menos teria escalado instâncias judiciais até o Supremo.

Se é inegável a importância da água potável, essa é uma questão apenas tangente ao tema em discussão. O cerne do debate está na forma como o Estado decide intervir no âmbito privado, impondo obrigações que acabam por afetar o exercício da livre iniciativa e prejudicar aqueles que se aventuram em empreender.

Nós vivemos numa sociedade curiosa: não confiamos quase nada nos políticos, mas a eles entregamos poderes para decidir sobre quase tudo. O Edelman Trust Barometer, pesquisa que mede a confiança do cidadão em instituições como mídia, governo, empresas, e ONGs, mostrou no ano passado que apenas um quarto dos brasileiros confia nas autoridades governamentais. Apesar disso, nós raramente nos perguntamos se uma questão que nos incomoda precisa mesmo ser tratada pela força da lei, sob a liderança de seus principais formuladores –os políticos.

Mesmo que muitas vezes não ajam por mal, os políticos são vítimas de uma fraqueza humana. Como a maioria de nós, eles tendem a superestimar os benefícios e subestimar as consequências indesejáveis das suas próprias ideias. É certo que os vereadores não desejavam diminuir receitas e gerar despesas para o setor de bares e restaurantes. Pelo contrário: desejavam declaradamente aumentar a proteção ao meio ambiente, reduzir o valor final da conta dos clientes, e imaginavam até gerar benefícios aos estabelecimentos, com o efeito que a água grátis surtiria sobre a atração de novos clientes.

Mas legislações devem ser avaliadas pelos seus resultados, não pelas suas intenções. Na prática, a Lei da Água da Casa retira um produto do cardápio dos bares e restaurantes e põe um produto similar na mesa do cliente. Como é tipico nas benesses concedidas pela caneta legislativa, faltou combinar com os comerciantes –ou seja, com quem acabaria pagando a conta.

Em outro aspecto adicional, a questão revela também uma preocupante concentração de decisões, mesmo as de relevância diminuta, na corte constitucional do país. Mesmo com uma corte de magistrados perfeitos, de ministros imunes a vaidades, ambições e outros defeitos demasiado humanos, o Supremo encontraria dificuldades para não extrapolar os limites dos seus poderes, ao ser instado a emitir aproximadamente 100 mil decisões por ano. Tal fenômeno sobrecarrega o STF, envolve a corte em temas alheios à guardiã da Constituição, contribui para a erosão da confiança nas instituições e alimenta a percepção de que o poder judiciário está excessivamente envolvido em questões que não lhe competem.

Ao invés de estimular a participação e promover o diálogo entre os diferentes atores envolvidos no debate, o caso da Lei da Água da Casa evidencia um traço peculiar da cultura política brasileira: a tendência à hiper-regulamentação e a busca incessante por soluções estatais para problemas que, muitas vezes, poderiam ser resolvidos por meio da negociação e da autorregulação advinda da competição.

Em uma economia livre, a decisão sobre quais ítens do cardápio passam a ser gratuitos deve caber aos que investem e trabalham no setor afetado. Eventuais debates legislativos sobre o tema deveriam ser tratados nas casas legislativas locais, onde se poderia analizar com mais precisão o impacto da ideia no setor. Diagnosticada a retirada de receita sem correspondente compensação ao setor privado, a ideia acabaria por morrer muito antes de ocupar a pauta do Supremo Tribunal Federal, como mais uma tentativa política de burlar a Lei do Almoço Grátis -que segue sem existir.

O Brasil não precisa de mais leis, mas sim de um ambiente de negócios mais propício à inovação e à criatividade, que abra espaço para a liberdade de escolha dos empreendedores e dos consumidores, e promova espaços de cooperação e inovação, capazes de garantir um país com menos criatividade legislativa e mais prosperidade e justiça.

*Magno Karl é cientista político e diretor executivo do Livres

Aviso

As opiniões contidas nos artigos nem sempre representam as posições editoriais do Boletim da Liberdade, tampouco de seus editores.

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