Quando decidiu convocar os chefes de missão diplomática, no último dia 18, para “alertar” sobre a insegurança do sistema de urna eletrônica no país, o presidente Jair Bolsonaro lançou mão, mais uma vez, da estratégia de desacreditar do nosso processo eleitoral. Esse fato, por si só, mostra o quanto o presidente está distante dos interesses do país, desonrando internacionalmente a imagem do Brasil em nome de seus próprios objetivos políticos.
Para além da explícita falta de ética e da atitude inconsequente de um líder acuado pelas pesquisas eleitorais – que também insiste em desmerecer -, ao promover tal evento, Bolsonaro também passou por cima da legislação eleitoral e pode ter cometido crimes de responsabilidade e injúria.
Pelo local – o palácio-residência do Chefe de Estado -, pelas presenças ministeriais, pelos convites oficiais aos embaixadores e pela transmissão ao vivo pela TV Brasil, até poderia ser um ato oficial da Presidência da República, embora completamente avesso aos protocolos. Porém, pelo tema apresentado na reunião e pelo fato de ser promovido em prédio público, com uso de funcionários públicos e de recursos do Estado, o encontro ainda se configura como um comício eleitoral realizado fora do período legal de propaganda, que começa a valer apenas a partir do dia 16 de agosto.
Em seu discurso aos chefes de missão diplomática, Bolsonaro injuriou e caluniou os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Luís Roberto Barroso, Luiz Edson Fachin e Alexandre de Moraes, insinuando uma suposta ligação deles com o ex-presidente Lula, seu maior rival nas próximas eleições.
No encontro, Jair Bolsonaro não se limitou a insistir em desmoralizar o sistema de votação eletrônica adotado no Brasil desde 1996, já testado e aperfeiçoado ao longo desses 26 anos, sem que jamais houvesse sido comprovada qualquer possibilidade de fraude. Ele foi mais longe: ameaçou com a não realização das eleições de 2 de outubro caso o sistema não seja alterado pelo TSE.
Para o presidente, o voto eletrônico sem impressão abriria as portas à fraude. Mas a propósito, vale lembrar que o STF já declarou, em sessão plenária, na ADI 5899-MC (julgada em 16/09/2020), ser inconstitucional a impressão de voto eletrônico, por violação do sigilo do voto. Certamente, Bolsonaro ignora esse julgado por escolha e interesse. Além disso, a eleição eletrônica sem impressão já foi definida por lei, há anos. E o art. 16 da Constituição Federal estabelece que “a lei que alterar o processo eleitoral só entrará em vigor um ano após sua publicação”. Assim, nem por lei se poderia viabilizar o voto impresso para este ano eleitoral.
Menos de 24 horas após a reunião, a Embaixada dos Estados Unidos divulgou nota oficial afirmando que “as eleições brasileiras conduzidas e testadas ao longo do tempo pelo sistema eleitoral e instituições democráticas servem de modelo para as nações do hemisfério e do mundo”. Em sentido semelhante pronunciou-se o embaixador da Suíça, em redes sociais. E da Faculdade de Direito do Largo São Francisco, organizou-se um manifesto que defende o processo eletrônico e critica ataques infundados ao sistema eleitoral, a Carta em Defesa do Estado Democrático de Direito, assinada, até o momento, por mais de 360 mil pessoas.
Como se vê, o Presidente da República fracassou em sua tentativa de desmoralizar internacionalmente nosso sistema eleitoral, e colocar sob suspeita o resultado das eleições. Tudo não passou de um vexame diplomático, protagonizado por um candidato que parece temer o que as urnas dirão. Foi apenas mais um episódio de uma narrativa que Bolsonaro vem tentando construir há meses. Mas estamos atentos: nossa democracia e o estado de direito devem ser defendidos sempre, em qualquer circunstância.