*André Marchesi
Todos os dias da terrível crise sanitária que enfrentamos, somos bombardeados por notícias, a maioria delas negativa. Além das mortes, que devem, sim, ser lamentadas, acompanhamos diversos setores da economia debaterem-se, agonizarem, e virem a óbito.
Setores como o de viagens, hotelaria, alimentação e eventos, que tentaram se reinventar e endureceram o uso de protocolos sanitários, ainda assim pouco conseguiram reagir frente às perdas sofridas. A taxa de desemprego na economia brasileira, de pessoas que efetivamente procuram emprego e não o encontram, que saltou para 13,5% da população em 2020, ocupando a 22ª colocação em nível mundial, segundo o IBGE, deve alçar o país à 14ª posição mundial em 2021, com 14,5% de desempregados, um contingente de 14,3 milhões de pessoas.
Em meio a esse cenário crítico, um deserto seco e árido em termos econômicos, eis que se visualiza um oásis. Suas opulentas palmeiras dão sombra aos seus ocupantes, protegendo-os do forte sol que assola o restante da população, e a água fresca exubera. Trata-se do oásis do funcionalismo público brasileiro.
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Segundo a PNAD (Pesquisa Nacional de Amostra de Domicílios Contínua), divulgada em março de 2021, havia no setor privado 33,6 milhões de pessoas com carteira assinada, 38 milhões de trabalhadores informais, e 14,3 milhões de desempregados. Somado, esse contingente perfaz 86 milhões de brasileiros. “Contra” estes, estão os servidores públicos, que somam 11,4 milhões de brasileiros.
O governo tenta mitigar os impactos econômicos, equacionando programas públicos de transferência de renda para os mais necessitados (programas esses pagos por meio de impostos de todos os contribuintes), tentando assim mitigar a dor e o sofrimento daqueles que, da noite para o dia, têm sua função ou emprego interrompidos e veem sua geladeira esvaziar-se. Mas estaríamos todos sujeitos a essas dificuldades? Não, nem todos nós.
Por lei, os servidores têm emprego e sua renda garantidos. Além da estabilidade empregatícia, o STF, em junho de 2020, negou uma redução temporária dos vencimentos desses privilegiados, política de cortes e enxugamento já amplamente adotada no setor privado – e somente entre aqueles que tiveram a sorte de ter os empregos mantidos.
Em épocas difíceis como guerras, epidemias, desastres naturais ou crises econômicas, diversos países têm a oportunidade de reforçar sua identidade e propósito de união. Em tais situações, a estabilidade da sociedade, em meio à exigência de maior sacrifício pessoal, passa também pela percepção da maioria de que o sacrifício temporário é distribuído de maneira justa e solidária.
Congelamento, reduções e cortes de benefícios exacerbados seriam uma honrada e minimamente esperada postura daqueles que deveriam servir à população. Entretanto, o que se vê desde muito tempo, e grita atualmente, são servidores públicos ganhando 96% a mais do que os trabalhadores do setor privado que desempenham funções semelhantes. Essa amostra está disponível em estudo do Banco Mundial divulgado em conjunto com o Ministério da Economia em 2019, intitulado “Gestão de pessoas e Folha de Pagamentos no Setor Público Brasileiro – o que dizem os dados?”. Não é ético, nem justo, mas está na legislação.
Além dessas espantosas distinções entre setor público e privado, vale lembrar que a fonte de financiamento estatal não é mais do que a geração de valor e riqueza privados. Hobbes viveu e escreveu no século XVI, e muito bem colocou uma frase que ilustra esse disparate: homo homini lupus. O homem é o lobo do homem, seja pelo seu egoísmo, seja pelo seu egocentrismo. Não à toa, sua representação para o Estado que rege o contrato social e deve conter o impulso egoísta do homem é o Leviatã, criatura-monstro gigantesca que, ao agir para defender a vida da sociedade, deve ser forte, cruel e violenta.
O Leviatã de Hobbes é o rei absoluto com uma armadura formada pelos seus súditos, causando temor pela espada e dominando toda a paisagem. Detalhe do texto escrito em latim: “Non est potestas super terram quae comparetur ei”, que pode ser traduzido livremente como “Não há poder na Terra que se compare a ele”. Realmente, seja pelos desmandos de nossos mandatários, seja pela sua cruel e violenta condução econômica em relação ao setor privado, Hobbes nunca pareceu tão atual. Frédéric Bastiat, três séculos depois, complementou: “O Estado é a grande ficção por meio da qual todos tentam viver às custas de todos”.
*André Marchesi é empresário, associado do IEE e Mestrando em Economia com dupla titulação pela OMMA e pela Mackenzie.
Foto: Reprodução/Arquivo pessoal.
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