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‘Em dois anos, não teria um brasileiro sequer sem teto’, avalia Salim Mattar sobre benefícios das privatizações

Empresário e ex-secretário de desestatização do governo Jair Bolsonaro, Salim Mattar falou ao Boletim da Liberdade sobre privatizações, programas sociais, democracia, eleições, educação e futuro
Foto: Antonio Cruz/Agência Brasil

O empresário Salim Mattar, 72 anos, é, merecidamente, uma das principais referências quando o assunto é a defesa do liberalismo no Brasil. Além de incentivador de longa data de organizações voltadas à difusão do ideário liberal, o empreendedor mergulhou, em 2019, para uma aventura na máquina pública: auxiliar o recém-eleito governo Bolsonaro em sua promessa de “retirar o Estado da cangote do cidadão”.

Em entrevista exclusiva concedida ao Boletim da Liberdade, Mattar falou abertamente sobre inúmeros temas. Explicou ter deixado a Secretaria Especial de Desestatização, ligada ao Ministério da Economia, após perceber “forte oposição do establishment” contra as privatizações, mas destacou avanços na diminuição do tamanho do Estado no atual governo, como ter colaborado na venda de 145 bilhões de reais de ativos e na redução de 84 CNPJ’s.

Defensor das privatizações, Mattar também afirmou que enxerga na medida um caminho para avanços sociais, tais como defendidos pelo economista Milton Friedman (1912-2006). Em seus cálculos, seria possível arrecadar 1 trilhão de reais com a venda de estatais, dos quais apenas 600 bilhões seriam suficientes para zerar o déficit habitacional no país.

“Em dois anos, não teria um brasileiro sequer sem teto. Olha que espetáculo que seria isso. Mas os nossos políticos preferem ter estatais. Se vendêssemos as estatais e construíssemos as casas populares, ainda sobrariam 400 bilhões de reais. Isso daria para fazer um robusto programa de ajuda emergencial por muito tempo, para mais pessoas, e de melhor valor”, avaliou.

Reconhecendo não ter alcançado a expectativa de “disrupção” com o governo Bolsonaro, Mattar mostrou-se otimista quanto ao surgimento de algum nome que, nas próximas eleições presidenciais, possa atender aos anseios dos liberais de transformação do Estado – na avaliação dele, não há, dentre os nomes postos, nenhum liberal.

Confira a entrevista a seguir:

Boletim da Liberdade: Em agosto de 2020, o sr. deixou o governo Jair Bolsonaro e, entre outros pontos, sinalizou, em artigo, que havia concluído que dedicando seu tempo “aos institutos liberais Brasil afora” poderia continuar “contribuindo com a construção de um país melhor”. No entanto, no início de abril, o sr. foi nomeado consultor do Governo de Minas. O que fez o sr. reconsiderar a posição e voltar a atuar no Estado?

Salim Mattar: Ótima pergunta. Vai me dar a oportunidade de esclarecer a minha posição no Governo de Minas Gerais. O governador [Romeu] Zema talvez seja um dos melhores governadores do Brasil. Está fazendo uma administração impecável no estado. Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Rio de Janeiro eram três estados com a economia devastada. Esses estados sofreram muito nos últimos anos, nos últimos governos. Então o [Romeu] Zema está fazendo um trabalho espetacular de reconstrução do estado. Sempre fui um apoiador do Zema, acho que ele está fazendo uma administração muito boa, mas as privatizações em Minas não estavam andando.

Como eu tinha uma certa experiência no governo federal, eu sou um agente colaborador. Agente colaborador é uma pessoa que não ganha nada, não tem salário, não tem cargo. Eu atuo de uma forma indireta ajudando as desestatizações do Estado de Minas. O meu relacionamento é todo com o secretário de desenvolvimento, que se chama Fernando Passalio. Nós estamos fazendo um trabalho de melhoria dos nossos conselhos, das estatais, eventualmente de alguma diretoria, de forma a ter um direcionamento para a venda ou fechamento de empresas públicas. Estou dando uma ajuda part-time, não é full-time, apenas para aproveitar essa minha experiência e transferindo esse know-how para o Estado de Minas.

Boletim da Liberdade: O sr. sempre teve um posicionamento firme na importância de reduzir o tamanho do Estado. Muitos, no entanto, inclusive liberais, declaram decepção em relação às expectativas criadas em termos de privatizações pelo atual governo. Como o sr. avalia a redução do tamanho do Estado no governo Bolsonaro? 

Salim Mattar: É verdade. O discurso do então candidato Bolsonaro era muito liberal. Ele falava em fechar a empresa do trem bala, que se chama EPL, do Ministério da Infraestrutura; ele falava de vender a EBC, que era a “TV da Dilma”; ele falava em privatizações, em reduzir o tamanho do Estado e tirar o Estado do cangote do cidadão. Esse é um discurso liberal.

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Por esse discurso e tendo em vista que Paulo Guedes foi convidado para ir para o Ministério da Economia, eu acreditei que o Brasil estava em um momento que iria acontecer uma grande transformação, uma grande disrupção, e que um processo de privatizações iria acontecer fortemente. Infelizmente, não aconteceu essa privatização, como você sabe.

Então eu decidi deixar o governo quando eu vi que não haveria privatizações pela frente, uma vez que existia muita resistência no establishment em relação a reduzir o tamanho do Estado. Em outras palavras, reduzir o número de empresas estatais, suas subsidiárias, suas coligadas e suas investidas. Vendo então essa forte oposição do establishment, eu decidi deixar o governo.

Boletim da Liberdade: Mas o sr. enxerga que houve uma redução do tamanho do Estado? Ou não?

Salim Mattar: Durante esse período de tempo, eu quero lhe dizer o seguinte: quando eu fui para o governo, eu recebi um relatório de que o Brasil teria 134 estatais. Mineiro que sou, desconfiado, resolvi fazer um levantamento mais detalhado. E encontramos 698 empresas entre estatais, subsidiárias, coligadas e investidas. Enquanto eu estava no governo, nós vendemos 84 dessas empresas e apuramos cerca de 145 bilhões [de reais]. Ou seja, o Estado ficou menor em 145 bilhões e em 84 CNPJs. Depois que eu saí do governo, esse processo praticamente paralisou e não se fala dentro do governo hoje de privatização. Você está vendo hoje dificuldade de se privatizar a Eletrobrás e a privatização dos Correios pode ser uma privatização meia boca.

Boletim da Liberdade: Se o presidente da República, que foi eleito com uma agenda liberal, lhe pedisse um conselho do que fazer nesses pouco menos de dois anos finais de mandato, o que o sr. lhe recomendaria?

Salim Mattar: Essa é uma recomendação difícil porque não basta o presidente querer privatizar. Ele tem que combinar com o Congresso Nacional. Então o Congresso Nacional teria que aquiescer as privatizações. Não adiantaria eu aconselhar o presidente – “presidente, venda todas as empresas” – pois ele não tem força para isso. A democracia jabuticaba brasileira foi feita de tal forma após a Constituição de 1988 que os três poderes, em vez de trabalharem harmônicos, acabam estando sempre em conflito, o que não é bom para o país. Então, apesar de ter sido eleito com 57,7 milhões de votos, você verifica que o presidente não consegue passar a pauta de costumes para a qual ele foi eleito. Ou seja, o legislativo e o judiciário deveriam respeitar, no mínimo, o voto dos eleitores. Então, hoje, eu diria para você que não há possibilidade de a privatização seguir adiante porque há uma forte resistência dentro do legislativo. Você está acompanhando pelo caso, por exemplo, da Eletrobras.

Boletim da Liberdade: Mas tem alguma frente que o sr., se fosse fazer uma sugestão, acredita que ele poderá atuar? Estando mais ao alcance dele, como uma reforma, algo assim…

Salim Mattar: A sugestão que eu poderia dar para ele eu já havia feito. Foi quando ele resolveu buscar um apoio no centrão. No Brasil, se chama de presidencialismo de coalizão. O que é o presidencialismo de coalizão? É sinônimo de “toma lá, dá cá” – ou a palavra bonita de “toma lá, dá cá”. Então, desde 1985, no governo Sarney, adotaram o “toma lá, dá cá”. Assim foram todos os governos. Lula, Dilma, FHC, Itamar Franco, todos fizeram a mesma coisa.

O presidente Jair Bolsonaro tinha dito diversas vezes ao longo de sua campanha que não iria entrar no jogo do “toma lá, dá cá”. Que ele gostaria de moralizar a coisa pública. Então ele não fez esse jogo e, com isso, não houve nomeação de políticos de partidos de oposição para o apoiarem, como ministros ou presidentes de estatais. Então, o que aconteceu? O presidente não teve apoio no Congresso. Então o que ele teve que fazer foi o que todos fazem e que a imprensa critica.

A imprensa critica Bolsonaro por estar fazendo o “toma lá, dá cá”, obtendo o apoio do centrão. Ok. Mas só para te lembrar: o centrão apoiou Temer, Dilma, Lula, Itamar Franco, Fernando Henrique Cardoso e Sarney. O interessante é que ela chamava de presidencialismo de coalizão o mesmo que aconteceu nos governos anteriores. Ou seja, nós temos aí duas formas diferentes para tratar o mesmo problema.

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Boletim da Liberdade: A pandemia de Covid-19 influenciou governos ao redor do mundo a tomarem medidas que ampliaram as despesas públicas. Nesse contexto, houve o auxílio emergencial no Brasil que, segundo pesquisa da FGV, foi capaz, inclusive, de reduzir a pobreza temporariamente de forma significativa. Como o sr. enxerga programas continuados de renda básica dentro de um patamar mais elevado de remuneração, como na casa dos R$ 600, por exemplo? Esse tema foi reacendido com uma decisão do STF que exigiu que o governo implemente um projeto de lei de 2004 da renda básica de cidadania. 

Salim Mattar: Essa ideia é de Milton Friedman, da Escola de Chicago. Ele sempre defendeu que, aos cidadãos mais necessitados e mais desvalidos da sociedade, o governo ajudaria através do imposto de renda negativo. Ou seja, aquelas pessoas que não têm renda teriam um apoio. É um programa justo, é um programa muito bom, eu apoio esse tipo de programa. Nós poderíamos fazer um robusto programa de auxílio emergencial para mais pessoas, com tempo mais longo e com um maior valor.

Nossas estatais valem 1 trilhão de reais. Governar é alocar recursos. Aí fica a pergunta: por que esses governos brasileiros preferem manter estatais a ajudar com uma renda mínima básica os mais necessitados? E nós não teríamos pobreza. Nós temos hoje 5,85 milhões de brasileiros sem teto. Nós poderíamos com 600 bilhões de reais, desse 1 trilhão, construir 6 milhões de casas populares. Em dois anos, não teria um brasileiro sequer sem teto. Olha que espetáculo que seria isso.

Mas os nossos políticos preferem ter estatais. Se vendêssemos as estatais e construíssemos as casas populares, ainda sobrariam 400 bilhões de reais. Isso daria para fazer um robusto programa de ajuda emergencial por muito tempo, para mais pessoas, e de melhor valor. Então é questão de opção. Governar é alocar recursos. Os nossos governantes, o establishment, o Executivo, o Legislativo e o Judiciário, continuam insistindo que nós devemos continuar mantendo nossas estatais em vez de ajudar os cidadãos mais desvalidos.

Boletim da Liberdade: O sr. enfatiza muito em suas publicações a importância de privatizações e reformas econômicas. Alguns grupos liberais, contudo, hoje mostram-se severamente preocupados com as liberdades políticas. Nesse contexto, quais são os desafios que o sr. enxerga no cenário brasileiro? Avalia, por exemplo, riscos reais à democracia? Existe algum risco às liberdades políticas no cenário atual?

Salim Mattar: Não. A esquerda progressista, politicamente correta, junto com a imprensa brasileira, está queixosa do governo Bolsonaro porque foi cortado R$ 1,8 bilhão de verbas para a imprensa. E, só para lembrar, quando falo da imprensa brasileira, falo como cidadão. Não sou bolsonarista. Então, com isso, ele ganhou a antipatia da imprensa, perfeito? Então esse negócio de risco para a democracia brasileira é coisa de social-democrata, isso é coisa da esquerda progressista. Não tem risco nenhum.

Você está vendo o Supremo trabalhando, funcionando, a toda. E, inclusive, muitas vezes, além de suas atribuições, mostrando que as instituições funcionam e às vezes até exacerbam de suas responsabilidades. Você está vendo o Senado montando uma CPI contra o presidente. A democracia brasileira vai muito bem, obrigado. Não há risco nenhum.

Esse risco é uma falácia da esquerda progressista para, exatamente, estimular a imprensa internacional a falar mal do Bolsonaro e também que isso seja um discurso de campanha dizendo que a democracia brasileira tem risco. Tem risco coisa nenhuma, isso é falácia. E ninguém acredita que tenha risco também não. Eles só colocam isso no papel, mas ninguém acredita, nem o leitor de jornal que lê isso acredita. Todo mundo sabe que não é verdade, que não existe risco à democracia brasileira.

Boletim da Liberdade: Críticos a Bolsonaro e também a Lula, alguns grupos liberais consideram a possibilidade de aglutinar forças em uma terceira via viável a tentar uma vaga no segundo turno. Nesses diálogos iniciais, há, inclusive, menções a Ciro Gomes e políticos tucanos. Faz sentido os liberais apoiarem uma terceira via para 2022 para evitar Bolsonaro ou Lula, ainda que essa terceira via não seja 100% liberal?

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Salim Mattar: Ótima pergunta. Vai passar muita água debaixo da ponte ainda. Nós estamos no mês de abril. Tem muito tempo para tomar decisões e eu acho que vai acabar surgindo algum candidato que represente mais o que os liberais pensam. Mas esses candidatos que aí estão não são liberais. Nós, liberais, respeitamos a individualidade de cada um, o voto de cada um, e nós acreditamos que ainda vai surgir um candidato que efetivamente seja, para o Brasil, uma alternativa possível. Alguém que possa assumir o Brasil e possa fazer uma disrupção no país, uma transformação no país, que era esperado acontecer com Bolsonaro e Guedes e acabou não acontecendo.

Boletim da Liberdade: O movimento liberal cresceu consideravelmente ao longo da última década. Mas, em 2020, muitos consideraram que foi um ano ruim para a liberdade. Na avaliação do sr., o que mais poderia ser feito para popularizar o ideário liberal? Há algo que lhe chame atenção nesse cenário?

Salim Mattar: O Instituto Liberal, o primeiro instituto liberal do Brasil, foi fundado em 1983. Ou seja, há 38 anos. Hoje, existem no Brasil cerca de 120 institutos liberais. Esparramados Brasil afora. Isso é uma forma de cada instituto ser uma célula que faz propaganda do ideário liberal. O fato é que a escola brasileira é progressista, com professores socialistas e de esquerda, que dominam a escola brasileira e formam o caráter, a ideologia dessas pessoas.

Consequentemente, a grande massa, por exemplo, de empresários brasileiros, é composta por sociais-democratas. Não é culpa deles. Foram formados assim nas escolas, se acostumaram com as nossas entidades de classe. Devido a formação, são poucos liberais. A grande maioria dos brasileiros são sociais-democratas porque foram trabalhados nas escolas. Os professores das escolas brasileiras são todos de esquerda.

É um sindicato forte. Você está vendo aí quando eles fazem greve – e o que eles conseguem fazer com o poder deles. Não podem ser demitidos, não aceitam meritocracia nas escolas. Então, na realidade, o brasileiro foi formado em uma escola que é, de certa forma, doente, porque ela é de esquerda, progressista.

E você verifica, por exemplo, que [o ex-ministro da Educação, Abraham] Weintraub tentou enfrentar isso dentro do Ministério da Educação e não conseguiu. E nós temos aí uma Escola Sem Partido, do Miguel Nagib, tentando dizer o seguinte: “pessoal, escola é para aprender matemática, geografia, português, línguas, não é lugar de ensinar ideologia para as nossas crianças e jovens”. E não consegue. Ou seja, o establishment prefere mesmo que a escola siga sendo um centro de ideologia de esquerda no Brasil.

Boletim da Liberdade: Obrigado pela entrevista. Por fim, perguntamos: além de atuar no governo de Minas Gerais, o sr. possui outros projetos pela frente ou mesmo a considera a possibilidade de ser candidato nas próximas eleições?

Salim Mattar: Eu não considero a possibilidade de ser candidato em cargo eletivo. Isso não passa pela minha cabeça. Nem nunca passou na minha cabeça ir para o governo. Eu fui para o governo porque acreditei que poderia acontecer uma disrupção, uma transformação no país. Infelizmente, foi frustrante, você sabe o resto da história. O que estamos fazendo agora é abrir 10 novos institutos de formação de líderes. Já temos hoje Instituto de Formação de Líderes em Santa Catarina, São Paulo, Belo Horizonte, Brasília, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e Espírito Santo. E estamos abrindo 10 novos institutos para disseminar o ideário liberal. Esses institutos são para jovens, formação de lideranças empresariais e lideranças políticas baseadas no conceito da livre iniciativa, do mercado livre, do estado democrático de direito, do princípio da subsidiariedade. É uma forma de disseminar o ideário liberal. Estou empenhando nesse momento a continuar expandindo o número de institutos que nós temos no Brasil.

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