O deputado federal Daniel Coelho (Cidadania/PE) assumiu no final de fevereiro a presidência da Frente Parlamentar pelo Livre Mercado. A iniciativa, lançada no início de 2019, tem entre seus objetivos a defesa da livre iniciativa, a desburocratização e a melhoria do ambiente de negócios no Brasil. [1]
Para abordar as prioridades da frente para o ano de 2021 e temas como a atuação do governo Bolsonaro no campo da liberdade econômica e a perspectiva da livre iniciativa para 2022, o parlamentar concedeu uma entrevista exclusiva ao Boletim da Liberdade.
Na avaliação de Daniel Coelho, entre outros pontos, o governo “deixou todo mundo de orelha em pé e extremamente preocupado” após a mudança de comando da Petrobras e avaliou que o desafio da frente é “criar um ambiente de pressão para empurrar o governo, cada vez mais, para uma agenda de liberdade econômica maior no país”.
Ao longo da entrevista, o deputado também falou de temas como a liberdade de as empresas poderem importar vacinas, o risco da desindustrialização do país e possibilidades de reforma tributária. Confira:
Boletim da Liberdade: O sr. assumiu no final de fevereiro a presidência da Frente Parlamentar pelo Livre Mercado. Quais são as prioridades em que o grupo pretende atuar em 2021?
Daniel Coelho: A prioridade da frente é o ambiente de negócios, a questão da desburocratização, a reforma tributária, a reforma administrativa, que são um conjunto de reformas que melhoram o ambiente para quem quer investir, quem quer gerar empregos. A gente tem uma Medida Provisória também sendo gestada no governo, que é o que está sendo chamada da “MP da Liberdade Econômica 2” ou “MP do Ambiente de Negócios”, que vai ser um instrumento importante porque, além daquele texto que vem do governo, a frente pode trabalhar também no sentido de aprimorá-la e tentar melhorar a situação do investidor brasileiro. Então, terminam as duas reformas – a Administrativa e a Tributária – e essa Medida Provisória, junto com qualquer processo de desburocratização e declive fiscal sendo prioridades de curto prazo para a frente parlamentar.
Boletim da Liberdade: O governo do presidente Bolsonaro chegou à segunda metade. Como o sr. avalia o compromisso dessa administração com uma agenda da liberdade econômica no país?
Daniel Coelho: O governo tem vários atores. Apesar de a gente enxergar que, em alguns segmentos do governo, especificamente no Ministério da Economia, há um convencimento de que a liberdade econômica traz resultados para o Brasil – e não só na questão econômica em si, mas também por ter impacto social, na geração de empregos e diminuição da pobreza -, a gente tem as resistências também, a medida que as eleições se aproximam. A gente vê as pressões dentro do governo, de um populismo e intervencionismo estatal em diversas áreas da economia.
Então, eu vejo que o governo é um governo que termina transitando entre momentos da defesa da liberdade econômica e momentos da busca por um maior intervencionismo e populismo, sejam eles fiscais ou de gestão de empresas públicas. O exemplo recente, da Petrobras, deixou todo mundo de orelha em pé e extremamente preocupado. E também a falta de empenho em algumas reformas que são essenciais termina nos preocupando.
Um dos papéis da Frente Parlamentar [pelo Livre Mercado] é, nesse jogo de pressões de lado a lado, criar um ambiente de pressão para empurrar o governo, cada vez mais, para uma agenda de liberdade econômica cada vez mais no país.
O Brasil ainda precisa de um choque grande de liberalismo, a gente tem um país com uma burocracia extrema, com uma carga tributária extremamente alta, com um nível de complexidade tributária também muito alta e é essencial a gente conseguir avançar também nesse sentido para que o Brasil se modernize e vire, de fato, um lugar de oportunidade.
Boletim da Liberdade: Em fevereiro, o presidente trocou o comando da Petrobras e criticou reajustes de preço na estatal – em parte, pressionado por caminhoneiros, que poderiam entrar em greve. É possível acreditar em um Brasil em que o mercado de combustíveis seja livre, com preços regulados pelo próprio mercado e totalmente desestatizado? Caso sim, quais seriam os passos para isso?
Daniel Coelho: O exemplo da Petrobras e da maneira como o governo agiu suscitou ironias, que foram colocadas em segmentos da imprensa e da sociedade, como se estivesse começando um novo mandato de Dilma (PT) pela forma parecida das decisões tomadas por ela. A gente sempre vive uma pressão muito grande. O combustível mexe na inflação, mexe no bolso da classe média, mexe com o caminhoneiro e é tema de grande sensibilidade.
O que precisamos realmente [para implementar] um mercado livre de combustíveis, bem como de todas as commodities do país, é a conscientização da população. O que precisa ser compreendido é que commodities que têm preço estabelecido através do mercado internacional e do dólar vão ter uma variação que está relacionada à variação da moeda. O grande problema da alta de combustíveis no Brasil é que ela não está [baseada] em uma política de variação do preço vinculada ao dólar.
Ela está na desvalorização do real e a desvalorização do real se deu pela falta de reformas, pelo desequilíbrio nas contas públicas, pela falta de confiança no país. Então não basta você gritar e dizer que está a favor do mercado e de uma agenda liberal: é preciso praticar a confiança, e aí é onde entra também a falta de estabilidade política e comportamental do governo.
O governo que cria atritos e confusões desnecessárias gera desconfiança e desvaloriza a moeda; desvalorizou a moeda, aumenta-se o preço dos combustíveis e aí você tem pressão social e vem o intervencionismo como possível solução mágica, o que é equivocado.
Se a gente quiser, de fato, fazer uma política para recuperação do poder de compra da população e por preço de combustível que seja compatível com a renda dos brasileiros, o que precisamos de verdade é o equilíbrio fiscal e confiança no mercado internacional para que a gente tenha uma recuperação do valor do real frente a outras moedas .Consequentemente, o combustível ficará mais barato para a população brasileira.
Boletim da Liberdade: Em decorrência da pandemia, discutiu-se muito sobre o quão oportuno seria a possibilidade de as empresas poderem livremente importarem vacinas para aplicação em seus funcionários. Qual é a avaliação do sr. sobre esse tema?
Daniel Coelho: É um erro proibir que empresas possam importar e aplicar vacinas em seus funcionários. A gente tem uma dificuldade imensa, nós temos uma quantidade de vacinas produzidas do ponto de vista global menor do que a quantidade de pessoas que precisam se vacinar, e toda soma de esforços é positiva.
Inclusive quando as empresas importam livremente as vacinas e aplicam em seus funcionários, temos aí dois impactos positivos da sociedade como um todo e até para o governo: primeiro, esse era um dinheiro que o governo teria que gastar e agora será investido pela iniciativa privada, portanto temos economia nas contas públicas; e a capacidade de segurança sanitária para a população é aumentada.
No momento em que temos empresas de grande fluxo, principalmente no varejo e prestação de serviços, onde temos uma grande circulação de pessoas, onde todos os funcionários vacinados, eles deixam de ser vetor de contaminação. Então até no setor sanitário e no combate ao vírus, quanto mais livre for o mercado e maior for a possibilidade de as empresas importarem vacinas, melhor para a sociedade – tanto do ponto de vista econômico, como também na saúde da população brasileira.
Boletim da Liberdade: Algumas empresas deixaram ou ameaçaram deixar o Brasil nos últimos meses – caso, por exemplo, da Sony e da Ford. Em que medida abrir o mercado é solução ou ameaça à industrialização nacional?
Daniel Coelho: A gente sabe que parte das ameaças vem da confusão e da falta de coerência e estabilidade na política tributária do Brasil e de incentivos. Os incentivos sem vocação sempre deixam o país numa posição de ser colocado contra a parede. Se você tem uma clareza tributária e uma diminuição da burocracia, você gera estabilidade e segurança.
A ameaça de perder novos investimentos ela está correlacionada à questão tributária: à confusão tributária do Brasil. Mas, também, o Brasil tem perdido nos últimos tempos a sua capacidade de formação de mão de obra qualificada como o mercado exige.
Precisamos trabalhar nos dois pontos: a questão da formação de mão obra, a clareza tributária e [em] um terceiro elemento, que é o elemento logístico. O Brasil tem portos que se assemelham aos padrões internacionais, mas temos uma deficiência completa em uma rede de ferrovias quase inexistente e na nossa rede rodoviária em péssimo estado. Evidente que não estimula alguém produzir em nosso país quando você não tem nem clareza tributária nem a logística adequada.
Boletim da Liberdade: De acordo com o estatuto de criação, um dos objetivos da Frente Parlamentar pelo Livre Mercado é a defesa flexibilização das relações de trabalho. Mesmo com a possibilidade de terceirização das atividades-fim, conquista da última reforma trabalhista, a chamada “pejotização” ainda é uma questão dos tribunais e que, não dificilmente, reverte em condenações para os empregadores. Flexibilizar de forma efetiva a CLT sem recorrer a atalhos, reduzindo os custos para o empregador, está na pauta do Congresso?
Daniel Coelho: Os debates polêmicos sobre a “pejotização” e a terceirização terminaram sendo pauta grande do período do governo Temer. A gente lembra que, naquele período, foi quando avançou a reforma trabalhista e também foi naquele período promovido o debate mais intenso na questão da terceirização.
O atual governo sequer tratou da questão trabalhista e está muito evidente que, se nós não mudarmos nossa legislação trabalhista para uma efetiva mudança nos conceitos da CLT, o Brasil sempre terá essa questão como um gargalo. A gente fez uma reforma trabalhista que foi extremamente suave. Ela não mexeu na estrutura da CLT.
A reforma trabalhista criou alguns mecanismos mais modernos, e também teve conquistas quando enfrentou a estrutura sindical extremamente poderosa do Brasil. Mas, de fato, os custos continuam sendo extremamente elevados. Apesar de essa pauta existir em segmentos do Congresso, principalmente na Frente pelo Livre Mercado, a gente sente a ausência do governo, até do Ministério da Economia, quando trata desse assunto.
Boletim da Liberdade: Uma das reformas em discussão no Congresso Nacional é a tributária. Há algum modelo que o sr. acredite que seja mais ou menos propício ao livre mercado? Por exemplo, uma nova CPMF.
Daniel Coelho: A CPMF é um imposto regressivo, estimula o caixa 2 e a circulação de dinheiro em espécie não contabilizado. De todas as soluções, ela é uma das piores. Ela é cômoda para o governo porque termina sendo uma injeção de dinheiro na veia. Mas, como resultado do planejamento tributário para o país, é muito ruim.
A mudança na tributação brasileira deve se dar pela simplificação. A gente não pode, vivendo a crise fiscal que vivemos no país, falar simplesmente na carga tributária. Simplificar o modelo tributário brasileiro, acabando com uma série de impostos e unificando-os numa menor quantidade de produtos já traz muita clareza e estímulo ao empreendedor.
As questões regionais também são importantes [de serem tratadas]: as guerras fiscais entre estados terminam sendo sustentação artificial para economias locais, mas com imenso prejuízo nacional. Então é importante que, através de um processo de “desmame”, acabem-se as concorrências locais e as guerras fiscais locais que terminam não beneficiando a sociedade como um todo, mas sim trazendo benefícios localizados e com prejuízos.
Boletim da Liberdade: Quando o Brasil, ao que tudo indicava, iria retomar a rota de crescimento, veio a pandemia do coronavírus e derrubou a economia. Nas eleições de 2022, como o sr. acredita que o tema do livre mercado e da liberdade econômica seguirá sendo atrativo como esperança e solução para a crise, mesmo com medidas intervencionistas sendo tomadas mundo afora, inclusive no Brasil?
Daniel Coelho: É evidente que, em um momento de crise, as intervenções ganham força e até economias liberais consolidadas tiveram atitudes intervencionistas ou diretas para a população. O formato do auxílio emergencial brasileiro também estabeleceu-se em economias liberais consolidadas e isso é inevitável em momentos de crise. O que não pode acontecer é que essas políticas se tornem políticas permanentes.
A gente lembra das medidas anticíclicas adotadas no Brasil no período da crise econômica de 2008 e 2009 e, na verdade, o prejuízo daquele processo é imenso para o Brasil até hoje porque as medidas anticíclicas acabaram se tornando medidas permanentes, quebraram o país e o seu equilíbrio fiscal.
Mesmo que seja tolerado algum tipo de intervenção no momento de crise, isso nunca pode ser política de estado. A liberdade econômica e o livre mercado do ponto de vista científico foram a única maneira que fez nações enriquecerem e mudarem de patamar, inclusive quando falamos de IDH e indicadores sociais.
Se você observar o episódio chileno na década de 1980 com reformas liberais e abertura de mercado; quando você observa a Coreia do Sul, que era uma nação pobre e desindustrializada; quando você observa o início da década de 1980, com o processo ocorrido no Reino Unido, um país que naquela época era extremamente decadente e vivendo da sua história passada, mas sem nenhuma perspectiva de futuro, a gente tem aí três exemplos… um na América do Sul, outro na Ásia, outro na Europa.
Países que adotaram o livre mercado através de reformas liberais conseguiram não só o rápido desenvolvimento econômico como também a evolução cultural e social de seus países e de suas nações.
O que precisa ser defendido em 2022 é uma agenda de país que trate de forma racional a necessidade de modernização da nossa economia e de menos interferência e intervenção estatal; e que se tenha clareza que, apesar dos avanços, e eles houveram, não há como negar; que é um exagero que a gente tenha atualmente um governo liberal ou que de fato defende por completo a economia de mercado.
Ainda temos um governo que principalmente no pós pandemia acabou abusando do intervencionismo principalmente para tentar dialogar com o populismo e com segmentos que são minoritários na sociedade brasileira.