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Terra de paradoxos

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*Andre Filipe Marchesi

Em entrevista ao jornal O Estado de São Paulo, o economista Eduardo Giannetti da Fonseca mencionou o “paradoxo do brasileiro”. Todos nós o conhecemos – e muitos de nós o praticamos sem perceber. Nós, os brasileiros, somos extremamente rigorosos para julgar as falhas dos outros, mas somos de certa maneira indulgentes e concessivos quando se trata de nossas próprias falhas ou de nossos próximos.

Nos mostramos corretamente indignados com a corrupção, a incompetência, a estupidez, a falta de educação, a intolerância dos demais. Mas nós mesmos, com frequência, incorremos nos mesmos males, nos mesmos defeitos – sempre encontramos as desculpas mais improváveis para nossos erros e tropeços. No caso do Estado, a mesma mão que intervém na maior empresa estatal do país, abrupta e inadvertidamente, assustando o mercado financeiro, também afaga investidores com sinalização de privatização no setor elétrico. Este mesmo governo, que há dois anos se elegeu com o discurso liberalizante e privatizante, não conseguiu colocar em voga sua agenda, rendeu-se aos encantos do Centrão e usou de concessões aéreas para amenizar sua falha até então.

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Giannetti usa o exemplo de seus alunos, nas três décadas em que ele exerce o magistério superior. Os estudantes vão às ruas protestar contra o preço das passagens de ônibus, os desmandos dos governos, os malfeitos de dirigentes e políticos, porém, boa parte deles simplesmente cola nas provas escritas. Não ligam as pontas – colar na prova é uma transgressão ética de mesmo grau e raiz de crimes e infrações legais.

É da mesma essência do paradoxo do brasileiro o combate à desigualdade social, por exemplo. Desde que a renda a ser repartida não seja a dele. É o caso dos professores da universidade pública que propugnam uma distribuição mais justa da renda, mas que, na recente reforma da Previdência, diante de possíveis perdas, reagiram como se lhes fossem apedrejar e esfolar a pele. A reforma da Previdência, uma clara proposta distributiva, embora limitada, recebeu o carimbo de “neoliberal”, como é tudo que lhes desserve os interesses, “uma forma de privilegiar os bancos e o grande capital”.

Condenam, com razão, a desigualdade, mas passam ao largo de que a mais exuberante concentração da renda nacional se dá nas mãos do Estado – cerca de 34% do PIB. Esse olhar egocêntrico que só vê a si próprio é da mesma natureza que mobiliza grupos e corporações para reclamar prioridade na vacinação – alguns deles têm alguma razão, outros apenas forçam a barra.

Os professores do ensino público, por outro lado, não reclamam prioridade para a vacina; eles simplesmente não aceitam voltar às aulas presenciais, mesmo com todos os protocolos e cuidados comprovados para evitar o contágio da Covid-19. O fato de serem estáveis no emprego e de não terem sofrido redução de salário simplesmente não faz parte da equação.

Se todos pensarem desse modo, quem produzirá os alimentos que nos sustentam, quem os transportará até os centros consumidores, quem os venderá praticamente na porta de nossas casas?

Os professores ficam em casa por causa da Covid, mas não os caixas e repositores de supermercados (para ficar em apenas um exemplo), que têm contato direto todos os dias com centenas de clientes, que manipulam todos os dias milhares de produtos. Educar a juventude brasileira é tão “não essencial” assim?

Ao fim e ao cabo, à direita e à esquerda, nada temos de muito diferente, nem de outros povos, nem dentre nós mesmos. Como diz Giannetti, sem deixar de causar-nos um pronunciado incômodo, “nós somos exatamente tudo isso que aí está”.

*André Filipe Marchesi é associado do IEE.

Foto: Valter Campanato/Agência Brasil

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Aviso

As opiniões contidas nos artigos nem sempre representam as posições editoriais do Boletim da Liberdade, tampouco de seus editores.

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